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A abordagem espiritualista foi um dos recursos utilizados por Sylvio Back  para representar a Guerra do Contestado | Divulgação
A abordagem espiritualista foi um dos recursos utilizados por Sylvio Back para representar a Guerra do Contestado| Foto: Divulgação

CONFLITO

Conheça os principais fatos e aspectos históricos que marcaram a Guerra do Contestado

Guerra pela terra

Entre 1912 a 1916, na chamada região do Contestado, então disputada pelos Estados de Santa Catarina e do Paraná, a luta pela posse de terra levou cerca de 20 mil sertanejos a lutar com tropas dos governos estaduais, que promoviam a concentração da terra nas mãos de poucos, e do governo federal, que concedeu uma extensa área habitada a uma empresa norte-americana para a construção da estrada de ferro São Paulo–Rio Grande do Sul.

Messianismo

A morte do monge José Maria, que liderava a revolta, no primeiro conflito entre as tropas federais, faria eclodir um movimento messiânico que acreditava na sua ressurreição e na instauração de um reinado de paz, justiça e fraternidade. Os revoltosos chegaram a controlar uma área de 28 mil quilômetros quadrados.

Fim

A guerra terminou em massacre e a rendição em massa dos sertanejos, que não resistiram à superioridade bélica das forças repressivas, os soldados fizeram uso da metralhadora e, pela primeira vez na América Latina, da aviação.

  • Sylvio Back e uma das médiuns que falam sobre o embate
  • Os caboclos que lutaram contra as tropas governistas cultuavam a memória do monge José Maria, morto em conflito

Pode-se considerar o cineasta Sylvio Back prata da casa. Afinal, este catarinense de Blumenau viveu por 30 anos em Curitiba, onde atuou como jornalista e deu início à sua trajetória no cinema. Radicado há muitos anos no Rio de Janeiro, o diretor de Aleluia, Gretchen! volta a pousar seu olhar sobre o Pa­­ra­­­ná e Santa Catarina no documen­­­tário O Contestado – Restos Mortais, que será exibido nesta terça-feira (10) na mostra competitiva do 38.º Festival de Cinema de Gramado.

Movido por um desejo permanente de reverter as falácias e o esquecimento da história oficial, Back remexe no tema que há quase 40 anos originou um de seus filmes de ficção mais polêmicos, A Guerra dos Pelados (1971). Desta vez, escolhe o docudrama, ou seja, mistura ficção e documentário para abordar a Guerra do Contestado (leia quadro).

"Se o Brasil é frequentemente órfão de explicações holísticas, a começar por esse seu drama fundador, a questão da terra, que remonta ao Descobrimento, o Contestado responde a inúmeras perguntas e ronda a própria instabilidade institucional da democracia em nosso país no século 20", explica.

Back quis voltar ao tema na tentativa de ir ao âmago de um episódio da história brasileira que está se tornando invisível, a despeito dos estudos acadêmicos recentes produzidos, inclusive, nos Estados Unidos – o brasilianista Todd Diacon é um dos especialistas ouvidos no filme.

"Pegada para-documental"

Como fazer um documentário sobre um conflito cujos protagonistas estão mortos e cujo imaginário se esmaeceu? Back apelou para um documentário com "pega­­­da para-documental", ou seja, que incorpora o transe me­­­di­­­­ú­­­nico à linguagem cinematográfica.

Algo que não é nenhuma novidade em seu cinema, frisa o cineasta neste momento "em que tanto espiritismo explode nas telas". "Há 26 anos, em Auto-Retrato de Bakun, pincei do passado, pelas próprias palavras do pintor paranaense que se suicidou em 1963, a tragédia de seus últimos dias entre nós", lembra, referindo-se ao seu documentário sobre Miguel Bakun.

Na fase das pesquisas para realizar o docudrama, o cineasta expôs ao historiador Euclides Philippi, agora já falecido, que pretendia investir em médiuns para "ouvir" a história oculta da Guerra do Contestado. O estudioso nonagenário, espírita, lascou-lhe à queima-roupa a pergunta: "O senhor é espírita?". Mesmo pego de surpresa, ele respondeu: "Sou cineasta!". Philippi abriu um sorriso e, imediatamente, começou a narrar suas próprias incursões ao universo mediúnico das "meninas-virgens" que lideravam os fanáticos do Contestado.

Na ficção A Guerra dos Pelados, Back já havia recriado um transe mediúnico na cena em que a atriz Dorothée-Marie Bouvier, no papel da "virgem" Ana, incorporava o monge José Maria, um dos mentores dos revoltosos do Contestado. "Agora, fui a fundo no substrato mítico e mitológico que cerca os monges João e José Maria e seus seguidores, cuja vocação mediúnica era moeda corrente entre eles", conta.

Ele inclui o relato de médiuns à estrutura do filme como um modo de dotar a narrativa "de um tônus ficcional, estrangeiro ao documentário, incorporando verdades e mentiras num mesmo canal audiovisual, que deixe o espectador desarvorado, órfão de qualquer segurança ética e estética", conta.

Intitula o que faz de "antidoc", ou seja, o oposto do documentário consagrado e institucionalizado. Os "clipes" criados pelo designer Fernando Pimenta com imagens de arquivo, por exemplo, raramente surgem para sublinhar os depoimentos e entrevistas. "Ao contrário, por serem flagrantes, ora contaminados por vozes oficiais, ora a mais pura poesia, imaginação e fabulação dos fatos, acabam funcionando como uma espécie de contraponto heroico do que sobrevive um século depois do conflito", diz.

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