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• Marcelo Rubens Paiva (São Paulo, 1959) vai ter um livro lançado na França. Bala na Agulha, seu único romance policial, acabou de ser traduzido e será o primeiro de sua bibliografia a sair na terra de Balzac.

• Seus livros já foram traduzidos para o inglês, espanhol, italiano, alemão e checo.

• Dele, a Objetiva já publicou: Blecaute, Feliz Ano Velho, O Homem Que Conhecia as Mulheres, Malu de Bicicleta e Não És Tu, Brasil.

• Os próximos serão: Ua:brari, Bala na Agulha e As Fêmeas.

• A argentina Lucrecia Martel (O Pântano) está entre os seus cineastas favoritos.

• Perguntado se havia gostado de A Grande Família, com Marco Nanini (em cartaz nos cinemas), Paiva disse: "Se é para falar de uma família numa cidadezinha do subúrbio, eu prefiro Fargo" (comédia dos irmãos Coen).

• Machado de Assis e Franz Kafka são dois de seus escritores favoritos. Dos seus contemporâneos, gosta do americano Philip Roth (Complô Contra a América), mas acha seu estilo "meio caretão".Ele está trabalhando em um novo romance, A Segunda Vez que Te Conheci. Sobre um casal que se separa e, dez anos depois, volta a se relacionar.

Publicado pela primeira vez há 25 anos, Feliz Ano Velho se tornou um clássico para a geração de 80. Nenhum outro romance da época se aproximou tanto das experiências, anseios e frustrações dos jovens – talvez por ter sido escrito por um.

Hoje, Marcelo Rubens Paiva está perto dos 50 anos, segue como um dos escritores influentes do país – não apenas por meio dos livros, mas também na função de cronista do jornal O Estado de S.Paulo. Sua bibliografia está sendo relançada pela Objetiva desde o final do ano passado, quando saiu Feliz Ano Velho.

Agora, a editora coloca no mercado as novas edições de Não És Tu, Brasil (312 págs., R$ 46,90) e Blecaute (216 págs., R$ 32,90). Todos os livros estão sendo revistos – e certos trechos, reescritos – pelo autor. "O projeto que todo escritor tem na vida é, um dia, rever os livros que escreveu há 20, 30 anos", diz.

Na entrevista a seguir, Paiva fala sobre cinema, teatro e literatura.

Gazeta do Povo – Com a publicação de sua obra pela Objetiva, você ficou tentado a rever os textos e alterá-los de alguma forma?Marcelo Rubens Paiva – Fiquei e revi. Fiz a revisão de todos eles – esse é o grande barato da história. Na verdade, o projeto que todo escritor tem na vida é, um dia, rever os livros que escreveu há 20, 30 anos. "Corrigir", entre aspas, tirando frases feitas e clichês. No meu caso, eu tinha 22 anos de idade (quando escreveu Feliz Ano Velho). É impossível que um garoto dessa idade consiga não cometer algumas aberrações literárias pela inexperiência, pela empolgação. Frases feitas sempre perseguiram todos os jornalistas, todos os escritores.

No processo de revisão, você acaba reescrevendo muita coisa?O grande tesão que eu sinto pela literatura é no momento de reescrever. Não És Tu, Brasil tinha 360 páginas e eu tirei quase 40. É um livro que trazia muitos documentos inéditos relacionados à ditadura. Hoje, com o Google (site de busca na internet), você consegue esses papéis num piscar de olhos. Não fazia mais sentido deixar a narrativa sendo quebrada por eles. Então enxuguei esses documentos. Foi um gesto corajoso porque alguns deles foram citados pelo Elio Gaspari no seu segundo livro, Ditadura Escancarada. No Bala na Agulha, de 92, que ainda não saiu, mas acabei de fazer a revisão, tirei um problema da trama, que chegou a ser citado por um crítico. Uma distração minha. O mais legal disso tudo é que eu sempre me depreciei como escritor, pensei que eu era infantil demais e jovem demais. Revisitei minha literatura e adorei, adorei meus livros!

Você terminou dizendo "não sou tão ruim assim"?É (risos). "Até que sou bom." Eu gostei de me ler.

Existem escritores, como o Carlos Heitor Cony, que não admitem rever seus livros antigos. Eles dizem que se começarem a corrigir um livro, não param mais. Ah, mas pára. Eu também tinha essa sensação, de que começaria a ler e ia querer mudar tudo. Mas não. Você começa a ler como se fosse um outro autor.

Como um editor mesmo.É. Como se fosse um cara que você não conhece. É bacana porque eu me lembrava em termos gerais, mas não lembrava dos detalhes. Então acompanhava a trama como um leitor comum.

Poderia citar uma das correções significativas que fez em um de seus livros?No Não És Tu, Brasil, que demorei seis anos para escrever, eu contei a história de um dos guerrilheiros de acordo com os documentos que encontrei. Mas cruzei com um cara na rua que me contou uma outra versão. Pensei: "Caramba, estou decretando o fim desse personagem e eu não tenho certeza. Eu não vi, só li documentos". O cara que encontrei disse que eu cometi uma injustiça porque a morte aconteceu de outra maneira. Fiquei com isso na cabeça durante muitos anos. O escritor é autoritário na hora de determinar o destino de uma personagem sem, às vezes, ter certeza absoluta. Nessa segunda edição, eu mudei. Tirei esse personagem.

