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O jornalista baseou-se em um sequestro real para compor seu novo livro | Divulgação
O jornalista baseou-se em um sequestro real para compor seu novo livro| Foto: Divulgação

Opinião

Policial com boa dose de drama

Yuri Al’Hanati, repórter

O romance de Edney Silvestre poderia ser facilmente encaixado no gênero policial. A denominação, porém, acabaria limitando demais a trama, inseparavelmente conectada a seu momento. Os detalhes presentes na obra, como o preconceito racial que leva ao mal-entendido dos sequestradores – que capturam uma criança loira de olhos azuis acreditando ser sinônimo de riqueza – os estrangeirismos usados nos jargões profissionais, a valorização da cultura americana em detrimento da brasileira e o esquema de corrupção em que um dos personagens se envolve capturam a essência da cultura brasileira que não é exportada nem pela mídia positiva nem pela negativa ao país.

Mesmo assim, nada disso valeria de muita coisa sem uma história consistente e desafiadora, que tira o leitor de sua zona de conforto por fazê-lo confrontar uma realidade pouco falada ao mesmo tempo em que o prende a uma narrativa veloz e sofisticada, não focada nos típicos mistérios dos romances policiais, mas nos dramas individuais de cada personagem. A Felicidade É Fácil compreende várias leituras em poucas páginas.

O escritor e jornalista Edney Silvestre tem o hábito de guardar pequenas lembranças de viagens, papéis e recortes de jornal. "Eu sempre sei porque eu os guardo, e alguns acabo usando depois", conta ele, numa entrevista à Gazeta do Povo, por telefone. Um desses mementos, uma nota de jornal publicada nos anos 1990, foi a base da inspiração para seu mais novo romance, A Felicidade É Fácil – que chega às livrarias dois anos após o estrondoso sucesso de Se Eu Fechar os Olhos Agora.

O fato: um grupo de sequestradores que pretendiam capturar o filho de um rico empresário de São Paulo acaba, por engano, com o filho de seus empregados. Ficcionalizado, o caso ganha formas e profundidade ao retratar a relação do poderoso e inescrupuloso publicitário Olavo, pai de Olavinho, com a superficial e misteriosa Mara; além da vida da caseira Irene, mãe de um menino surdo-mudo, e Barbara, filha do motorista Major.

É a partir desse evento e da complexa teia que une os personagens que Silvestre discute o Brasil nos anos pós-ditadura, definidores da sociedade brasileira atual. "A retenção da poupança feita no início do governo Collor serviu para mostrar aos brasileiros que não ter os militares no poder não era garantia de nada. Era preciso lutar, e essa luta continua até hoje", opina, e acrescenta que o esquema de corrupção em que Olavo se envolve e a onda de sequestros infantis foram outras características marcantes desses anos.

Pesquisando a fundo o período, Edney Silvestre conversou com famílias de pessoas sequestradas, e começou a escrever o livro em 2002, enquanto ainda produzia Se Eu Fechar os Olhos Agora – que retrata a antiga região do café do interior do estado do Rio de Janeiro, nos anos 1960, onde o autor nasceu. "Foi uma experiência muito intensa, alguns trechos precisei reescrever várias vezes porque precisava ser o mais claro possível", lembra. Fatos históricos, como a passeata das Diretas Já, a queda do Muro de Berlim e a invasão do Kuwait pelo Iraque aparecem ao longo do livro para marcar o momento. "As notícias estavam muito mais presentes naquela época. Vale lembrar que tivemos a Guerra do Golfo como o primeiro combate plenamente televisionado ao vivo. E se o Saddam Hussein não tivesse traído a confiança dos Estados Unidos ao invadir o país aliado dos americanos, não haveria o 11 de Setembro", conta.

O escritor reconhece que o recurso literário que utiliza – de pensar a história recente do país nos romances – é pouco recorrente no Brasil, ainda que amplamente elogiado em autores como Philip Roth, nos Estados Unidos, e Ian McEwan, na Inglaterra, por exemplo. "Existem alguns poucos exemplos no Brasil, como o livro de João Almino [Cidade Livre, o último volume do Quinteto de Brasília, conjunto de cinco obras sobre a capital federal] e o clássico Agosto, de Rubem Fonseca, sobre a época do assassinato de Getúlio Vargas. Não saberia dizer porque a história recente não é falada na literatura brasileira. Minha editora alemã [De Arbeiderspers, que publica Se Eu Fechar os Olhos Agora] disse que se interessou pelo meu livro porque com ele conseguia entender a formação do Brasil."

Serviço

A Felicidade É Fácil, de Edney Silvestre. Record, 224 págs. R$ 29,90.

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