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Um repórter distinto

A entrada de Euclides da Cunha no sertão baiano para contar a história da Guerra de Canudos teria modificado até mesmo a forma de se fazer jornalismo no Brasil. O repórter que cobriu o confronto para o jornal O Estado de S.Paulo era distinto. Ao contrário dos cerca de vinte outros enviados à zona de conflito, Euclides quis, além de narrar os fatos com precisão, compreender o que se passava naquele pedaço do Brasil – e isso incluia desvendar o ambiente, o clima e principalmente se envolver com pessoas.

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Uma ponte entre o litoral e o interior

Há um consenso entre os estudiosos da obra de Euclides da Cunha: o tema central, e mais importante, de Os Sertões é o contraponto, ou o choque, entre a civilização do litoral e o Brasil do interior – dicotomia que continua atual. Essa temática não era ideia-fixa de Euclides. No início do século 20, João do Rio também chamava a atenção para o fato, em crônica que já diz tudo no título: "Quando o Brasileiro Descobrirá o Brasil?".

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A montanha ética

O mais afamado trecho de Os Sertões revela bem o estilo empolgado e empolgante de Euclides:

"Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a His­tória, resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados."

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A trajetória de um dos mais respeitados intelectuais do Brasil seria interrompida durante uma troca de tiros. Euclides da Cunha duelou com Dilermando de As­­sis, o amante de sua esposa, Ana. Ele foi tentar lavar a honra. Euclides e Assis eram militares. Mas Assis, o equivalente a um atirador de elite, conseguiu ma­­tar o oponente, um marido traído que buscava reparação. Aca­bava, durante a tarde de 15 de agosto de 1909, uma carreira incomum e de muito brilho.

Euclides da Cunha, carioca nascido em Cantagalo em 1866, foi um apaixonado pelo Brasil. Há quem o defina como um Po­­licarpo Qua­resma sem quixotismo. A professora de Literatura Brasileira Maria Con­suelo Cam­pos costuma usar essa imagem nas salas de aula da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Afinal, Euclides, a exemplo do personagem Poli­carpo Qua­resma (criado por Lima Bar­reto), era um entusiasta das possibilidades desse gigante adomercido que é o nosso país. Mas o autor de Os Sertões não tinha a ingenuidade delirante, que era a maneira como Quaresma e o protagonista de Dom Quixote, de Mi­­guel de Cervantes, "enfrentavam a realidade".

Euclides visitou a Amazônia durante os últimos anos de sua vida. Produziu artigos e anunciava que poderia vir a escrever um livro sobre o assunto.

A Amazônia, inclusive, afastou-o de sua esposa. As ausências do escritor aproximaram Ana e Dilermando. Esse "episódio", e todo o desdobramento trágico, foi utilizado co­­mo matéria-prima por Glória Pe­­rez para escrever a série Desejo, exibida pela Rede Globo em maio e junho de 1990, com Tar­císio Meira no pa­­pel de Euclides da Cunha, Vera Fischer como Ana e Gui­lherme Fontes interpretando Diler­mando de Assis.

Mas o que carimbou o passaporte de Euclides da Cunha para a posteridade, motivo pelo qual ele é respeitado e comentado até hoje, foi o fato de ele ter produzido um dos mais importantes, densos e volumosos livros da História da cultura brasileira.

Os Sertões, publicado em 1902, é resultado indireto de uma grande frustração do autor. Em 1897, ele foi convidado pela família Mesquita, proprietária do jornal O Estado de S.Paulo, para fazer a cobertura jornalística do "caso Canudos". O convite não foi por acaso. Euclides era militar e, devido a essa condição, teria facilidades para acompanhar o exército brasileiro, que iria se deslocar até a pequena cidade, no interior da Bahia, onde sertanejos seguiam um líder chamado Antônio Con­selheiro.

O militar ficou revoltado com o que viu enquanto estava na condição de repórter. Em Ca­­nu­dos, o exército brasileiro, que tinha (e tem) a função de defender a população – pela primeira vez na História do Brasil – atacou (e assassinou) muitos brasileiros. O motivo? Aqueles rebeldes pareciam ser um foco contra a República, recém-instalada, e precisavam ser "abatidos".

Euclides produziu reportagens procurando ser objetivo, dentro do que é possível ser "isento". As matérias, publicadas nas páginas do Estadão, foram informativas. E, na época, não tiveram muita repercussão, mesmo porque os jornais mais lidos e in­­flu­entes eram os que tinham sede na então Capital Federal, o Rio de Janeiro, a exemplo da Gazeta de Notícias.

Mas, depois de maturar, e absorver o assunto, ele não conseguiria ficar calado: dessa postura, de ter de contar o que realmente viu, e sentiu, nasceria essa "montanha ética", que é como o escritor Domingos Pellegrini, colunista da Gazeta do Povo, chama Os Sertões – na página 3, ele analisa como Euclides produziu a sua grande obra.

O livro atravessa o tempo despertando interesse e provoca muita discussão. O repórter Cristiano Cas­tilho, em matéria publicada na página 2, coloca em cena um viés polêmico: teria sido Os Sertões o primeiro livro de jornalismo literário do Brasil?

A Gazeta do Povo também consultou professores universitários, escritores e jornalistas para dialogar sobre aquele que é considerado o ponto central da obra: o embate entre o Brasil litorâneo e o chamado Brasil profundo.

Os Sertões, de fato, é uma das mais perfeitas traduções desse eterno país do futuro.

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