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 | Ilustração: Robson Vilalba
| Foto: Ilustração: Robson Vilalba

Tiroteio em escola motivou nova rodada de discussões

Apesar de os estudos sobre a violência na televisão e no cinema ocuparem o tempo e os esforços de pesquisadores há décadas, a participação da opinião pública na discussão ainda é restrita a poucos momentos – em geral, quando um fato externo às academias e associações médicas provoca um clamor generalizado. Há pouco mais de um ano, em 14 de dezembro de 2012, a morte de 20 crianças e seis adultos em uma escola primária na cidade de Newtown, nos EUA, por um jovem de 20 anos que cometeu suicídio em seguida, reacendeu debates acalorados sobre a influência da mídia no comportamento de jovens e adolescentes.

A comoção com o massacre na Escola Sandy Hook fez com que o presidente Barack Obama iniciasse novas tentativas para regular o uso de armas nos EUA e batesse de frente com a poderosa e influente indústria armamentista – em um movimento que, ao passar dos meses, acabou se mostrando inócuo. Na época, Obama foi criticado por não dirigir o mesmo esforço aos executivos dos grandes estúdios de Hollywood, eximindo-os, de certa maneira, de dar respostas sobre a glamourização da violência nas telas. O vice-presidente Joseph Biden, responsável por liderar uma força-tarefa contra as armas na esteira do tiroteio de Sandy Hook, chegou a se reunir com representantes da indústria de entretenimento e de games. O encontro não resultou em mudanças ou promessas de nenhum dos lados.

A artilharia dos psicólogos e acadêmicos contra a explosão da violência nas telas foi reforçada por formadores de opinião respeitados, como o âncora da CNN Campbell Brown, e, curiosamente, pela própria indústria de armas, que jogou na conta de Hollywood a responsabilidade por episódios como o de Newton e o de Columbine, em 1999, que resultou em 15 mortes. Em uma coletiva de imprensa uma semana após as mortes na escola Sandy Hook, o representante da Associação Nacional de Rifles (NRA, na sigla em inglês), disparou contra o cinema norte-americano e as produtoras de games, afirmando que ambas "glorificam assassinos" e "retratam o assassinato como um estilo de vida".

Reações

As discussões se estenderam e geraram reações de representantes da indústria cinematográfica. O diretor Quentin Tarantino havia acabado de lançar seu western Django Livre, que, como de praxe, não economiza nas cenas de violência e sadismo, e voltou a defender a inexistência de uma relação direta entre filmes e comportamento agressivo. Em um programa de tevê do canal NPR, Tarantino afirmou que era um "desrespeito às vítimas de Sandy Hook" falar sobre filmes como o motivo da tragédia, e que "a questão é o controle de armas e a saúde mental". "Tenho sido questionado sobre isso há 20 anos, sobre os efeitos da violência em filmes relacionados à violência na vida real. Minha resposta é a mesma de 20 anos atrás. Não mudou nada. Obviamente, eu não acho que uma coisa tenha a ver com a outra", reforçou.

Um dos grandes parceiros de Tarantino não parece ter a mesma opinião. Na última semana, o influente produtor Harvey Weinstein, responsável por viabilizar obras como Pulp Fiction, Bastardos Inglórios, a trilogia O Senhor dos Anéis e a série de terror Pânico, anunciou em uma entrevista à CNN que vai parar de fazer "filmes de ação absurdos que apenas explodem coisas e exploram pessoas". A declaração de Weinstein foi uma resposta às críticas de que ele estaria encampando uma campanha aberta contra os ativistas e associações pró-armas ao mesmo tempo em que encoraja o uso de armas em seus filmes. "Eu acho que eles [os críticos] têm razão. Eu tenho que apenas escolher filmes que não são violentos ou tão violentos como eles costumam ser. Pessoalmente, não posso continuar com isso", afirmou o produtor.

O anúncio também pode ser visto como uma maneira de Weinstein ampliar as expectativas sobre seu próximo filme, que promete ser um ataque direto ao lobby pró-armas nos EUA e à enérgica NRA. O drama, que ainda não tem previsão de estreia, será protagonizado por Meryl Streep e tem o título provisório de The Senator’s Wife (a mulher do senador).

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Tiros, explosões, sangue, socos e pontapés. Não é segredo mesmo para espectadores eventuais que, há décadas, Hollywood tem nos filmes de ação sua empreitada mais rentável, especialmente depois da onda de adaptações de super-heróis que ganhou os cinemas desde 2000 e não dá sinais de arrefecer. A popularidade do gênero, porém, tem sido constantemente colocada em xeque ao longo do tempo por uma discussão que envolve desde psicólogos e pediatras até ativistas pró-armas e cineastas: afinal, a violência retratada na tela em forma de ficção tem o poder de influenciar o comportamento dos espectadores? A resposta para a questão não é simples, mas tem pendido para o lado dos críticos da indústria cinematográfica na esteira de episódios recentes – como o massacre na escola primária de Sandy Hook, nos EUA, que deixou 20 crianças mortas – e de estudos que mostram a presença maciça de cenas violentas em filmes voltados para adolescentes.

