Boa parte das discussões e debates sobre o tratamento da depressão esbarra em um clássico, porém falso, problema: a suposta oposição ferrenha entre os dois principais métodos de tratamento. De um lado, a farmacologia que praticamente suplantou a tradição clínica da psiquiatria, a partir dos anos 1970; e, de outro lado, a psicanálise ou outras psicoterapias, com a palavra que representam o resgate (e a afirmação) da experiência da clínica.
O problema é clássico porque remonta uma discussão antiga (e importante) no âmbito das ciências "psi": a oposição entre uma visão biológica (física) do homem, apoiada no modelo das ciências naturais e uma visão psicológica, que, associada aos aspectos cultural e social e à linguagem, constituem parâmetros fundamentais das ciências humanas. Ao mesmo tempo, o problema é falso porque as diferenças técnicas e éticas entre farmacologia e psicoterapia não impedem, ou, pelo menos, não deveriam impedir, uma atuação complementar entre ambas, sobretudo porque essa atuação complementar, segundo pesquisas recentes, é a forma mais adequada de tratamento.
Diagnóstico
Esse campo polêmico no qual se insere a discussão sobre o tratamento da depressão relega para plano secundário o que, na verdade, deveria ser o debate mais importante sobre o tema na atualidade: o diagnóstico indiscriminado da doença e as suas consequências, tanto para o sujeito quanto para a sociedade.
Não é fácil diagnosticar a depressão. Nunca foi. E não se trata de dificuldade apenas para psicólogos ou psiquiatras inexperientes. Basta dizer que a Associação Psiquiátrica Americana (APA), autora do manual diagnóstico que define os critérios para caracterizar os transtornos mentais, somente deu à depressão o estatuto de entidade clínica autônoma em 1980. Antes, para a APA, a depressão era mais um conjunto de sintomas do que propriamente uma doença específica.
A sociedade depressiva
Extremamente curiosa, porém, é a resposta médica, psicológica e social para a dificuldade do diagnóstico da depressão. Qual é a resposta? É justamente o diagnóstico indiscriminado ou (pelo menos) exagerado da doença. E note-se que não se trata apenas de diagnóstico profissional. Usamos a palavra "deprimido" ou "deprimida" como adjetivo. Competindo, talvez, com a palavra "estresse" como paradigma de imprecisão psicológica.
Na década de 70, estariam as origens históricas deste quadro social que se organiza ao redor da depressão. Para o sociólogo francês Alain Ehrenberg, nesta década, se deu o "sucesso" médico e social da depressão. Sucesso médico porque a depressão se tornou o epicentro da psiquiatria e sucesso social porque passou a "designar a maior parte dos males psicológicos ou comportamentais pelos quais passa cada ser humano ao longo de sua vida". Mais ou menos assim se forja a "sociedade depressiva", definição da psicanalista francesa Elisabeth Roudinesco, para o tipo de sociedade que quer banir do seu horizonte a realidade do infortúnio e da morte.
Muitas vezes, no interior da sociedade depressiva, sofrimentos inevitáveis ao longo de uma vida como o luto ou uma tristeza qualquer se tornam insuportáveis para o sujeito que não sabe mais como encará-los e para a sociedade que igualmente não suporta em seu seio homens e mulheres que não são vencedores, que não são eficazes, que não são independentes, que precisariam "perder certo tempo" (e que não se tem mais) para elaborar lutos ou compreender tristezas.
Daí decorre, em parte, a necessidade apressada do diagnóstico que, não raro, parece a melhor (e mais rápida) maneira para explicar uma experiência difícil. A partir daí, em função da redução do sofrimento humano a uma disfunção orgânica, acaba a possibilidade de incorporá-lo a uma história de vida singular.
Cai sobre o sujeito um imperativo social de felicidade e sucesso, que é supostamente livre de tristezas, dores e derrotas. Por exemplo, os livros de autoajuda, em regra, querem adaptar o sujeito a este imperativo. Mas o que se observa é que não nos tornamos mais eficazes ou alegres por tentarmos nos adequar a estas exigências. Nos tornamos, ao contrário, mais depressivos. Paradoxalmente, somos depressivos na medida exata em que não sabemos mais elaborar em nossas vidas a experiência fundamental da tristeza e da dor.
*Marcio Robert é psicanalista.



