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 | Miguel Nicolau/Especial para a Gazeta do Povo
| Foto: Miguel Nicolau/Especial para a Gazeta do Povo

Guardo da infância um fascínio pelos itens de papelaria, o que me leva a percorrer lojas e seções do gênero em busca de lápis, canetas e principalmente cadernos, cadernetas e agendas. Uma das primeiras providências aqui em Portugal, meses atrás, foi encontrar cadernos confiáveis, que me despertassem o desejo de escrever – que, com a mudança, estava meio amortecido.

Na primeira ida ao supermercado, comprei um bem barato, com caveiras em prata sobre fundo preto na capa. Era só para ter onde escrever, se me ocorresse algo.

Foi em uma grande livraria que encontrei bons exemplares, com origens alemãs e italianas, além dos vindos da China. Para tudo há hoje genéricos. Os eletrodomésticos nas lojas têm versões mais baratas, de fabricantes desconhecidos. Chamam-se aqui “marcas brancas”.

Entrando nesta onda, comprei uma imitação do Moleskine. Tem qualidade, mas não há referência ao fabricante nem o charme da grife prestigiosa.

Uso vários tipos de caderno na temporada lusitana, pois um “escritor profícuo” (tomo tal definição como crítica) morre de medo de não ter onde cometer seus crimes.

Mas só um modelo de fato me encantou.

Feito em Lisboa, é sinônimo do caderno português – chama-se Galocha, por causa da proteção colorida em tecido na lombada – e nas laterais em algumas versões. É da papelaria Emílio Braga, que está neste ramo desde 1918. Há algo de rústico e ao mesmo tempo requintado nestes livretos de vários formatos, alguns lembrando os livros comerciais, origem do produto. Comprei o primeiro para testar e me surpreendi: fácil de manusear, com linhas espaçadas, o que é fundamental para alguém que escreve com letras grandes. Um dos problemas do Moleskine com pauta é o espaçamento apertadinho, o que dificulta o trabalho livre e ligeiro da escrita, ideal produtivo de um bom preenchedor de páginas.

De imediato, adotei estes cadernos, e também os comprei lisos, mas com uma folha avulsa, pautada, que serve como guia. O primeiro já foi ocupado com meus diários de Portugal, o que faz uma dupla referência ao país: pelo tema e pelo suporte. Posso dizer que estou feliz com esta descoberta e que já me preparo para levar uma coleção deles na volta ao Brasil.

A escritora Lídia Jorge, num depoimento sobre estes objetos de desejo, diz que se tornaram motivo de culto e cada vez mais artistas os usam. Estes oficiantes formam uma família, da qual comecei a fazer parte sem saber, pois comprei o Galocha por suas qualidades superiores em comparação às outras marcas de prestígio e só depois me informei sobre.

Aqui em Portugal, tenho um visto de residente, mas nada me define mais como alguém com alguma intimidade com o país do que a posse destes cadernos de folha espessa, superfície macia e lombadas protegidas, para que os guardemos por muitos anos.

P.S. Ao escrever em cadernos, sonhamos dar alguma materialidade às palavras. A escrita assim é como um quadro, uma escultura ou um livro único que editamos egoisticamente apenas para nós mesmos.

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