
Nova York - Morta aos 98 anos, em 31 de maio deste ano, a artista franco-americana Louise Borgois é prova de que o tempo tem seus caprichos: ganhou fama apenas no fim de uma longa carreira, quando as esculturas, desenhos e gravuras abstratos e psicologicamente carregados que fazia tiveram um efeito galvanizador sobre o trabalho de artistas mais jovens, principalmente mulheres.
Suas esculturas em madeira, aço, pedra e borracha moldável, muitas vezes com formas orgânicas e sexualmente explícitas, emocionalmente agressivas mas inteligentes, percorreu muitos estilos. Mas, do primeiro ao último, seus trabalhos compartilharam uma série de temas repetidos, centrados no corpo humano e sua necessidade de carinho e proteção em um mundo assustador. Proteção muitas vezes traduzida em imagens de abrigo ou repouso. Um pedaço de bronze fundido com um buraco, por exemplo, sugeria a toca de um animal. Uma estrutura de madeira parecida com uma mesa de pernas finas, como palafitas, se assemelhava a uma casa sempre ameaçando cair.
A série Cells, do início da década de 1990 instalações com portas antigas, janelas, cercas de aço e objetos recolhidos pretendia evocar a infância da artista, que ela afirmava ser a fonte psíquica de sua arte.
Mas foram suas imagens do corpo em si, sensual mas grotesco, fragmentado, muitas vezes sexualmente ambíguo, que se mostraram especialmente memoráveis. Em alguns casos, o corpo tomou a forma abstrata de um poste vertical de madeira, atravessado por alguns buracos e espetado por pregos; noutros, aparece como um par de mãos femininas esculpido de forma realista em mármore e acomodado, mãos abertas, sobre uma base de pedra maciça.
Entre as esculturas mais conhecidas e exibidas de Louise está "Nature Study" (1984), uma esfinge sem cabeça com poderosas garras e múltiplos seios. Talvez a mais provocativa seja "Fillette" (1968), um grande pênis de látex. Louise pode ser vista carregando o objeto debaixo do braço, muito sem-cerimônia, em um retrato do fotógrafo Robert Mapplethorpe feito para o catálogo de sua retrospectiva de 1982, no Museu de Arte Moderna. (No catálogo, a imagem de Mapplethorpe aparece cortada de forma a mostrar somente o rosto sorridente da artista.)
Essa retrospectiva trouxe a Louise Bourgeois, já passada dos 70 anos, a aclamação crítica e popular que há muito lhe escapava. Em 1993, ela representou os Estados Unidos na Bienal de Veneza. Num meio, o da arte, em que as mulheres eram tratadas como cidadãs de segunda classe e dissuadidas de tratar de temas abertamente sexuais, rapidamente assumiu uma presença emblemática. Seu trabalho foi recebido por muitos como uma incisiva manifestação feminista; sua carreira, como um exemplo de perseverança frente ao descaso. Ela falou muitas vezes da dor como objeto de sua arte, e do medo: medo da prisão do passado, da incerteza do futuro, da perda no presente.
"Meu negócio é o tema da dor", dizia. "Para dar sentido e forma à frustração e ao sofrimento." E acrescentava: "A existência da dor não pode ser negada. Não proponho soluções nem desculpas." Mas foi o dom de tornar universal a vida interior como um espectro complexo de sensações que tornou sua arte tão comovente.
É certo que seu estilo pessoal contribuiu para a mística em torno dela. Pequena, ríspida na voz e na postura, direta mas desconfiada com entrevistadores, Bourgeois passou a maior parte da vida ou em casa, em Chelsea, ou no estúdio do Brooklyn, onde trabalhou com Jerry Gorovoy, seu assistente desde 1980.





