• Carregando...
John Neschling, no Museu Oscar Niemeyer: descontração |
John Neschling, no Museu Oscar Niemeyer: descontração| Foto:

Último concerto

Depois de anunciar, em junho deste ano, que não irá renovar seu contrato com a Osesp, John Neschling definiu como "normalíssima" sua situação à frente da orquestra. "Eu gostaria de ir embora em 2010, mas antes quero preparar a orquestra para que o sucessor a receba com a mesma qualidade que ela tem hoje. Espero que seja assim e que o novo maestro tenha o mesmo amor e a mesma dedicação que eu tive nestes 11 anos."

Ver John Neschling descontraído, com as pernas dobradas por sobre o encosto de um banco do Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, e ouvi-lo falar sobre sua coleção de perfumes ou sua paixão pelas artes marciais é algo improvável. Mas possível. Tanto que aconteceu na última terça-feira à tarde.

O premiado maestro brasileiro, regente da Orquestra Sinfônica de São Paulo (Osesp) há 11 anos, apresentou-se na última quinta-feira para 2 mil convidados que assistiram ao concerto que deu início às comemorações aos 90 anos da Gazeta do Povo. Dois dias antes da apresentação, em entrevista exclusiva ao Caderno G, Neschling falou sobre diversos temas, mas, sobretudo, a respeito do que ele chama de "condenação eterna".

"Não tive época na vida em que não tivesse contato íntimo com música. Sempre fui condenado a ela e, para mim, isso é mais do que uma vocação. É exatamente isso, uma condenação", disse o maestro, de 61 anos. Neschling estudou no Brasil até os 17 anos e formou-se em Composição e Regência pela Academia de Música de Viena, na Áustria.

Descendente de austríacos, Neschling define sua ida à Europa como "a volta do filho pródigo", mas o período político conturbado pelo qual passava o Brasil foi decisivo para que ele decidisse retornar ao Rio de Janeiro, sua terra natal. "Eu saí do Brasil em uma época dura. Tinha amigos presos e exilados e queria mais contato com a política brasileira. Acabei voltando em 1973, mesmo depois de começar uma carreira promissora lá", disse.

Com 19 anos, um precoce John esteve à frente de uma orquestra pela primeira vez – travessura de adolescente em janeiro de 1968. "Hoje eu acho que foi como uma brincadeira. Não foi um bom concerto, ao menos na minha memória, por mais que ela seja mais afetiva do que realista", disse o maestro, fã de Eça de Queiroz, Fernando Pessoa e José Saramago.

E sua proximidade sempre constante com a literatura teve seu mais recente capítulo no casamento com a escritora Patrícia Melo, há dois anos. A autora dos romances Matador e Inferno é sua segunda esposa. Neschling foi casado com a atriz Lucélia Santos, a eterna escrava Isaura, com quem teve um filho, o ator Pedro Neschling, hoje com 26 anos.

A vaidade do músico limita-se à coleção de perfumes e discos. Neschling compra roupas sempre na mesma loja do Rio de Janeiro e não é extravagante, embora, com a batuta nas mãos, confesse ter sido vaidoso por muito tempo. "Hoje a regência é menos narcísica do que no início. Meu relacionamento com as orquestras é mais altruísta do que egoísta; minha relação com os compositores e com os músicos é muito mais respeitosa hoje", confessou, depois de descruzar as pernas e sentar normalmente, revelando lustrosos sapatos pretos.

"Eu não posso ser assim como estou agora o tempo todo, sabe? Preciso me defender do assédio, tenho que colocar certos limites. Há uma certa liturgia do cargo", disse, ao comentar sobre a "guerra de egos" que incessantemente persegue as celebridades.

Neschling venceu importantes concursos internacionais de regência, como o de Florença (1969), o da Orquestra Sinfônica de Londres (1973) e já dividiu palco com Plácido Domingo, interpretando a ópera Il Guarany, clássico do compositor paulista Carlos Gomes, em 1996. Mas é no seu sitiozinho na Serra da Mantiqueira, em São Paulo, que se sente mais à vontade.

"Gosto de ler, conversar e de sentir o tempo passar lá na serra. Quase sempre ouvindo música". Esse hábito, aliás, divide espaço na vida do maestro com outra áixão, quase antagônica. "Uma das coisas que mais gosto na vida é do silêncio. Silêncio é música em potencial. O que detesto é música como ruído, como acompanhamento de algo. Talvez seja uma deformação profissional, mas não suporto música de consultório de dentista, música para ginástica. Não gosto disso. Música é música", disse Neschling, que já compôs mais de 60 trilhas sonoras para teatro (A Serpente, de Nélson Rodrigues), cinema (O Beijo da Mulher Aranha, de Hector Babenco, e Desmundo, de Alain Fresnot), além de novelas e minisséries. "Foi meu meio de sobrevivência no Brasil por um tempo, mas não me considero um compositor. Isso eu deixo para aqueles que acham que tem alguma coisa absolutamente indispensável a dizer. E eu não acho isso de mim".

Para Neschling, há uma diferença importante na forma de denominar sua obra, que a impede de atingir outros públicos. "Não gosto do termo música erudita, porque é reducionista. Esse termo já pressupõe que pouca gente possa ouvir as obras clássicas. Também não acho que a música clássica seja popularizável porque nunca foi e nunca será popular. A música clássica não é jogada para você. É você que tem de ir a sua procura. Mas acredito mesmo é na democratização. Hoje, por exemplo, um show do João Gilberto está mais caro que um concerto da Osesp", brincou Neschling, que já ouviu muito Frank Zappa e Pink Floyd entre ensaios de peças de Schubert e Mozart.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]