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O paraibano Ariano Suassuna se tornou aquele tipo que todo mundo confunde com o próprio avô. À beira dos 80 anos, fala muito, conta histórias e parece ter aquela sabedoria que só os mais velhos têm. Em sua mais recente passagem por Curitiba, onde deu uma aula-show na semana passada, havia uma pequena fila de repórteres esperando para falar com ele. Para não cansar o velho professor, autor de clássicos como O Auto da Compadecida e O Santo e A Porca, cada um tinha direito a poucos minutos de conversa. Mas só ouvir a entrevista dos colegas enquanto se esperava na fila já era bom demais. "Gênio pode ter até mau gosto. Shakespeare às vezes escrevia coisas de mau gosto. Só não pode ter gosto médio", ensinava a uma repórter de tevê. A entrevista abaixo durou cerca de sete minutos. Foi a última do dia, quando a voz de Suassuna já andava fraquejando. Mesmo assim ele fez questão de responder até a última questão, em que defendeu novamente o presidente Lula. Leia a íntegra da entrevista:

O senhor escreveu a maior parte do seu teatro nos anos 50 e 60, quando a moda era fazer teatro de vanguarda, experimentalismo. O senhor nunca participou disso. Não teve medo nunca de ser chamado de conservador?

Nenhum medo. Isso é uma coisa que não me aflige. O que eu procuro é expressar o meu universo. Eu tenho um mundo dentro de mim e procuro expressá-lo. Se vai ser considerado de vanguarda ou de retaguarda, arcaico ou moderno, isso nunca me preocupou nem vai me preocupar nunca. Eu considero que se eu fizer uma coisa boa, ela vai ficar. Porque eu vou lhe dizer uma coisa. Eu não estou me comparando com Cervantes, não. Estou falando de problema de linhagem. Quando o Cervantes escreveu o Dom Quixote, era uma obra de vanguarda. Hoje, ela é de vanguarda. E quando os netos dos nossos bisnetos já tiverem morrido, o Dom Quixote continuará sendo uma obra de vanguarda. Agora, eu faço uma distinção entre êxito e sucesso. Essas obras que quando eu comecei a escrever eram chamadas de vanguarda às vezes tinham até sucesso, mas nenhuma teve êxito, nenhuma ficou. O que me preocupa é que essas chamadas obras de vanguarda com dez anos já ficaram de retaguarda, já envelheceram. E o Dom Quixote não envelhece nunca.

O senhor falou em Cervantes. Junto com Shakespeare e Molière, ele forma o seu cânone pessoal?

Cervantes, Molière, Goldoni, Calderón de la Barca, Gil Vicente, Gogol, Dostoiévsky, Tolstoi... são os meus mestres

E entre os brasileiros?

Euclides da Cunha antes de mais nada. Lima Barreto. Eu escolheria esses dois. E Augusto dos Anjos, como poeta.

Desde 1962, o senhor só publicou duas pequenas peças. Por que depois de conseguir todo o sucesso com peças como O Auto da Compadecida e O Santo e a Porca o senhor deixou de escrever teatro?

Bom, é porque o que eu tenho para dizer não estava cabendo mais numa peça. Então resolvi escrever um romance. Escrevi A Pedra do Reino. O motivo principal foi esse. Eu escrevo alguma coisa para teatro ainda. Acho que a última foi Romeu e Julieta, uma versão que escrevi a partir de um folheto.

Mas o senhor não pretende mais se dedicar o teatro?

Eu atualmente estou pretendendo escrever um romance onde pela primeira vez se fundirá o meu romance com o meu teatro e a minha poesia.

Já tem nome?

Não, eu só batizo o filho depois que ele nasce.

Quase não se escreve mais para teatro. Por quê?

O teatro é uma arte cara e sem retorno. Eu vi a adaptação que o Antunes Filho fez do romance A Pedra do Reino. Eu gostei muito. E fiquei muito grato ao Antunes Filho porque ele foi muito fiel ao meu teatro. E lançou luz sobre o meu teatro. Mas o espetáculo que ele fez, ele só fez porque ele tem o patrocínio do Sesc. Nenhuma companhia de teatro pode encenar um espetáculo daquele. Porque sai caro. E dá prejuízo. É aí que eu acho que as estatais ou paraestatais têm um papel no teatro, para se fazer uma obra como aquela. E tirando o fato de ter sido feita de um romance meu, é uma obra importante do teatro brasileiro. E ele não teria condições se não tivesse o patrocínio do Sesc. Eu acho que isso cabe à universidade e ao Estado no Brasil.

O que o senhor acha do processo de criação coletiva no teatro? Como é?

Essas peças em que não há um autor só e em que os atores participam da criação do texto... Eu não saberia participar disso, não. Eu sou muito individualista. Em peça minha e em romance meu quem manda sou eu.

Para encerrar: como o senhor vê a cena política nacional?

Olhe, me perguntaram um dia desses como eu estou vendo essas denúncias todas. Como todos vocês, estou vendo amargurado e envergonhado. Mas, talvez por ser velho, menos perplexo. Eu já vi isso. Eu já vi isso em torno do Getúlio Vargas. Que de repente se descobriu traído. Descobriu que havia um mar de lama em torno dele. E deu um tiro no peito. Mas Lula não vai dar esse tiro, não. Porque ele tem a sabedoria e a paciência do povo brasileiro. Eu já votei quatro vezes em Lula e vou votar muito orgulhoso e contente pela quinta vez agora. E espero em Deus que ele ganhe a eleição.

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