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COPs e MOPs são eventos programados. Tudo parece estar na mais perfeita ordem, principalmente a lista de assuntos que serão discutidos nas conferências. Nada mais natural – os delegados dos países precisam estar com relatórios na ponta da língua e papelada debaixo do braço na hora dos vamos ver. Mais eis que de repente um assunto inesperado sobe o tablado, para surpresa geral das Nações Unidas. Foi assim na manhã desta quarta-feira, quando o chamado grupo 1, encarregado de discutir biodiversidade agrícola, enveredou-se por uma questão paralela, as florestas transgênicas, e só parou porque o chairman – delegado-chefe da reunião – decidiu pôr fim na conversa, sob pena de todos ficarem sem almoço.

O fôlego do tema foi tamanho que apareceu nas falas de delegados do Irã, Japão, Serra Leoa, Libéria, Camarões, Índia, Zimbábue, Gana, Filipinas, Coréia, Senegal, Gâmbia, Madagáscar, Nepal, Canadá, Quênia, Malavi, Peru, Zâmbia, Egito, Ruanda e Equador. Foram 22 países no total, puxados por Gana, que reclamou mais atenção da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) para o tema.

Seguiram-se pedidos inflamados de moratória à biotecnologia e uma grande dúvida: saber por que as florestas transgênicas despertam tanto interesse numa etapa cuja pressão maior, até agora, tem sido contra as sementes terminator, os grãos suicidas, que só se reproduzem uma vez. Temas secundários costumam dispersar conferencistas do essencial. Seria o caso?

O agrônomo paraguaio Miguel Delavera, radicado há dez anos na Holanda e membro da ONG Global Forest Coalition, com oito anos de atividade e 200 organizações filiadas, sugere que as árvores transgênicas sofrem de uma espécie de silêncio estratégico. Os centros de biotecnologia driblam o assunto, escaldados que estão pelas urticárias planetárias causadas pela simples menção à palavra transgenia. Mas as pesquisas já beiram 20 anos, encontraram guarida em países como EUA, Austrália, Canadá e África do Sul, e se assemelham a das sementes transgênicas em geral. As árvores têm resistência a herbicidas, são dotadas do bacilo BT, o mesmo aplicado no milho, e existem principalmente nos tipos Populos nigra, o álamo, e pinus. São parentes próximas da soja geneticamente modificada.

É de consenso que a China tenha plantado cerca de 300 hectares de álamo. Países como o Canadá e o Chile são apontados como campos de experimentação. No Brasil, há estudos para o eucalipto BT, no interior de São Paulo. O objetivo é criar plantas resistentes a pragas, a exemplo das "borboletas da noite", cujas larvas atrapalham o crescimento de plantas jovens, e produzir plantas com menor grau de legnina, fibra que dá rigidez à madeira. A grande interessada nos experimentos seria a indústria de celulose.

Como ninguém come árvore, incorre-se no risco que essa nova cultura mexa menos com os brios de ambientalistas do terceiro escalão, ou seja, o cidadão comum, e o assunto não gere passeatas. Os terminators gozam de menor prestígio. Para Delavera, no entanto, há um debate se desenhando no campo minado dos transgênicos. Ao sabor dos ventos, os pólens das árvores OGMs têm poder de circular por grandes áreas, espalhando-se a torto e a direito, repetindo as suspeitas em torno do BT, como a de causar alergias.

A pesquisadora uruguaia Sílvia Ribeiro, radicada no México e membro do ETC Group – ONG que declarou guerra às sementes terminators – diz que a depender da situação geográfica, o pólen de uma árvore transgênica pode ser locomover até 800 quilômetros. O pesquisador Pat Mooney, também da ETC Group, é mais pessimista. Ele estima em dois mil quilômetros a capacidade de circulação do pólen. "O plantio vai se tornar um negócio atraente para pequenas companhias."

O ponto de vista dos delegados, perto de Sílvia, Pat e Miguel, é um ponto de fuga. Pelo menos o dos delegados de países da África, Ásia e América do Sul. Os representantes lembraram, com pequenas variações para o tema, que sua população vive majoritariamente no campo, têm a cultura de extração da floresta e, no caso africano, viram a mata sofrer o efeito de contínuas guerras civis.

Para conservar florestas como a do Nepal, da qual depende 70% da população, ou do Equador, com 11,5 milhões de hectares nativos, é preciso de financiamento internacional. Com essa encomenda para aviar antes de voltar para casa, não poderia haver pior notícia do que um provável incremento de árvores programadas em laboratório. Os delegados, vai ver, aplicaram o princípio da precaução.

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