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O Amor Segundo B. Schianberg, baseado em Marçal Aquino, tem direção de fotografia da curitibana Heloísa Passos | Fotos: Divulgação
O Amor Segundo B. Schianberg, baseado em Marçal Aquino, tem direção de fotografia da curitibana Heloísa Passos| Foto: Fotos: Divulgação
  • Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo: Brasil remoto e fascinante

São Paulo - A programação da 33.ª edição da Mostra Internacional de Ci­­nema intimida. Escolher a que as­­sistir é sempre um desafio. Mais de 400 títulos, de todos os con­­tinentes e vertentes autorais. Do­­cumen­tários, ficções, obras experimentais, em curta, média e longa-metragem. Realizados em película e em vídeo digital. Nessa verdadeira Torre de Babel construída a partir de imagens e sons, a reportagem da Gazeta do Povo encarou o desafio de fazer um recorte bastante particular: encontrar filmes realizados por diretores do Paraná ou com a participação de profissionais do estado. A constatação é de que essa presença é bem menos tímida do que se imaginava.

Entre os longas, há três filmes com direção de cineastas da terra. Os Inquilinos – Os Incomodados Que Se Mudem, do ponta-grossense Sérgio Bianchi, Morgue Story – Sangue, Baiacu & Quadrinhos, assinado pelo curitibano Paulo Biscaia Filho, conterrâneo de Guto Barra, diretor do documentário Beyond Ipanema. E não dá para excluir Insolação, cuja direção é partilhada por Daniela Thomas e Felipe Hirsch, carioca de nascimento mas curitibano de formação. E tem no elenco, coordenado pelo ator Guilherme Weber, os "filhos da terra" Simone Spoladore e Zeca Cenovicz.

Sérgio Bianchi é um dos diretores mais importantes do país e tem no currículo filmes importantes como Romance, que já na década de 80 foi um dos primeiros títulos na cinematografia mundial a falar da epidemia de aids. Também realizou os polêmicos Cronicamente Inviável e Quanto Vale ou É por Quilo?, obras que revelam o olhar crítico, corrosivo, do cineasta em relação a mazelas brasileiras como a corrupção institucionalizada, a falência ética e o racismo. Em seu novo longa, ele enfoca a periferia paulistana, mostrando como a violência e a barbárie invadem o cotidiano de uma família de classe média baixa, cumpridora de seus deveres, quando três integrantes do PCC se mudam para a casa vizinha.

O filme de Paulo Biscaia tem em comum com o de Bianchi a violência, abordada de formas muito distintas. E só. A proposta do diretor de teatro e autor curitibano não é discutir o Brasil contemporâneo. Seu longa-metragem de estreia, baseado em seu premiado texto teatral homônimo, é uma obra de terror metalinguística.

Biscaia recorre ao universo dos quadrinhos e do cinema de horror – a protagonista se chama Ana Argento (Mariana Zanette), numa homenagem ao mestre italiano Dario Argento – para contar uma história mirabolante que envolve um médico legista, poções capazes de provocar catalepsia, estupros e, sobretudo, uma mistura original de humor e terror que o público da mostra tem prestigiado com entusiasmo.

Documentário

Radicado em Nova York há mais de uma década, o jornalista Guto Barra, em parceria com o produtor e diretor musical Béco Dranoff, faz do documentário Beyond Ipanema um rico painel sobre o impacto da música brasileira no mercado internacional, sobretudo nos Estados Unidos.

Na tese de Barra, endossada por entrevistados como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Ruy Castro, o marco inicial dessa onda que se ergueu no mar não foi a bossa nova, mas a ida de Carmen Miranda primeiro para a Broad­way e, depois, para Hollywood. Já uma estrela consagrada no Brasil, ela apresentou os ritmos brasileiros a plateias do resto do mundo.

Beyond Ipanema tem uma edição ágil e não-cronológica, assinada por Barra e pela também paranaense Lilka Hara. A montagem é um dos acertos do documentário, que se sai muito bem quando discute a Tropicália – com destaque para o impagável de­­poimento de Tom Zé, resgatado do ostracismo na década de 90 pelo músico norte-americano David Byrne, líder dos Talking Heads. Mesma sorte não tem o segmento dedicado à Bossa Nova e suas reinvenções, que reserva um espaço demasiadamente grande à cantora Bebel Gilberto, cujo trabalho recebe mais atenção que o do próprio pai, o cantor João Gilberto, um dos inventores do gênero.

Fotografia

Outra curitibana que está brilhando na Mostra é a diretora de fotografia Heloísa Passos. São primorosos os seus trabalhos nos longas Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo, de Karim Aïnouz (Madame Satã) e Marcelo Gomes (Cinema, Aspirinas e Urubus), e O Amor Segundo B. Schianberg, de Beto Brant (O Invasor).

Premiada no Festival de Sundance de 2007 pela fotografia do documentário Manda Bala (inédito no Brasil), Heloísa em­­barca no hibridismo de linguagens tanto no filme de Aïnouz e Gomes quanto no de Brant. Am­­bos, cada um a sua maneira, bor­­ram as fronteiras entre realidade e ficção.

Em Viajo Porque Preciso, o narrador é um geólogo recém-separado da mulher que viaja pelo interior do Nordeste para fazer um estudo encomendado pelo governo com o objetivo de fazer a transposição das águas do único grande rio da região (supõe-se que seja o São Francisco).

A viagem percorre as regiões mais inóspitas do sertão, mas também alguns centros regionais. E, ao mesmo tempo em que é documental, já que muito do retratado é real, a narrativa, contada em primeira pessoa pelo geólogo, é um mergulho em sua subjetividade. Revela um homem triste, abalado pelo fracasso do casamento, carente e forçado pelo trabalho a mergulhar numa solidão que o leva a uma profunda crise existencial, que se materializa nas belas imagens e na inspirada trilha sonora. Nunca se vê o rosto do protagonista, apenas o que ele enxerga, através da lente sensível de Heloísa, que revela um Brasil remoto e fascinante.

Não existem grandes paisagens em O Amor Segundo B. Schian­­berg. O filme tem argumento ba­­seado num personagem do ro­­mance Eu Receberia a Notícia de Seus Lindos Lábios, de Marçal Aquino, parceiro constante do diretor Beto Brant. O cineasta propôs à videoartista Marina Previato e ao ator Gustavo Machado dividir um apartamento em São Paulo por três semanas, onde eles vivem uma intensa história de amor diante de câmeras de vigilância, no estilo Big Brother, orquestradas por Heloísa Passos.

O resultado é fascinante. Re­­presentação e realidade se confundem mais uma vez, criando um território que vem se consolidando como tendência no cinema contemporâneo.

Realizado dentro de um projeto da TV Cultura chamado Car­­naval, o filme anuncia, talvez, o surgimento de uma atriz interessante (Marina, cujo vídeo que está produzindo integra o longa de Brant) e a confirmação do talento de um ator em ascensão na cena paulistana (Machado).

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