• Carregando...

Na adolescência, Luis Canales sonhava em virar ator de Hollywood. De família circense e viajada, nasceu em um picadeiro (não ao pé-da-letra) montado na cidade de Quatá (SP). Com o fim do circo, os pais migraram para a televisão e ele chegou a se apresentar na TV Tupi de São Paulo. Suas dublagens do Elvis Presley fizeram sucesso.

Deixou a carreira de ator para o primo Oscarito (ícone do cinema nacional), estudou Letras, viajou aos EUA para fazer mestrado, terminou no Japão, dando aulas de espanhol e português na Universidade de Estudos Estrangeiros de Quioto, onde leciona há quase 30 anos. Como pesquisador, dedicou tempo e atenção à obra de Yukio Mishima até ser incentivado por um amigo a escrever um livro. Abandonou o autor de Mar Inquieto para se dedicar à mulher que marcou sua adolescência. "Deusa" é a palavra que usa para defini-la e, por ele, as aspas são desnecessárias. Seis anos depois de ser fulminado pelo desejo de contar a história da atriz italiana que protagonizou dezenas de filmes (além de incontáveis sonhos adolescentes e adultos), surgiu Gina Lollobrigida – Uma Biografia Não Autorizada da Vênus Imperial, publicada pela Nórdica em 1996 (já esgotada), seis anos depois da edição americana, pela Branden Books, ainda disponível no sítio da Amazon.com.

"Eu deveria ter chamado-o de ‘tributo autobiográfico’", diz Canales, que passou por França, Espanha e Itália para levantar informações sobre a diva. Ele chegou a bater no portão da mansão dela na Via Appia Antica de Roma e descobriu, da pior maneira possível, o motivo de nunca ninguém ter contado a história de Gina Lollobrigida em livro. A atriz prestes a completar 80 anos (há uma discussão sobre o ano de seu nascimento; uns dizem 1926, outros 1927) é contra qualquer exposição de sua vida pessoal. Quinze dias depois de sair a biografia no Brasil, ela processou o autor.

Curioso é que a obra, embora venha com os dizeres "não autorizada" na capa, não apresenta qualquer informação polêmica, é rigorosa em relação a fontes e trata a protagonista com reverência. "Depois de seis anos pesquisando (entre 84 e 90), eu não achei nada que pudesse comprometê-la. E mesmo se tivesse achado, não usaria", afirma. Seu trabalho chegou a ser recusado por uma editora que alegou qualquer coisa como "falta de fofocas".

O processo deu em nada. Segundo Canales, Lollobrigida deixou de pagar o advogado e o caso foi arquivado. Hoje, o manuscrito tem uma tradução ao japonês pronta, mas o escritor diz estar cansado. "Não quero passar pela história de processos mais uma vez."

Célebre pelo papel em Pão, Amor e Fantasia (1953), ao lado de Vittorio de Sica, Lollobrigida jamais respondeu uma carta do biógrafo. Escreveu apenas três vezes, por meio de advogados, condenando a publicação do livro. A atriz foi arredia e evitou conhecer Canales, mas, por causa dela, ele se tornou correspondente de figuras ilustres do cinema, consultadas ao longo da pesquisa e listadas com um sorriso de satisfação:

John Huston, que dirigiu a italiana em O Diabo Riu por Último (1953), foi atencioso ao ponto de enviar uma cópia de sua autobiografia, An Open Book, para o brasileiro;

Christian-Jaque, de Fanfan la Tulipe (1952), com quem trocou cartas por mais de dez anos;

Janet Leigh, 15 anos de correspondência, culminando em um café a convite da estrela de Psicose em sua casa em Beverly Hills;

Charlton Heston, o Ben-Hur e presidente da Associação Nacional do Rifle (NRA), seis anos de contato;

e Dirk Bogarde, britânico que estrelou a adaptação ao cinema de Morte em Veneza, baseado em livro de Thomas Mann.

Entre mestrado nos EUA e au-las no Japão, Canales está longe do Brasil há 40 anos. Ele prefere não dizer sua idade, mas é velho o suficiente para ter visto A Mulher Mais Bela do Mundo (1956) na adolescência, a primeira vez que encontrou Gina Lollobrigida em uma sessão de cinema.

Aproveitando as férias de verão da universidade, veio passear em Curitiba e visitar as primas. Ficou impressionado com a cidade, achando-a "limpa" e "organizada". Gostou tanto que faz planos de viver entre o Japão e o Paraná. "Meu trabalho é lá, mas minha casa é aqui no Brasil", diz.

Não bastasse uma herança cultural incomum, que mistura circo, tevê, literatura e cinema, Canales se diz um "romântico" interessado em personagens revolucionários e idealistas. Eva Perón, Che Guevara, Jesus Cristo e Dom Quixote são figuras que o inspiram. Ele não se considera religioso, conheceu e conversou com Oscarito em apenas uma reunião de família nos anos 70 (quando, por acaso, estava em São Paulo) e, além de palestras sobre a vida, o suicídio e a obra de Yukio Mishima, é pago para falar sobre cultura japonesa, educação e, claro, Gina Lollobrigida.

Antes da biografia sobre a Vênus Imperial (título inspirado em um filme regular de 1962, dirigido por Jean Delannoy), escreveu o livro Contos Tristes (1984), republicado em 1994 como O Pacto, em edição ampliada. Finalizou um livro de memórias (ainda sem editora) que trata das experiências no sistema de ensino japonês e prepara sua autobiografia. Provas de que não é preciso estar em Hollywood para se levar uma vida cinematográfica.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]