Estudo

A hipótese de que produções de ação com tiros, mortes e alguma pancadaria são os preferidos pelo público foi reforçada neste mês com a publicação de um estudo conduzido pelo Centro de Políticas Públicas da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos. Os pesquisadores se debruçaram sobre os 390 filmes que foram responsáveis pelas maiores bilheterias no país entre 1985 e 2010 e, num trabalho minucioso, dividiram as obras em sequências de cinco minutos para analisar como os personagens agiam nesses trechos. O levantamento apontou que cerca de 90% dos filmes mostravam os protagonistas agindo com violência ao menos em seis momentos e, em 77% das produções, esses mesmos personagens eram mostrados em cenas de sexo, consumo de drogas e álcool.

O que preocupa os pesquisadores é o fato de que, estatisticamente, não há diferença na presença da violência retratada com outros comportamentos de risco entre os filmes com classificação etária para maiores de 12 anos e aqueles restritos a maiores de 18 anos – o que, conforme o estudo, coloca em xeque a eficácia do sistema de classificação da Motion Picture Association of America (MPAA), entidade que representa alguns dos maiores estúdios de cinema e tem o poder de restringir ou ampliar o público de determinadas obras.

Como exemplo de uma situação que pode soar inapropriada para espectadores mais jovens, é citada uma sequência do filme Sr. & Sra. Smith, protagonizado por Brad Pitt e Angelina Jolie. Em determinada cena, os dois personagens apontam armas um para o outro, se beijam, tiram as roupas e em seguida fazem sexo – ao fim, a espiã vivida por Jolie dá um soco na face do marido. O filme foi classificado nos EUA como PG-13, o que, apesar de alertar para a existência de conteúdo inapropriado para crianças, não faz restrições quanto aos espectadores adolescentes. Entre outros filmes analisados com a mesma classificação e que, conforme o estudo possuem cenas de violência e outros comportamentos transgressores, estão Missão Impossível 2, a série Velozes e Furiosos e as duas primeiras aventuras do ator Daniel Craig como o espião 007 – Cassino Royale e Quantum of Solace.

As ações do agente secreto mais famoso da literatura e do cinema inclusive motivaram a criação pelos pesquisadores de um termo para explicar o perigo de relacionar, de forma leviana, violência a sexo, drogas e álcool. "Há uma espécie de ‘efeito James Bond’, em que a violência é glamourizada em combinação com outros comportamentos que, pelo contrário, nós tentamos desencorajar na juventude", afirma o coautor do estudo da Universidade da Pensilvânia, Dan Romer. Para os responsáveis pelo levantamento, o maior risco, ao expor os jovens a esses filmes, é "potencialmente ensiná-los que a violência é aceitável, assim como esses outros comportamentos".

Risco

Os mecanismos que interferem no aprendizado de crianças – seja para ações positivas ou negativas – já foram discutidos em uma série de estudos conduzidos por psicológos e pediatras nas últimas décadas. Apesar de haver consenso de que a representação da violência na mídia, por si só, não gera comportamentos agressivos, pesquisadores destacam que esse é um fator de risco tão influente quanto outros que cercam os jovens, como a condição social, acesso a armas e existência de transtornos mentais. Isso parte do fato de que a percepção da criança sobre o mundo que a cerca e a maneira como ela reage a esse mundo é resultado de sua observação e interação tanto com pessoas reais, como pais e amigos, quanto com personagens ficcionais, através da televisão e dos games, por exemplo. Uma tese constantemente usada é a de que, ao observar pessoas violentas e o resultado desse comportamento, crianças e adolescentes podem ser levados a acreditar que agressões são uma maneira eficaz de resolver conflitos interpessoais.

A maneira com que Hollywood – e a própria sociedade – trata o tema traz à tona um paradoxo que envolve valores enraizados na cultura midiática e comportamental norte-americana. A classificação etária lançada sobre os filmes é muito mais rigorosa para cenas de sexo e linguagem inapropriada, enquanto cenas de violência não são vistas como impedimentos mais sérios. Não é raro, inclusive, os estúdios amenizarem algumas sequên­cias que contenham sangue e ações mais brutais para garantir que os filmes possam ser vistos por adolescentes e, assim, tenham lucro nas bilheterias. A "maquiagem", ao que parece, tem surtido efeito. Enquanto isso, a sexualidade segue como um tema tabu para o cinema norte-americano, que não quer arriscar restringir seu público nas sessões – não é coincidência que filmes como Ninfomaníaca – Volume 1 (Lars von Trier), Azul É a Cor Mais Quente (Abdellatif Kechiche) e Jovem e Bela (François Ozon) tenham sido produzidos por estúdios e diretores europeus.

"A exploração da violência nos filmes de Hollywood não vai mudar, é algo que está muito presente, ainda mais com o reforço dos videogames. É uma violência pensada para entreter e emocionar o espectador, mesmo sendo irreal, por mostrá-la como algo emocionante e até indolor", afirma o jornalista e coordenador-geral da Academia Internacional de Cinema de São Paulo, Franthiesco Ballerini. "Os estúdios não têm preocupação alguma com a influência sobre o público, exceto se esse público vai pagar ou não para ver o filme. É tudo uma questão comercial", completa.

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