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Mudar ou não mudar? Eis uma questão que aflige qualquer grupo ou intérprete na transição do primeiro para o segundo disco. A dúvida é ainda mais cruel quando o trabalho de estréia emplaca e cria expectativas quanto ao lançamento seguinte. Deve-se investir na linha inicial, para não decepcionar os fãs e consolidar uma identidade no mercado? Ou procurar novos caminhos musicais, firmando-se como artista e conquistando outros espaços?

Para o bem da saúde do rock, o quarteto americano The Rapture escolheu a última alternativa. Pieces of the People We Love ("Pedaços das Pessoas que Amamos"), seu segundo álbum, não só se distancia do primeiro como confirma a banda no rol das mais interessantes da nova geração. Lançado lá fora em setembro, mas dando sopa há tempos na internet, o CD finalmente chegou às lojas brasileiras. Menos mal, pois se trata de um dos discos obrigatórios da temporada.

Formado em 1998, na cidade californiana de San Diego, o Rapture logo se mudou para Nova Iorque, onde virou um dos queridinhos da efervescente cena que deu ao mundo Strokes, Yeah Yeah Yeahs e Interpol, entre outros. Após alguns singles e EPs, chegou ao "disco cheio" com Echoes (2003), elogiado por sua releitura do punk e do pós-punk dos anos 70 e 80. Definindo vulgarmente, é como se a banda tivesse injetado mais suingue no som cru e intelectualizado de nomes como Talking Heads, Gang of Four, A Certain Ratio e Blondie. A mistura pegou tanto nos clubes de rock quanto nas pistas de dança. E não tardou para o quarteto ganhar o rótulo de disco-punk, influenciando centenas de garotos mundo afora – inclusive os adeptos da new rave, a moda musical da hora na Inglaterra.

Embalado pelo hit "House of Jealous Lovers", o Rapture tocou no Brasil em 2004 e deu pistas de que seu potencial era bem maior do que o imaginado. Dois anos se passaram e a suspeita virou certeza. Echoes soava irregular porque a banda, então inexperiente, ficou nas mãos da dupla de produtores DFA, pioneira na onda disco-punk. Já em Pieces of the People We Love, a história é outra. Com mais autonomia, Luke Jenner (guitarra, voz), Mattie Safer (baixo, voz), Gabriel Andruzzi (teclados, saxofone) e Vito Roccoforte (bateria) parecem ter feito, finalmente, o disco de seus sonhos.

A produção ficou a cargo de Paul Epworth e Ewan Pearson, amigos da banda e mais ligados à engenharia de som. Duas faixas, no entanto, são assinadas pelo badalado Danger Mouse, colaborador da banda-cartoon Gorillaz e cabeça da dupla Gnarls Barkley (do megahit "Crazy"). O quarteto jura que conheceu Mouse bem antes de ele ficar famoso, mas não faz diferença: mesmo com produtores diferentes, o disco não perde unidade.

São dez faixas de pura celebração, em que a sujeira da estréia dá lugar a um som limpo e variado (daí o título do CD), enriquecido por camadas de teclados, efeitos, apitos, coros e percussão – com destaque para o uso do cowbell, ou "sino de vaca", uma das marcas do Rapture. As letras, lascivas e cantadas com um ar atrevido, trazem uma coleção de interjeições (uma das músicas se chama, com toda a razão, "Whoo! Alright – Yeah... Uh Huh!"). Tudo em nome da dança, mas sem deixar de falar ao cérebro.

Candidatas a hit também não faltam. "Don Gon Do It" é psicodelia para boates. A faixa título, uma das produzidas por Danger Mouse, flerta com o glam. "Get Myself Into It" resgata o saxofone no rock. "The Devil" resume todo o revival dos anos 80.

Dizem que, nos negócios e na arte, quanto mais arriscada a empreitada, maior é o lucro. O Rapture entendeu o recado, mudou de rota e teve sua ousadia premiada. GGGG

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