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“As reações do público são variadas e as interpretações surpreendentes. Teve gente que me perguntou se eu era budista ou mandingueiro. Outras `o que eu quero dizer com isso´, o que sempre me leva a dizer que as exposições de artes visuais não `dizem´, mas `mostram´ alguma coisa", Fabrício Vaz Nunes, artista plástico | Marcelo Elias / Gazeta do Povo
“As reações do público são variadas e as interpretações surpreendentes. Teve gente que me perguntou se eu era budista ou mandingueiro. Outras `o que eu quero dizer com isso´, o que sempre me leva a dizer que as exposições de artes visuais não `dizem´, mas `mostram´ alguma coisa", Fabrício Vaz Nunes, artista plástico| Foto: Marcelo Elias / Gazeta do Povo

Já ouviu falar de uma mandinga budista? É assim que o artista plástico, professor da Escola de Música e Belas Artes do Paraná e crítico de arte Fabrício Vaz Nunes nomeia sua instalação artística, em cartaz no segundo piso do Mu­­seu Alfredo Andersen, formada por mais de 80 imagens de um Buda gorducho e sorridente – na verdade, uma divindade chamada Hotei, ligada à abundância de bens terrenos.

A instalação é um desdobramento de intervenções urbanas com a figura de Buda que ele vem realizando desde 2008. Instalados em árvores, trilhos de trem e outros locais inesperados, os pequenos objetos de gesso andaram provocando as mais diversas reações entre os passantes, como conta o artista nesta entrevista concedida, por e-mail, à Gazeta do Povo. Agora, dispostos em um grande quadrado e com cores vibrantes que mudam constantemente em alusão à passagem do tempo, as imagens chamam a atenção do visitante que for ao museu. Leia trechos da conversa com o artista.

Por que usar a imagem do Buda em uma instalação de arte?

Comecei a trabalhar com a imagem do Buda porque ele tem uma referência no imaginário popular, associada à sorte, misticismo e religião oriental e à busca da felicidade e da paz na vida. A ideia das intervenções urbanas era criar um mo­­mento de estranhamento no dia-a-dia do passante, com a imagem do Buda gerando uma pequena pausa de contemplação. A pessoa se pergunta: "Mas que diabos isso está fazendo aqui?".

Por que o nome da mostra é Mandingas Budistas?

Inventei esse nome pela associação bem-humorada entre dois registros religiosos bastante distantes um do outro: o budismo oriental e as religiões de origem africana. Toda religião, na verdade, tem as suas "mandingas", que são coisas que a pessoa faz para conseguir algum tipo de favorecimento por parte das divindades, sejam elas quais forem. Brincando com essa ideia, a mandinga budista pretende trazer sorte para quem quer que olhe para ela – e, espalhando a sorte, pretendo também trazer sorte para mim mesmo (risos).

A escolha do Buda sorridente tem alguma razão especial?

Não é uma razão tão especial assim: a ideia era usar esse símbolo meio supersticioso, meio religioso, um símbolo "fraco" de religiosidade e, ao mesmo tempo, imediatamente reconhecível. Foi a partir da figura do Buda que concebi a instalação que é baseada, de certa forma, na ideia de abundância.

O que você utiliza para fazê-los mudar de cor?

As mudanças de cor são resultado da migração do pigmento da aquarela colorida que coloquei em "cargas" de algodão no interior do Buda. Colocando água, o pigmento começa a se deslocar dentro da imagem. Isso acontece porque o gesso absorve água, que depois vai evaporando. Curiosamente, o pigmento tende a subir e se concentrar na cabeça. Mas cada vez que se coloca mais água as cores se alteram. Qual a sua intenção ao fazê-los mudar de cor?

Criar uma certa "magia" e fazer uma instalação que discuta, também, a passagem do tempo. As intervenções com o Buda na rua eram também bastante efêmeras, pois as pessoas acabam "roubando" o Buda do lugar em que ele tinha sido colocado. Na instalação, a mudança da cor cria uma situação meio viva, em que as coisas se transformam lentamente com o tempo. A proposta era criar algo como um jardim.

Há alguma intenção ao enfileirar os Budas formando um quadrado?

A ideia era trabalhar algo como uma paisagem, que se estenda no plano horizontal e permita ao visitante passear entre eles, criando um ambiente (sempre achei o termo "arte ambiental" melhor que "instalação", que confunde os não-especialistas). São 80 Budas de gesso e um dourado, instalado na árvore. Há aí o raciocínio da abundância, que é precisamente o que a estatueta simboliza, e a passagem de um material "pobre" (o gesso) para um material "nobre" (o dourado), colocado em contato com a coisa viva.

Quanto ao formato, escolhi o mais simples possível, ligado à forma do quadrado, antigo símbolo da perfeição: o desenho das cores forma um quadrado dentro do outro, indicando a infinitude. Mas quanto ao número não tem nada de místico ou simbólico – mesmo que as pessoas adorem procurar significados simbólicos nisso...

Ao fim da exposição, você pretende distribuir os Budas. Por quê?

Em primeiro lugar, eu não quero guardar todas essas estatuetas na minha casa! Por outro lado, se a ideia é a da abundância, o negócio é distribuir. Vou deixar que cada visitante leve um budinha de gesso, mas só um. Se estou falando de sorte – essa dimensão meio mítica e meio supersticiosa –, creio que "distribuir a sorte" é também a melhor forma de atraí-la.

Como você tem observado o comportamento do público?

As reações do público são variadas e as interpretações surpreendentes. Teve gente que me perguntou se eu era budista ou mandingueiro. Outras "o que eu quero dizer com isso", o que sempre me leva a dizer que as exposições de artes visuais não "dizem", mas "mostram" alguma coisa. Uma interpretação interessante foi a de um visitante que me disse que atentou para o fato de que os Budas primeiro eram todos iguais (ou quase iguais) e depois ficaram meio diferentes entre si, como se fossem uma referência à humanidade, formada por pessoas que são iguais, mas diferentes.

Serviço:

Mandinga Budista, no Museu Alfredo Andersen (R. Mateus Leme, 336), (41) 3222-8262. De terça a sexta-feira, das 9 às 18 horas, e sábado, domingo e feriado das 10 às 16 horas. Até 15 de agosto.

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