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Brit Marling, criadora e protagonista da série: esquisita, muito esquisita | JoJo Whilden/Netflix/Divulgação
Brit Marling, criadora e protagonista da série: esquisita, muito esquisita| Foto: JoJo Whilden/Netflix/Divulgação

É mais provável que nos lembremos da era de ouro da TV por sua quantidade, em vez de qualidade, olhando em retrospectiva para aqueles anos como um período em que havia coisas demais para se ver na TV que eram bem boas e razoavelmente intrigantes, mas que muitas vezes acabaram mais estimadas do que deveriam. É um pecado pelo excesso, e, se e quando algumas emissoras encolherem (ou desaparecerem), eu me lembrarei com carinho da era de ouro da TV como um período de séries bem esquisitas.

As séries estranhas, com seus enredos crípticos, saltos cronológicos e uma abordagem fluida à técnica narrativa, vêm recebendo muito mais atenção hoje do que os dramas mais lineares, em que o espectador pode essencialmente sentar e aproveitar a história, sem desconfiança.

A excelente minissérie policial da HBO “The Night Of” segue uma narrativa mais padrão; já a primeira temporada de “Westworld”, por outro lado, tem todos os apelos da esquisitice. Usando barbante e tachinhas sobre um mural, como um lunático (um significante universal de séries esquisitas), daria para voltar algumas décadas atrás com o “Twin Peaks” original e começar a traçar uma linhagem que iria de “Arquivo X” e “Lost” até essa riqueza toda de esquisitice que temos hoje, com seriados como “Sense8” da Netflix, “Les Revenants” da Sundance TV, “The Leftovers” da HBO e “Mr. Robot” da USA.

Para alguns espectadores, “mais estranho” quer dizer “melhor” – sobretudo quando o enredo parece precisar da sua opinião para ser interpretado e resolvido de verdade. Alguns de nós se frustram com histórias deliberadamente opacas e apresentadas como se fossem um cubo mágico, mas faltando as cores. Todo mundo ama uma reviravolta surpresa, só que ainda assim preferimos que os enredos, diálogo e detalhes respeitem a ideia do momento linear, bem como algumas outras leis da física também.

Não nos preocupa tanto o que é que se esconde dentro da caixinha secreta, mas a possibilidade de jamais vermos o que está nela. Muitos criadores de séries de TV, preocupados em ostentar sua própria esquisitice, podem acabar arrastando o processo de abertura dessa caixinha por várias temporadas.

Mas, de vez em quando, a esquisitice é exatamente o caminho a ser seguido – e é isso que me traz (de forma tortuosa e esquisita) a essa resenha de “The OA”, da Netflix, um thriller psicológico de oito episódios, de uma estranheza atraente, que o serviço de streaming meio que jogou nas nossas mãos sem avisar.

Caminho inesperado

Criada por Brit Marling e Zal Batmangli, “The OA” tem Marling no papel de Prairie, que desaparece do seu subúrbio no centro-oeste dos EUA na adolescência, sendo encontrada vários anos depois, ao pular de uma ponte no meio do trânsito. Ferida e com cicatrizes crípticas nas costas, Prairie reencontra seus pais adotivos (Scott Wilson e Alice Krige), que a levam para casa. A coisa mais surpreendente sobre a reaparição de Prairie, porém, é que ela era cega quando desapareceu, mas, em algum momento enquanto estava sumida, ela recobrou a visão.

Essa descrição faz “The OA” parecer qualquer outra série de TV meio estranha e fantasmagórica que nunca passa da segunda temporada: Será que ela foi abduzida por alienígenas? Trata-se de uma conspiração? Ela é um fantasma? É uma história sobre o sentido da vida? Nos últimos anos, as plateias da TV já viram um pouco de tudo isso. Não demora nada, porém, para que a história de “The OA” volte atrás e siga um caminho totalmente inesperado, contando a história da infância de Prairie como a filha de um oligarca russo. Tendo sobrevivido a uma experiência de quase morte, ela foi mandada para os EUA, onde acabou sendo adotada e batizada de Prairie.

Quase morte

A experiência de quase morte é a chave aqui. Num estilo que chega a ser quase folclórico, Prairie volta do além com uma capacidade de visão interior, que compensa pela falta da visão exterior; quando jovem, ela foi vítima de um pesquisador obsessivo (Jason Isaacs), que a prendeu num laboratório subterrâneo remoto junto de quatro outras pessoas (incluindo Emory Cohen, de “Brooklyn”), que tiveram também cada uma sua própria experiência de quase morte.

Saltando entre o cativeiro de Prairie e sua liberdade desconfortável, “The OA” se desdobra como se o telespectador fosse um gato e a série fosse erva-gateira, que ele não consegue largar até chegar o fim. Com sua beleza angelical e uma personalidade intrigante, Prairie faz amizade com um grupo disparatado de quatro adolescentes que cursam o ensino médio na escola local, junto com um professor melancólico (Phyllis Smith, de “The Office”), cada um dos quais sofre com o seu próprio tipo de dor. Eles começam a se reunir todas as noites, no melhor estilo “Clube dos Cinco”, num casarão do tipo pré-fabricado construído pela metade, onde Prairie revela sua história inacreditável e pede sua ajuda para realizar um ritual que pode ou não acabar abrindo um portal interdimensional.

Triplamente esquisita

Esquisito, esquisito, triplamente esquisito. Porém, nas mãos de Marling e Batmangli, “The OA” é consistente em seu tom desconcertante e cheio de suspense. As performances, em particular a de Smith e Krige, tocam numa verossimilhança comovente e uma profundidade emocional que as séries mais esquisitas da TV sofrem para transmitir.

Ainda assim, o que funciona tão bem para “The OA” na primeira metade da temporada não é o suficiente para superar a fraqueza dos episódios finais. Certas cenas conjuram os exercícios de movimento mais bobos de uma aula de teatro, e o episódio final faz uma tentativa forçada e brega de chegar a um grand finale. E, mais uma vez, temos uma série de TV esquisita que apenas parcialmente abre a sua caixinha secreta (como parte de uma tática, eu imagino, de assinar um contrato para uma segunda temporada). Quando terminou, eu voltei para as minhas anotações na esperança de achar algum tipo de tema que amarrasse tudo (a vida depois da morte? Confiança?) ou alguma frase reveladora no diálogo ou coisa assim. Mas descobri que eu tinha assistido a oito horas de um seriado sem conseguir escrever uma única palavra sobre ele, além do título.

Esse é o verdadeiro apelo da TV esquisita. Quando é boa nesse nível, ela te prende e te arrasta. Você pode não ter muita certeza do que são as coisas que você acabou de assistir, mas elas vão grudar por muito tempo na sua cabeça.

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“The OA” (oito episódios) está agora no catálogo da Netflix para streaming.

*Hank Stuever é o crítico de TV do The Washington Post desde 2009. Ele entrou para o jornal como escritor para a seção de estilo, onde faz cobertura de uma variedade de temas de cultura popular (e impopular) em toda a nação.

Tradução: Adriano Scandolara

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