E no Feliz Ano Velho?Nele, eu fiquei tentado a escrever um novo capítulo. De 82, quando ele foi escrito, até hoje, 2007, muitas novidades surgiram, especialmente no caso do desaparecimento do meu pai. Até por causa do Feliz Ano Velho. As pessoas me encontravam nas ruas e me davam informações que eu não tinha. Fiquei tentado a escrever um posfácio, um capítulo novo ou até a reescrever toda a parte do meu pai, mas achei que, por outro lado, se tivesse que fazer isso seria um outro livro. Feliz Ano Velho é um clássico, apesar do preconceito que há contra ele da elite do meio acadêmico.

E você já cruzou com algum leitor extremamente equivocado de Feliz Ano Velho?Sim, vários. Amigos, inclusive. Minha irmã detesta o livro. O que é ótimo.

Seria chato ser uma unanimidade...Seria.

Você é especialmente crítico com alguma de suas obras?Eu tirei umas cem páginas de As Fêmeas, que é um livro de crônicas. Quase metade dele. É um livro de crônicas da época que eu escrevia para a Folha de S.Paulo e que eu publiquei às pressas porque estava mudando para os EUA. No final das contas, não revi as crônicas e não pude editar o livro direito. Lembro que o lançamento foi um dia antes de eu me mudar. Agora, revendo o livro, eu falei "nossa!" – tinha umas crônicas muito fracas perto de crônicas muito boas.

Há um tempo, li uma entrevista sua em que dizia como gostaria de ver mais um de seus livros ganhar as telas dos cinemas. Se pudesse escolher, qual seria?Ah, todos. Acho que essa é a ambição de todo escritor contemporâneo que escreve muito influenciado pela linguagem cinematográfica. Meus livros sempre são vendidos (os direitos de adaptação), sempre têm o interesse do mercado. Deixa eu explicar: no cinema, você vende os direitos por quatro, cinco anos. Se, nesse tempo, eles não filmarem, podem renovar, pagando outro valor, ou desistem e você vende de novo (para outra pessoa). O Blecaute, desde 86, sempre tem seus direitos com alguém. O Bala na Agulha, sempre tem gente interessada. Até minhas peças. Mas nunca eles fazem. Chega na hora agá, vencem os direitos e os caras partem para outros projetos. É uma grande frustração minha.

Falando em filmes, ao transitar por vários meios – cinema, teatro, literatura –, você acabou ganhando preferência por trabalhar em algum deles?Gosto muito de teatro. Tenho uma loucura por teatro. Eu acho a literatura mais fácil. A prosa me sai muito espontaneamente. É só me dar um computador ou até uma máquina de escrever – porque já escrevi dois livros em máquinas de escrever (Blecaute e Feliz Ano Velho) –, tempo e uma garrafa de café que vai. Teatro é algo mais cerebral, mais matemático. É preciso mais tempo de reflexão. Ele tem todo o ritual até a montagem que me fascina. Pegar o texto, fazer uma leitura com amigos, depois oferecer para atores, fazer leituras em lugares públicos, bolar em qual teatro aquela peça se encaixaria, trabalhar em conjunto com o diretor, ir nos ensaios, ouvir o que os atores têm a dizer, cortar, emendar, inverter cenas, criar cenas, mudar o final... Aí vem a estréia, você vê a reação dos amigos, das pessoas e da crítica. Eu já cheguei a mudar o final de uma peça minha, durante a temporada, por causa de uma crítica.

Você não tem nenhum problema com isso?Pelo contrário. Leio com a maior atenção. Até as críticas ruins, às vezes, são interessantes. Constantemente, eu mudo minhas peças durante a temporada. Esse tipo de ritual só é possível com o teatro.

Você trabalha também como cronista na imprensa. Na sua opinião, quais são as grandes divergências entre um espaço (o livro) e outro (a coluna de jornal)?A literatura e o jornalismo são parceiros desde Flaubert, Balzac, Machado de Assis e Drummond. Todo mundo tem texto escrito para jornal. Memórias Póstumas de Brás Cubas foi escrito para jornal, em partes. Mário Prata, recentemente, no Estadão, fez uma novelinha que você acompanhava pelo jornal. Agora, o que não combina com a literatura é a linguagem jornalística, não a de crônica, mas a de reportagem. Em primeiro lugar, no jornalismo, não se deve usar adjetivo. Nós, jornalistas, não temos nenhum credenciamento para adjetivar os fatos, tipo "o deputado, vírgula, mentiroso". Apesar de muitos editores acharem que o adjetivo não deve ser usado, eu sou fã de adjetivos. Se a raça humana inventou o adjetivo é porque quer expressar sua opinião sobre determinadas coisas, como em "essa mulher é linda". Essa é a diferença, em uma (literatura) você pode se expor. Em outra (jornal), preferencialmente, não.

O que pensa sobre essa disposição de se indenizar as famílias de vítimas da ditadura militar?Minha família, por exemplo, não entrou nesse pedido de indenização. É um projeto de lei, não é? Em alguns casos, acho justo. Minha mãe ficou viúva com 40 anos de idade. Pegaram o marido dela, da casa dela, levaram embora, mataram e sumiram com o corpo. Por estar com o marido desaparecido, não podia mexer nas contas nem requisitar o seguro de vida. Nesse caso, por exemplo, apesar de minha mãe não ter pedido, acho superjusto. Ela entrou antes, nos anos 80, com um processo de reparação de danos morais contra o governo brasileiro. E essa ação ela ganhou. Não saiu dinheiro, nem sabemos se vai sair. Agora, aí começam os abusos: personagens que dizem que foram torturados, mas, na verdade, passaram uma tarde na cadeia. Acho justo em alguns casos.

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