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Entretextos, de Sônia Gutierrez, que será lançado hoje no Paço da Liberdade, discute a aliança entre arte e literatura | Hugo Harada / Gazeta do Povo
Entretextos, de Sônia Gutierrez, que será lançado hoje no Paço da Liberdade, discute a aliança entre arte e literatura| Foto: Hugo Harada / Gazeta do Povo

Vislumbrar a revoada dos pombos ao lado da Catedral de Curitiba leva o leitor voraz a se imaginar em um conto de Dalton Trevisan. Como se não bastasse o texto curto, conciso, que nos lança imediatamente à cena, a cidade descrita pelo "vampiro curitibano" que visita o nosso imaginário, tem o traço do desenhista Poty Lazzarotto.

A parceria de mais de 40 anos entre Dalton e Poty, uma das mais profícuas da literatura brasileira, é tema do livro Poty Lazzarotto e Dalton Trevisan: Entretextos, que a artista e escritora Sônia Gutierrez autografa hoje, às 19 horas, no Paço da Liberdade.

Com apoio da Fundação Poty Lazzarotto, mantida por João Lazzarotto, irmão do artista morto em 1998, o livro em preto e branco, impresso em papel cuchê, conta com cuidadoso projeto gráfico de Oswaldo Miran e assistência de arte de Lucio Barbeiro, da equipe de ddesigners gráficos da Gazeta do Povo.

Com o livro enfim finalizado, Sônia encerra um capítulo de mais de dez anos dedicados à pesquisa sobre o diálogo entre as ilustrações de Poty e os textos de Dalton – desde que, em 1998, escolheu o tema como objeto de sua monografia para a especialização em Artes Visuais do Século 20, na Escola de Música e Belas Artes do Paraná (Embap). "Quem desenha como eu, tem fissura por Poty, que nunca abandonou o figurativo, nem mesmo quando veio a onda abstrata", conta.

Quando ingressou no mestrado em Comunicação em Linguagens, na Universidade Tuiuti do Paraná (UTP), Sônia embrenhou-se ainda mais na pesquisa sobre essa relação entre a obra literária e a ilustração. "Chamo Poty de arte-ilustrador, porque ele extrapola a mera ilustração e cria todo um texto imagético. É um narrador. Faz sua ficção por meio de imagens", diz ela, que escolheu as obras Em Busca de Curitiba Perdida, Mistérios de Curitiba, Ah, É? e Dinorá para sua análise por serem emblemáticos do diálogo entre texto verbal e não verbal empreendido pelos dois criadores.

Poty e Dalton tinham personalidades bem diversas, como bem define o próprio escritor em um haicai publicado logo após a morte do amigo: "Mestre Poty, uma praça Tiradentes às cinco da tarde, florida de mocinha, maníaco sexual, pombo branco em revoada. E eu, mal de mim, esse perdido beco sem saída atrás da Catedral". Mas ambos têm suas "Curitibas" como grande ponto em comum, "embora uma mais de ódio e outra mais de amor", brinca Sônia. Como o Dalton, Poty andava muito pela cidade, mãos cruzadas nas costas, e capote. "Ele ia beber a cidade, o traço vouyerístico é algo de um e de outro", diz a autora.

E se Poty era um leitor inveterado, que estudava com afinco as obras dos autores que ilustrava, Sônia lembra que Dalton "era um apaixonado pela imagem, se vê isso em seus textos, concisos, enxutos".

O pintor Henri Matisse comparou o trabalho do artista-ilustrador ao do "segundo violino" na música, porque ele não só responde ao primeiro violino, mas toca em paralelo com ele. E assim foi Poty, que nem sempre "traduzia" literalmente em imagens o universo do escritor. "Traduzir, para ele, não significa subordinação à expressão verbal: em alguns casos, usando os recursos de seu próprio código, contradiz a obra literária, seu discurso, conquistando pela ambiguidade mais autonomia para as ilustrações", escreve a autora. O linguista Antonio Houaiss colocou o desenhista paranaense na galeria dos poucos, mas grandes ilustradores dos nossos livros por dizer em imagens o que "as palavras não sabiam ou podiam".

Por sua capacidade de recriar exatamente aquilo que fervilhava na mente de Guimarães Rosa, para quem ilustrou Sagarana e Grande Sertão: Veredas, Poty teve seu trabalho alcunhado pelo autor mineiro de "Potyrama".

Para Sônia, obras como a de Dalton prescindem, pelo seu próprio poder de gerar imagens, de ilustrações. "Mas há um empobrecimento quando elas são suprimidas, porque são tão prenhas de significados quanto o texto verbal, e ambos, Dalton e Poty. são criadores com tanto em comum que o resultado final é sempre soma", opina.

Serviço:

Poty Lazzarotto e Dalton Trevisan: Entretextos, de Sônia Gutierrez (Fundação Poty Lazzarotto). R$ 60. Lançamento acontece hoje, às 19 horas, no Paço da Liberdade (Praça Generoso Marques, 189). Confira vídeo sobre o livro no site: www.soniagutierrez.tumblr.com.

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