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Soyinka se tornou uma voz em prol da modernização africana | Divulgação
Soyinka se tornou uma voz em prol da modernização africana| Foto: Divulgação
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Teatro

O Leão e a Joia

Wole Soyinka. Tradução de William Lagos. Geração Editorial. R$ 24,90.

A chegada tardia ao Brasil de uma tradução do dramaturgo nigeriano Wole Soyinka, 26 anos após a láurea do Prêmio Nobel, não implica um menor estranhamento em relação ao universo que ele retrata: o continente africano continua sendo quase outro planeta para nós.

VÍDEO: Veja trechos da montagem de ‘O Leão e a Joia

A arte africana reflete inquietações sobre seus próprios projetos e rumos, nunca estabilizados desde o fim dos domínios coloniais. Quando O Leão e a Joia foi publicado, em 1963, essa era uma realidade ainda mais gritante.

O fato de se tratar de um texto para teatro ajuda a torná-lo vivo ao som de tambores e canções em roda, mas nada permite prever o desfecho desse triângulo amoroso que lembra de longe Nelson Rodrigues – um universo onde a mulher quer ser dominada, talvez para dominar o homem pelo lado de dentro – e onde o sexo é o motor principal.

Numa aldeia de origem iorubá, na Nigéria, um professor de escola, Lakunle, se considera um messias da civilização. Dá aulas em sua choupana vestido em camisa e gravata, fala palavras difíceis e critica diversos costumes locais – especialmente o pagamento do dote por parte do noivo à família da noiva, principal impedimento entre ele e a bela Sidi, a joia da vila. Além de exigir o dinheiro, coisa que ele se diz moralmente impedido de prover, a garota o despreza pela ruptura cultural que representa.

O curioso é que, quando descobre que a pretendida já não é virgem, Lakunle fica desconcertado e sai afirmando que, pelo menos, poderá ser dispensado do dote.

Quando chega à cidadezinha uma revista em que Sidi é retratada como símbolo sexual, fruto da passagem de um fotógrado pela localidade, o "passe" da jovem aumenta e ela é requisitada pelo chefe ("bale") da tribo.

Dono de um harém chefiado pela primeira esposa, Sadiku, o sexagenário é temido como um leão no ataque. Atrai a jovem com o boato de que está impotente – ela acha que poderá humilhá-lo. Aqui, a loucura rodriguiana invade a selva e surge o choque cultural.

Talvez Sidi se mostre perversa, porque, na verdade, representa toda a África, com tradições empedernidas. De um lado, é assediada pela europeização proposta pelo professor. Do outro, pela oportunidade de entrar de cabeça numa concepção "selvagem" de mundo, rejeitando tudo o que for diferente.

As leituras costumeiras do texto mostram que este é o dilema do continente africano, em meio a seu chamado renascimento: a dúvida entre adotar um modelo importado ou permanecer em tradições nem sempre benéficas. Fala-se na "modernização da tradição" como uma opção melhor.

Essas são propostas que Soyinka, considerado o principal dramaturgo africano, aborda em sua obra. Essas convicções políticas lhe renderam um aprisionamento de 22 meses, em 1967, e um forçado exílio para os Estados Unidos, onde vive. Prestes a completar 78 anos, apenas recentemente voltou a visitar seu país.

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