
Se o chamado art rock ganhou projeção internacional com emblemáticas bandas como Sonic Youth, Velvet Underground e Radiohead, no Brasil o rótulo teve de se adaptar às características musicais (e tropicais) do país para poder moldar seus próprios e diversos exemplos.
O Movimento Tropicalista, sumo da mistura de correntes artísticas de vanguarda, do pop rock e do concretismo, foi um dos primeiros expoentes dessa manifestação, ainda nos anos 1960. Elementos tradicionais da música e da cultura brasileira eram colocados à mercê de inovações estéticas radicais que, em segunda instância, tinham objetivos sociais e políticos. Mas Caetano Veloso, Torquato Neto, Gilberto Gil, Tom Zé e, principalmente Os Mutantes, fizeram da música a principal forma de comunicação à época do Tropicalismo.
"Em seu período mais criativo (1967 a 1970), Os Mutantes assumiram, de certo modo, uma postura de art rock. Isso se deu tanto no sentido musical, ao injetar em gravações e performances elementos sonoros estranhos ao rock (emprestados da música de vanguarda ou de outras fontes, sob influência direta do genial maestro Rogério Duprat), assim como ao assumir uma atitude de rompimento com a caretice que ainda se via nos meios musicais brasileiros da época", disse o jornalista Carlos Calado, em entrevista por e-mail à Gazeta do Povo. Calado é autor de A Divina Comédia dos Mutantes (1995), biografia da ex-banda de Rita Lee.
O Festival Internacional da Canção de 1968, por exemplo, deixou claro que, quando Os Mutantes subiam ao palco, havia algo a mais que a música. "Enquanto os artistas da música brasileira, até mesmo os sambistas mais populares, entravam no palco usando conservadores smokings, Os Mutantes surgiam com fantasias de personagens bizarros, de animais e guerreiros medievais", explicou Calado.
A ousadia dos dois primeiros discos do grupo, entretanto, foi sucumbindo a uma postura que se aproximava do rock progressivo, que catapultava mais e mais bandas no início da década de 1970. Segundo Calado, Os Mutantes passaram a se levar mais a sério e o grupo se desfigurou, principalmente com a saída de Rita Lee, em 1972.
Para Pedro Alexandre Sanches, crítico de música da revista Carta Capital, a pretensão, (pós-Mutantes) pode ser um bom sinal para que uma banda ganhe o rótulo de art rock. Entram aí nomes como o grupo Novos Baianos, além de outras manifestações mais recentes.
"No movimento Mangue Beat há coisas pensadas, há conceitos que muita gente da música usa até hoje. O Cordel do Fogo encantado também, por exemplo, é corajoso. Os caras são nordestinos e trazem o som do lugar deles como uma manifestação artística natural", disse Sanches. Do movimento pernambucano Mangue Beat (década de 1990) surgiu a banda Nação Zumbi, de Chico Science. Já o Cordel do Fogo Encantado utiliza de literatura de cordel, pirofagia e certa dose de dramaturgia em suas apresentações. E é essa dose de pretensão que, ao mesmo tempo, cria barreiras para cativar multidões e cultiva devotos fãs.
Apesar de caracterizar o termo art rock mais como uma etiqueta do que propriamente gênero musical variado do rock-and-roll, o jornalista e crítico musical Tárik de Souza considera que houve exemplos da prática no Brasil. E que a "antimúsica" também faz parte do conceito.
"É mais um rótulo. O rock existe desde a década de 1940 e, como está sempre em movimento, é preciso criar novos módulos. No Brasil isso tomou um rumo diferente, devido às suas características tropicais. E em meio a Novos Baianos e Os Mutantes, alguns grupos interessantes se destacaram pela antimúsica. Havia uma ideia de agressão musical, de criar dificuldades para assimilação", disse Souza.
Segundo o crítico, Walter Franco, Arrigo Barnabé, João Gilberto "um cara realmente desafinado que teve o disco quebrado pela própria gravadora" e até Itamar Assumpção (1949-2003) podem, esquecendo-se o sufixo rock, serem encaixados nesse perfil.
E hoje, depois de grandes músicos do Brasil deixarem sua marca "art", outras bandas que se aproximam do gênero surgem, tendo, principalmente, o pós-rock como trilho.




