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Louise Bourgeois falou muitas vezes da dor como objeto de sua arte | Fotos: Divulgação
Louise Bourgeois falou muitas vezes da dor como objeto de sua arte| Foto: Fotos: Divulgação

História familiar teve peso na obra da artista

The New York Times

Nova York - Louise Bourgeois nasceu em 25 de dezembro de 1911, na Rive Gauche, em Paris, a segunda dos três filhos do casal Louis e Josephine Bourgeois. Seus pais, donos de uma galeria que negociava principalmente tapeçarias antigas, tinham uma situação financeira confortável. Alguns anos depois do nascimento de Louise, a família se mudou da capital, abrindo uma oficina de restauração de tapeçarias em Choisy-le-Roi. Quando criança, costumava recordar-se a artista, ela desenhava fragmentos de imagens apagadas nas tapeçarias, auxiliando no restauro.

Frequentemente falava dos primeiros anos de vida familiar como emocionalmente conflituosos mas importantes em sua formação. Sua mãe, muito prática e afetuosa, presa a uma cadeira de rodas, foi uma influência positiva. A personalidade dominadora do pai, bem como sua infidelidade (ele teve um caso de dez anos com a governanta inglesa das crianças), criou em Louise um ressentimento e uma insegurança que nunca a abandonaram.

Como num pesadelo, seu quadro de 1974, "The Destruction of the Father" ["a destruição do pai"], por exemplo, mostra uma mesa num recanto iluminado como um palco, adornada por uma série de elevações lembrando seios, protuberâncias fálicas e outros contornos biomórficos em látex de aspecto macio que sugerem a evisceração sacrificial de um corpo – tudo isso cercado por formas enormes e brutas de mamilos. Bourgeois revelou que a inspiração para o quadro foi uma fantasia de infância na qual um pai pomposo, cuja presença ensombrece a hora do jantar noite após noite, é colocado em cima da mesa pelo resto da família, desmembrado e devorado.

  • Uma das aranhas de Louise Bourgeois está no Museu de Arte Moderna de São Paulo, no Parque do Ibirapuera
  • Louise: pênis de látex

Nova York - Morta aos 98 anos, em 31 de maio deste ano, a artista franco-americana Louise Borgois é prova de que o tempo tem seus caprichos: ganhou fama apenas no fim de uma longa carreira, quando as esculturas, desenhos e gravuras abstratos e psicologicamente carregados que fazia tiveram um efeito galvanizador sobre o trabalho de artistas mais jovens, principalmente mulheres.

Suas esculturas em madeira, aço, pedra e borracha moldável, muitas vezes com formas orgânicas e sexualmente explícitas, emocionalmente agressivas mas inteligentes, percorreu muitos estilos. Mas, do primeiro ao último, seus trabalhos compartilharam uma série de temas repetidos, centrados no corpo humano e sua necessidade de carinho e proteção em um mundo assustador. Proteção muitas vezes traduzida em imagens de abrigo ou repouso. Um pedaço de bronze fundido com um buraco, por exemplo, sugeria a toca de um animal. Uma estrutura de madeira parecida com uma mesa de pernas finas, como palafitas, se assemelhava a uma casa sempre ameaçando cair.

A série Cells, do início da década de 1990 – instalações com portas antigas, janelas, cercas de aço e objetos recolhidos – pretendia evocar a infância da artista, que ela afirmava ser a fonte psíquica de sua arte.

Mas foram suas imagens do corpo em si, sensual mas grotesco, fragmentado, muitas vezes sexualmente ambíguo, que se mostraram especialmente memoráveis. Em alguns casos, o corpo tomou a forma abstrata de um poste vertical de madeira, atravessado por alguns buracos e espetado por pregos; noutros, aparece como um par de mãos femininas esculpido de forma realista em mármore e acomodado, mãos abertas, sobre uma base de pedra maciça.

Entre as esculturas mais conhecidas e exibidas de Louise está "Nature Study" (1984), uma esfinge sem cabeça com poderosas garras e múltiplos seios. Talvez a mais provocativa seja "Fillette" (1968), um grande pênis de látex. Louise pode ser vista carregando o objeto debaixo do braço, muito sem-cerimônia, em um retrato do fotógrafo Robert Mapplethorpe feito para o catálogo de sua retrospectiva de 1982, no Museu de Arte Moderna. (No catálogo, a imagem de Mapplethorpe aparece cortada de forma a mostrar somente o rosto sorridente da artista.)

Essa retrospectiva trouxe a Louise Bourgeois, já passada dos 70 anos, a aclamação crítica e popular que há muito lhe escapava. Em 1993, ela representou os Estados Unidos na Bienal de Veneza. Num meio, o da arte, em que as mulheres eram tratadas como cidadãs de segunda classe e dissuadidas de tratar de temas abertamente sexuais, rapidamente assumiu uma presença emblemática. Seu trabalho foi recebido por muitos como uma incisiva manifestação feminista; sua carreira, como um exemplo de perseverança frente ao descaso. Ela falou muitas vezes da dor como objeto de sua arte, e do medo: medo da prisão do passado, da incerteza do futuro, da perda no presente.

"Meu negócio é o tema da dor", dizia. "Para dar sentido e forma à frustração e ao sofrimento." E acrescentava: "A existência da dor não pode ser negada. Não proponho soluções nem desculpas." Mas foi o dom de tornar universal a vida interior como um espectro complexo de sensações que tornou sua arte tão comovente.

É certo que seu estilo pessoal contribuiu para a mística em torno dela. Pequena, ríspida na voz e na postura, direta mas desconfiada com entrevistadores, Bourgeois passou a maior parte da vida ou em casa, em Chelsea, ou no estúdio do Brooklyn, onde trabalhou com Jerry Gorovoy, seu assistente desde 1980.

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