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Três Mulheres de Três PPPês foi a primeira, e a única, obra de ficção de Paulo Emílio Sales Gomes, um dos mais importantes ensaístas do cinema nacional. A vontade de escrevê-lo pode ter surgido por influência da esposa, a escritora Lygia Fagundes Telles. Em um de seus contos, "Um Retrato", ela revela o desejo do marido de passear por bosques inéditos: "Por que não avisou que escrever ficção é essa coisa maravilhosa? Agora só quero inventar histórias".

Conta-se que o livro, uma reunião de três novelas, surgiu como uma boa desculpa do autor para descansar após a exaustiva elaboração de sua tese de doutorado sobre os anos de formação do cineasta Humberto Mauro. O estímulo foi o anúncio de um concurso de contos do Paraná, que prometia bom prêmio.

Após tê-lo escrito, por volta de 1973, para publicá-lo somente em 1977, mal pôde desfrutar o reconhecimento da crítica. Morreu naquele mesmo ano, fulminado por um ataque cardíaco.

O livro em que o estudioso da sétima arte deu asas à sua fantasia acaba de ser reeditado pela CosacNaify, em edição, para variar, primorosa. Carlos Augusto Calil, responsável pela organização e o posfácio, reuniu uma fortuna crítica digna de um crítico de cinema do calibre de Paulo Emílio, formada por artigos que representam as primeiras reações à sua obra. Estão lá Roberto Schwarz, Alexandre Eulálio, José Geraldo Nogueira e Modesto Carone, entre outros.

As três novelas tem temática semelhante e parecem mera desculpa para a sondagem, muito sarcástica, de uma realidade percebida pelo autor. O enredo é conjugal, picante, rocambolesco. Dito desse modo, parece mais uma história comprada em banca para puro divertimento. É o que se conclui à primeira vista.

Quem a narra é Polydoro, um patético representante da burguesia paulista da década de 40, mas não o chame assim. O personagem abomina seu primeiro nome – e é por isso que o livro se intitula Três Mulheres de PPPês. Tanto ele quanto os outros personagens deixam-se seduzir pela "ciência da numerologia", a linguagem de abreviaturas, odes à mulher paulista e outras manias, que, somadas aos anões de jardim que enfeitam o pátio central das Águas de São Pedro, onde os personagens vão tratar a artrite, simbolizam a burguesia paulista. Termo que soa como pleonasmo, já que para Paulo Emílio burguês é sinônimo de paulista – e ele tinha horror aos dois substantivos.

Na segunda novela, "Ermengarda com H", revela o personagem, diante da perspectiva de uma vida conjugal: "Em suma, meus sonhos juvenis de suprema elegância, poder e cultura tinham se reduzido a um nível bem paulista". Mas, as reviravoltas trazidas pelos desejos de Ermengarda, que exigia a pronúncia de um portentoso H antecipando o restante de seu nome, fazem-no vítima do ardil feminino presente nas três novelas, narradas em tom autobiográfico pelo protagonista. Na primeira, "Duas Vezes com Helena", o caso que teve com a jovem esposa de seu mestre é explicado com o rigor de uma novela policial com desfecho trágico. "Em Duas Vezes Ela", há sarcasmo até o final psicanalítico.

Os perfis dos protagonistas serviriam bem aos livros cor-de-rosa, mas o desacordo entre a limitação das personagens e a inteligência da escrito do autor é justamente o X estético da questão, como bem explica Roberto Schwarz, em texto no posfácio. Ele vê a prosa do autor como "esplendidamente desabusada e flexível", pairando "como uma enorme risada sobre a estreiteza do assunto e a obviedade dos andaimes narrativos". "A prosa é de mestre, mas quem a formula são personagens escolhidamente patetas", diz o crítico, para arrematar de modo bombástico, nomeando o livro como "a melhor prosa brasileira desde Guimarães Rosa".

Serviço: Três Mulheres de Três PPPês, de Paulo Emílio Sales Gomes (CosaNaify, 200 págs., R$ 45).

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