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Embates políticos e religiosos à parte, um consenso sobre a Festa Literária Internacional de Parati, encerrada no domingo, permanece intacto: não existe nada parecido com a Flip. Liz Calder disse isso primeiro, mas ela é suspeita (porque idealizou e hoje preside o festival). Mas é difícil encontrar um escritor que passe pela cidade histórica sem se impressionar de alguma forma. Tanto que aqueles que vêm fazem propaganda para os amigos e os incentivam a vir. Assim Paul Auster, convidado de dois anos atrás, acabou sendo uma referência para Jonathan Safran Foer e Nicole Krauss, seus vizinhos no Brooklyn, bairro de Nova Iorque. Salman Rushdie, que chegou a dançar forró na festa de encerramento do ano passado, falou maravilhas para o amigo Christopher Hitchens.

Esse boca-a-boca deve continuar e, logo, escritores que sempre são convidados, mas que não vêm por um motivo ou outro, podem ceder à curiosidade. O nova-iorquino Philip Roth e os nobéis J. M. Coetzee (África do Sul) e Kenzaburo Oe (Japão) estão na lista. Para o ano que vem, a organização já confirmou a vinda do português António Lobo Antunes.

Neste ano, Safran Foer ficou embasbacado ao ver que a praça central, ao lado da Tenda da Matriz (onde telões exibem os debates), é usada como espaço para as crianças lerem e interagirem com personagens literários, reproduzidos em estátuas de um metro e meio de altura. Havia o lobo mau e os três porquinhos, a Chapeuzinho Vermelho e várias esculturas inspiradas pela obra de Jorge Amado, o homenageado do ano. Para 2007, fala-se em Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto. Não há dúvida sobre 2008 quando Machado de Assis vai ser lembrado pelo centenário de sua morte.

Era comum ser abordado por turistas que pediam para ser fotografados em frente a um dos restaurantes da cidade, montado dentro de um prédio histórico (afinal, tudo ali é tombado pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e carros são proibidos de circular nas ruas). Um dos turistas, ao entregar a câmera, disse "Tem que aparecer a Gabriela!". A estátua estava no topo da casa e reproduzia a cena famosa em que Sônia Braga escala o telhado para pegar uma pipa na adaptação para a tevê de Gabriela, Cravo e Canela.

Contando a programação infantil (chamada Flipinha), a Flip custou R$ 3,8 milhões, trouxe até a cidade cerca de 13 mil pessoas e mobilizou perto de 8 mil crianças de 37 escolas da região. Parati fatura com os quatro dias de Flip mais do que consegue ganhar em toda a temporada de verão. Trinta e sete é também o número de escritores que participaram das 19 mesas da programação principal neste ano.

Os grandes eventos literários nos EUA e na Europa costumam ter centenas de debates, palestras e bate-papos, ambiente onde os autores vêm e vão sem se envolverem com outros convidados nem com o público. Em Parati, eles chegam e ficam durante todo o festival (com algumas exceções). Assistem às mesas que julgam interessantes, passeiam pela cidade e conversam com outros escritores. É o penúltimo item que costuma encantar as pessoas que têm sorte de participar da Flip.

Entre as cenas que fizeram parte da rotina paratiense na semana passada, você poderia acessar e-mails em um café ao lado de Tariq Ali, andar pela praça central na mesma hora do passeio do menino Sasha (o nome, ao contrário do que se pode pensar, é diminutivo de Alexandre em russo) com os pais Nicole Krauss e Jonathan Safran Foer, e tropeçar na escocesa Ali Smith diante da Igreja de Santa Rita.

Restaurantes são um capítulo à parte. Nas noites de Flip, encontrar escritores comendo nos endereços mais importantes da gastronomia local era rotina. Um africano (Uzodinma Iweala) encontrou um americano (Edmund White) em um restaurante tailandês. Ou americanos heteros (Safran Foer e a mulher) com escocesas gays (Ali Smith e sua companheira), todos vegetarianos, jantando em um restaurante especializado em cozinha caiçara (os únicos pratos sem carne são as saladas e as sobremesas). Situações insólitas. Não em Parati.

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