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Produção

Roteiro foi feito no dia

Isadora Rupp

O encanto gerado pelo clipe de "Oração" (foto), comentado pela imprensa nacional e até pelo maior jornal italiano, o Corriere della Sera, e até por um blog no site do prestigiado diário norte-americano The Washington Post, é que, o que soa despretensioso, parece ter sido milimetricamente calculado. Mas foi ao contrário: os integrantes não conheciam a casa, não houve um roteiro prévio e o diretor do vídeo, o tecladista da banda, Vinícius Nisi, sequer assume o posto de "realizador".

"Não sou bem o diretor. Sim, eu dirigi da maneira que teria de ser ali, onde teriam pessoas em cada cômodo. Mas foi algo simples. A única coisa que sabíamos é que teria bastante gente."

Fotos da casa vistas pelos integrantes antes de chegar em Rio Negro mostravam mais a parte externa, tanto que a primeira intenção era gravar no jardim, inspirado no vídeo da canção "Sunday Smile", dos americanos do Beirut. "Piramos nesse vídeo desde que começamos a pensar em gravar, e não tanto em ‘Nantes’ (outro clipe do Beirut), como todo mundo está falando. No dia, estava nublado e garoando e não teve como montar o equipamento de áudio na parte de fora."

O plano-sequência foi filmado com uma steadicam por André Chesini, com o apoio dos cineastas André Senna e Rosano Mauro Jr. Não há, segundo Nisi, nenhum corte oculto. A concepção do vídeo e a gravação ocorreram em um único domingo – no dia anterior, a banda fez outros dois clipes, das músicas "Canção pra Não Voltar" e "Boa Pessoa". "Oração" teve seis versões (a divulgada é a quarta), sendo que o final foi ensaiado duas vezes. "Assim observamos e mudamos coisas que ficam desagradáveis, como um falando com o outro ou olhando para a câmera".

Segundo o cineasta Arnaldo Belotto, da produtora Destilaria Audiovisual, que analisou o vídeo a pedido da Gazeta do Povo, tecnicamente, o plano-sequência é bem resolvido e não há cortes. "Eles poderiam existir quando as paredes brancas de fora da casa complementam o quadro. Mesmo assim, para quem assiste, continuaria sendo uma sequência."

Todos os envolvidos trabalham com cinema ou produção de áudio, mas haviam poucos equipamentos disponíveis, principalmente de iluminação. A solução foi comprar lâmpadas mais fortes em um mercadinho próximo e trocar em todos os cômodos, além da colorização na pós-produção, feita por Nathalia Okimoto. A escolha da locação, segundo Belotto, foi "certeira". "Não é apenas uma casa bonita. As grandes janelas ajudaram a resolver muito bem a iluminação." Também não houve produção de figurino. "Só mandamos um e-mail para todo mundo ir com cores pastéis, para não ficar uma coisa díspare", diz Nisi.

O grande trunfo do vídeo é a edição de som, feita por João Caserta durante a execução da música. Seis estações de áudio, todas sincronizadas, gravaram a música, além dos microfones aparentes. "Cortamos as estações de áudio como se fosse um corte de vídeo, de acordo com a cena. Um microfone era ligado somente em determinado trecho. Geralmente, na gravação de videoclipes, é o contrário", explica Vinícius Nisi. O custo do trabalho, segundo ele, foi zero. "Não teve dinheiro nenhum, só amigos. A melhor parte é essa. Foi espontâneo."

  • A vocalista Uyara Torrente. o tecladista Vinícius Nisi, o baixista Diego Plaça, o guitarrista Rodrigo Lemos e o baterista Luís Bourscheidt: parque de diversões

O sucesso do clipe de "Oração" na internet transformou a rotina d’A Banda Mais Bonita da Cidade, criada em Curitiba, há dois anos. Com os comentários de inúmeras pessoas nas redes sociais, a confirmação de shows em vários estados e as propostas para a gravação do primeiro álbum, os cinco integrantes tiveram de começar a pensar no futuro de maneira mais objetiva. Embora não haja ainda definições, há a possibilidade de se dedicarem exclusivamente ao quinteto em breve.

A vocalista Uyara Torrente é atriz; o baterista Luís Bourscheidt, o guitarrista Rodrigo Lemos e o tecladista Vinícius Nisi são músicos; e o baixista Diego Plaça faz o curso de Música na Universidade Federal do Paraná (UFPR). No dia a dia, eles trabalham em suas respectivas áreas e a banda figura como uma espécie de hobbie profissionalizado. "Por enquanto, estamos tentando nos adaptar aos novos compromissos", comentou a vocalista. "Independentemente das decisões que tomarmos, o grupo continuará sendo nosso parque de diversões."

