• Carregando...
Yoko Ogawa: “Precisão em descrever as nuances psicológico humano, sendo gentil e penetrante ao mesmo tempo”, segundo o prêmio Nobel Kenzaburo Oe | Masaaki Toyoura/Divulgação
Yoko Ogawa: “Precisão em descrever as nuances psicológico humano, sendo gentil e penetrante ao mesmo tempo”, segundo o prêmio Nobel Kenzaburo Oe| Foto: Masaaki Toyoura/Divulgação

A trama de Hotel Íris, da japonesa Yoko Ogawa se apresenta ao leitor em camadas. Essa estrutura, apesar pouco frequente na literatura da escritora, que já publicou mais de 20 livros de ficção, condiz com sua maneira singular de destrinchar cada aspecto de seus protagonistas, que são em sua maioria mulheres. Não por acaso, o romancista japonês Kenzaburo Oe, prêmio Nobel de literatura de 1994, disse que Yoko consegue expressar as mais sutis nuances do psicológico humano, sendo gentil e penetrante ao mesmo tempo.

A primeira camada, a que salta os olhos, é uma história de opressão familiar, da adolescente Mari, narradora do romance, que mora com sua mãe autoritária e viúva no Hotel Íris, uma hospedagem litorânea que recebe turistas e conta com a ajuda de uma faxineira cleptomaníaca. Nessa camada, a autora procura construir o background necessário para o comportamento da protagonista que é, no mínimo, estranho.

Mari presencia uma agitação no hotel entre uma prostituta ofendida e seu cliente, um homem misterioso que não se mostra na confusão. A partir de um grito do homem, ofendendo a prostituta, Mari se apaixona. A esse grito, que corta o caos, a autora tenta atribuir a fascinação que o homem muito mais velho exerce sobre a adolescente. Eis que se desdobra a segunda camada de Hotel Íris: a tentativa da protagonista em suplantar a ausência da figura paterna, que corta a desordem com sua voz autoritária e firme e lhe oferece segurança e estabilidade.

Apenas na camada mais íntima da trama é que Yoko Ogawa mostra seu talento. Na dominação sexual do homem – um tradutor que vive isolado numa ilha e é suspeito de matar sua antiga esposa – sobre a então inocente Mari reside o talento da escritora. Descobrindo sua sexualidade ao mesmo tempo em que desvenda o mundo do sadomasoquismo e do bondage (gosto por amarrar e ser amarrado) – práticas sexuais consideradas tabus em toda a sociedade –, Mari narra suas experiências e sensações com muito zelo em não entregar ao leitor todo o espectro de sentimentos que possam justificar tamanha submissão e masoquismo. Cada palavra é pensada para revelar apenas a intenção da protagonista em continuar procurando o amor perverso do tradutor, inventando desculpas à sua mãe para sair e chantageando a faxineira para manter segredo.

Porém, param por aí as qualidades de Hotel Íris. A linguagem da autora, embora seja precisa no conteúdo, peca na forma. Eufemismos pueris usados pela protagonista para descrever cenas eróticas acabam sendo irritantes e artificiais, como a linguagem das falsas ninfetas na mais baixa literatura de banca de jornal.

Yoko Ogawa falha também ao tentar nos fazer simpatizar com Mari e, consequentemente, com a trama inteira. Foi, sim, uma escolha intencional, a de colocar a voz da narrativa sobre a personagem mais fraca, para explorar a perda da inocência e a descoberta de um mundo novo e selvagem. Porém, sua falta de personalidade, caráter e moral deixa um caminho fácil para que a escritora faça de sua personagem uma tábula rasa, suspendendo o tempo anterior ao romance e utilizando apenas alguns poucos dados de sua infância como subterfúgio à sua entrega ao amante.

Hotel Íris é um livro que joga com a capacidade de dizer muito e esconder mais ainda. Pena que se resuma basicamente a isso. A trama peca em consistência narrativa e em sua forma. GG

Serviço: Hotel Íris, por Yoko Ogawa. Tradução do francês de Marly Peres. Leya, 205 págs., R$34,90.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]