Muitos espectadores e até mesmo artistas ficam em dúvida se determinadas obras atuais de dança são realmente dança. Essas experiências trazem à tona muitas questões, dentre elas: o que vem a ser dança contemporânea?
Mais do que responder o que é, proponho realizar o exercício de buscar entender como ela é, ou seja, como ela se organiza, com que pensamentos e conceitos ela dialoga. Essa mudança de abordagem pode ser a diferença a fazer diferença no seu entendimento e fruição.
Aquilo que se convencionou chamar de dança contemporânea não é uma técnica ou estética específica, tampouco toda e qualquer dança que é feita no tempo atual. Podemos entendê-la como modos de fazer e pensar a dança que contempla um outro entendimento não só da dança, mas também do corpo e de suas relações com o seu ambiente. Corpo entendido não como uma tábula rasa, mas sim, como resultado de um longo processo em permanente interação com seu ambiente relacional: natureza e cultura; e dança como um especializado processo comunicacional desse corpo. O jeito encontrado - ou escolhido - por artistas para organizar um discurso e partilhá-lo com o mundo.
São trabalhos de pesquisa que levam em conta a diversidade dos corpos e suas experiências. Muitos processos acontecem de maneira colaborativa, em que os envolvidos são co-autores e, por consequência, também co-responsáveis por aquilo que está sendo criado e não apenas receptáculo de ideias alheias como acontece, por exemplo, em trabalhos mais tradicionais, em que a figura do coreógrafo cria e o bailarino somente executa. É interessante apontar também que muitos artistas não partem de um treinamento técnico específico para criar, mas sim de uma questão que os motivam a pesquisar e a formular respostas.
São processos artísticos que contemplam uma outra lógica, em que o entendimento do que venha a ser coreografia e seus procedimentos de criação ganha outros contornos, não podendo mais ser entendido tão somente como um mero encadeamento de passos e formas corporais advindos de uma técnica, mas sim a busca de soluções eficientes para construir nexos de sentido acerca daquilo que se escolheu como temática.
No cenário local, muitos artistas têm desenvolvido trabalhos que carregam este entendimento de dança. Podemos citar a PIP Pesquisa em Dança criada e dirigida por Carmen Jorge, desCompanhia de Dança criada e dirigida por Cíntia Nápoli, Grupo de Dança da FAP, coordenado por Rosemeri Rocha, o coletivo Couve-flor Minicomunidade Artística Mundial e artistas solos como Mônica Infante, Gladis Tridapalli, Cinthia Kunifas e Marila Velloso que há tempos desenvolvem trabalhos que alimentam o cenário da dança. Destacam-se também artistas que têm surgido nos últimos tempos como Juliana Adur, Mábile Borsato, Viviane Mortean, Renata Roel, Ronie Rodrigues, Luciana Navarro, Silvia Nogueira, Clayton Leme, entre outros.
A dança, como tudo no universo, está em constante processo de evolução, sendo redesenhada a cada dia, em face às possibilidades conectivas que estabelece, tanto com seus elementos internos, como com o contexto externo.
É da natureza dos movimentos de vanguarda, como a dança contemporânea, colocar em cheque paradigmas, subverter lógicas e reconfigurar modelos estéticos há muito consolidados e tomados como padrão. Isso faz com que antigos pressupostos não deem mais conta da leitura dessas experiências como davam das experiências que outrora norteavam, majoritariamente, sua produção e entendimento.
Faz-se necessário, então, prover estratégias e ações que criem novas pontes de interlocução, e que possibilitem reduzir as distâncias entre a arte e seu público. Desse modo, reforça-se o entendimento do fazer artístico como atividade político-social, implicada em seu sistema cultural e que tem como função propor outros modos de olharmos e lidarmos com a realidade.
* Giancarlo Martins é mestre em Comunicação e Semiótica pela PUCSP e Bacharel em Dança pela PUCPR. Professor do curso de Dança da FAP e pesquisador do Programa Rumos Dança do Instituto Itaú Cultural.