Uma das principais preocupações é a de que o quinteto não seja caracterizado como uma "banda de um sucesso só". "É mais legal criar uma identidade, que as pessoas entendam o que é o trabalho, do que sair marcando shows à vontade por causa de ‘Oração’", disse Nisi, que também assina o clipe que os revelou nacionalmente. Ele acrescentou que, embora a música seja comumentemente tachada de "fofa", o público não deve esperar uma postura "fofa" do grupo no palco. "Tem músicas ‘fofas’ e outras que são bonitas por outros motivos."

Efeitos colaterais

O vídeo "Oração" foi postado no YouTube no dia 17 de maio. Após dez dias, o site registrava mais de 2 milhões de acessos. Com o boom na internet, o grupo, conhecido, até então, por pessoas mais ligadas ao cenário musical curitibano, virou fenômeno nacional. A prova disso está na agenda de shows. Desde 2009 até a metade deste mês, a trupe tinha feito apenas cinco apresentações. Nos últimos dias, mais dez foram programadas, inclusive em outros estados.

A repercussão também se traduz em outros fatos. Os 300 ingressos para o show que a banda fará no Sesc da Esquina, em Curitiba, no dia 9 de junho, esgotaram em menos de três horas. Os outros clipes do grupo, para as músicas "Canção pra Não Voltar" e "Boa Pessoa", passaram também a ser bem visitados, somando mais de 500 mil visualizações até semana passada. Além disso, eles viraram celebridades. Pessoas que os reconhecem pedem para tirar fotografias.

Nos últimos dias, várias paródias do clipe "Oração" apareceram também na internet, uma delas do comediante Rafinha Bastos. Além disso, outras histórias envolvendo a música chegam aos integrantes do grupo por telefone diariamente. "Gostei muito quando meu irmão ligou dia desses de Porto Alegre só para dizer que um de seus vizinhos estava ouvindo a canção incessantemente", contou Bourscheidt. "Se existe algo que deixa os artistas felizes é o reconhecimento do público."

A banda

A história começou quando eles se conheceram em Curitiba, onde vivem há vários anos. Uyara e Plaça são amigos desde a infância em Paranavaí, no noroeste do Paraná; Bourscheidt veio do Rio Grande do Sul, Lemos do Rio de Janeiro e Nisi de São Paulo. Como não tinham repertório, procuraram compositores locais, o que resultou em parcerias com Lívia Lakomy, Léo Fressato, Luís Felipe Leprevost e Thiago Chaves. Depois, incluíram músicas de Dorival Torrente (pai de Uyara, de Paranavaí), Luiz Venâncio (São Paulo) e Vitor Paiva (Rio de Janeiro).

Prece para esquecer um grande amor

Léo Fressato compôs "Oração" em um momento difícil de sua vida. No fim de 2008, quando se sentia mal com o fim de um relacionamento, ele, que nasceu em Brasília mas mora em Curitiba desde a infância, sentou-se com seu violão, a fim de escrever uma música que o ajudasse a superar o rompimento. "Primeiro eu compus ‘Para um Amor Antigo’, que era uma gritaria só, por causa do rancor que sentia", lembrou. "Depois de duas semanas, vi que precisava desejar que a pessoa que amei fosse feliz e, então, escrevi ‘Oração’, o que me fez muito bem."

Nos últimos anos, "Oração" se tornou conhecida por alguns curitibanos, tanto pelos shows feitos por A Banda Mais Bonita da Cidade, como em apresentações do próprio compositor, ao lado da cantora Ana Larousse. Mesmo assim, Fressato não imaginava que a canção atrairia um dia a atenção de tantas pessoas no Brasil. Para ele, a percepção exata da repercussão se deu quando recebeu um vídeo da torcida organizada do Coritiba cantando a música. "Na hora que vi o clipe, disse ‘Meu Deus!’, sentei no chão e comecei a chorar, porque era muito, mas muito bonito", comentou.

A jornalista curitibana Lívia Lakomy também tem uma música no repertório atual dos shows d’A Banda Mais Bonita da Cidade. Assim como as outras composições que interpreta com seu grupo, Lívia e os Pía de Prédio, "Submundo Autofágico" é ambientada no cenário curitibano e faz referência ao Caderno G, editoria de Cultura da Gazeta do Povo. Na letra, ela questiona o que é o sucesso e diz que tudo o que se pode querer é ser "a capa do Caderno G na edição de domingo". Desejo atendido.

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