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“Eu precisava contar a minha história para o meu neto João saber das suas origens”, diz Teresa Urban |
“Eu precisava contar a minha história para o meu neto João saber das suas origens”, diz Teresa Urban| Foto:

A história de uma geração a partir de uma trajetória pessoal. A partir desse pressuposto foi deflagrado o projeto que se materializou em 1968 Ditadura Abaixo, livro que mistura com peculiaridade texto e história em quadrinhos, entre outros elementos narrativos.

A obra é, na realidade, um projeto coletivo. Na capa, tem as assinaturas de Teresa Urban, de 62 anos, e Guilherme Caldas, de 35 anos. Em 1973, enquanto Caldas nascia, Teresa estava presa na Penitenciária Feminina de Piraquara. A jornalista que se tornou conhecida sobretudo pela atuação na área ambiental, em 2007, sentiu necessidade, orgânica até, de escrever sobre a sua jornada. Principalmente, para o seu neto João, hoje com 16 anos.

Há dois anos, o neto de Teresa estudava no Colégio Estadual do Paraná (CEP). Naquele contexto, alguns estudantes protestavam contra a diretora da instituição e as faixas traziam uma ideia-força bastante repetida durante os anos de chumbo: "Abaixo a ditadura".

O passado pedia passagem. Urgente se fez recuperar a memória, até para que a geração do neto entrasse em contato com muito do que se passou durante uma temporada ainda pouco esmiuçada pela História. Acima de tudo, nada de cacoetes acadêmicos, discurso empostado, notas de rodapé e hermetismos. Falar com os jovens por meio de uma linguagem viva.

E, assim, meio maktub (estava escrito), ou seria obra do acaso?, os caminhos de Teresa e Caldas iriam se encontrar. Ele, quadrinista e ilustrador (que inclusive assinou o projeto gráfico do álbum As Histórias São Iguais, da Relespública), seria o parceiro mais do que apropriado para afinar o roteiro com o zeitgeist (espírito do tempo) – pelo menos do ponto de vista da fusão de linguagens.

1968 Ditadura Abaixo, em suas 251 páginas, parece um álbum: há texto, recorte de jornais, anúncios publicitários, letras de canções, reproduções de fichas da Delegacia de Ordem Política e Social (Dops), no caso de Teresa Urban, fichada por "subversão".

Pretérito revisitado

Durante cinco meses, o trabalho foi a distância. Um compromisso profissional levou Teresa até Cabo de Santo Agostinho, na Grande Recife (PE). A tecnologia viabilizou a interlocução. Afinaram-se. Também, a partir de idiossincrasias em comum. Ambos usam óculos, não são motoristas e votam, declaradamente, em candidatos de esquerda. E esse viés foi mais do que fundamental para que o livro acontecesse.

Teresa contou com apoio financeiro de vários amigos, companheiros daqueles tempos de política estudantil da década de 1960. Oriovisto Guimarães, o proprietário do Grupo Positivo, por sua vez, bancou a impressão. "Aquela chama da coletividade, apesar do tempo, ainda está viva", diz, com olhos marejados, Teresa.

Ao rememorar alguns episódios, Teresa é toda emoção. Quatorze de maio de 1968 é um exemplo. Naquele dia, um grupo de estudantes invadiu a Reitoria da Universidade Federal do Paraná (UFPR), no centro de Curitiba – ocasião em que integrantes da polícia cercaram o prédio e foram, literalmente, "ensanduichados" por curitibanos que simpatizavam com a causa dos alunos.

A multidão, inclusive, derrubou o busto do então reitor, Flávio Suplicy de Lacerda (que também foi ministro da Educação durante o regime militar, na gestão Castelo Branco) – e esse acontecimento está recriado em formato de HQ em 1968 Ditadura Abaixo.

As páginas do livro, coloridas, se insinuam como convite para o leitor viajar deste presente rumo ao passado, sobretudo aquele 1968, que parecia (para os jovens de então) não ter fim, em que tudo pulsava intensamente em meio a uma geração que desejava, de fato, mudar o mundo.

"Havia uma predisposição generosa em busca de outros caminhos para a humanidade." A frase saiu com elaboração e espontaneidade em meio à fala de Teresa durante a entrevista, realizada em sua casa, semana passada. Questionada se "dói" olhar a juventude atual, bem mais pragmática do que aqueles jovens utópicos, ela não hesita: "Dói". Mas as conquistas, do ponto de vista da liberdade individual, são irreversíveis. "Hoje, você já não precisa ser mais aquilo que determinaram que você deveria ser", comemora.

Memória preservada

Em recente disputa eleitoral, o pequeno filho de Guilherme Caldas, Vitor, comentou que "eleição é uma chatice." O menino, diante do horário eleitoral gratuito, reclamava, protestava e, então, o pai pediu a palavra: "Se eleição é chata, é bom que você saiba que houve uma época (durante o regime militar) que era pior. Poder votar é uma conquista". Esse diálogo aconteceu antes de Caldas ser convidado para participar de 1968 Ditadura Abaixo, mas encontra ressonância na proposta fundadora do livro.

Teresa, desde o primeiro impulso, queria que o seu neto soubesse por que ela foi presa. Agora, João tem mais informações não apenas em relação à caminhada de sua avó, mas a respeito de toda uma geração que, por exemplo, mais que estudar, queria pensar, discutir e propor inusitadas veredas para o ser humano.

Um outro passado, que não tem replay, acaba de ser revisitado.

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Serviço

1968 Ditadura Abaixo, de Teresa Urban e Guilherme Caldas. Arte e Letra, 251 págs., R$ 40.

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