• Carregando...
Dez anos depois, Vinicius de Oliveira volta a protagonizar um filme de Walter Salles |
Dez anos depois, Vinicius de Oliveira volta a protagonizar um filme de Walter Salles| Foto:
  • Walter Salles e Daniela Thomas retomam parceria iniciada em Terra Estrangeira, de 1996
  • Os quatro irmãos sem pai buscam caminhos para suas vidas: futebol, religião e criminalidade estão entre as possibilidades

Entrevista com os diretores Walter Salles e Daniela Thomas

"A vida é o que você faz dela." A frase no cartaz de Linha de Passe, que estréia nesta sexta-feira (5) em Curitiba, é reveladora. O novo longa-metragem de Walter Salles e Daniela Thomas entrelaça as histórias de quatro irmãos e uma mãe que se relacionam, mais do que pelos laços de sangue, pelo esforço de se reinventar em meio à pobreza e ao caos de São Paulo.

Dario (Vinícius de Oliveira, de Central do Brasil), prestes a completar 18 anos, sonha em ser jogador de futebol. Dinho (José Geraldo Rodrigues), busca refúgio na religião evangélica. Dênis (João Baldassarini) já é pai de um filho e ganha a vida como motoboy. Reginaldo (Kaique de Jesus Santos), o caçula, empreende longas viagens de ônibus em busca do pai.

O filme rendeu à Sandra Corveloni, que vive a mãe dos meninos, Cleuza, o prêmio de melhor atriz do Festival de Cannes deste ano.

Confira trechos da entrevista concedida pelos diretores à Gazeta do Povo.

Li algumas resenhas sobre Linha de Passe que diziam que o filme trata da realidade difícil dos jovens da periferia brasileira, mas de um modo esperançoso. Ao assisti-lo, principalmente no final, tive uma impressão oposta, principalmente tendo em vista o desfecho de Central do Brasil. É seu filme menos otimista?

Walter Salles – Quando fiz Central do Brasil, o país estava saindo de um período de 20 anos de regime militar e de tempos extremamente difíceis de "desgoverno" Collor. Então, o filme estava impregnado de um desejo de buscar um Brasil profundo. A busca do menino (Vinícius de Oliveira) pelo pai era uma metáfora para a busca de um país. Eliminados esses ciclos tão pouco virtuosos, tinha a esperança de que iríamos nos redefinir. Na verdade, isso não aconteceu. E não vai aí nenhuma desesperança em relação aos governos A, B ou C. Inclusive, tenho uma visão positiva do governo atual: o país se voltou finalmente ao mercado interno e a Bolsa Família faz, sim, diferença para milhões de pessoas, é inegável. Por outro lado, não podemos fechar os olhos para a violência nos centros urbanos, as mudanças nas estatísticas ainda não se refletem nas ruas. E chamar a polícia não é a solução. É mais complexo, é preciso ter capacidade para lidar com problemas estruturais de 508 anos.

Acho que Linha de Passe se passa em frente à nossa própria realidade. Não há mais em quem pôr a culpa. A frase de Dinho, "Anda! Anda!", no fim do filme, é significativa. É possível avançar. Aquela família não é só de irmãos. É uma frátria, vai além da noção de família.

Daniela Thomas – O tema da ausência do pai já data de Terra Estrangeira. Esta parece ser a condição atávica ao ser brasileiro. Portugal é o pai que abandona os seus filhos. Mas, como sociedade, a idéia de depositar nossas necessidades em uma instância acima, o pai, é ausente. Não há para quem recorrer. A mãe (Sandra Corveloni) não cumpre este papel, é uma entre os irmãos. Acho o filme esperançoso, sim. Ao não amarrar o seu fim (deixando os finais de cada história em aberto), revelamos nossa crença de que as pessoas têm capacidade de se recriar, de buscar suas próprias saídas.

Por que a escolha pelo jovem como protagonista em todos os seus filmes?

Walter Salles – A opção pelo jovem foi feita desde a largada, com Terra Estrangeira. Aquela faixa etária que tinha partido neste primeiro filme agora é vista com um olhar sem nenhum cinismo. O cinema brasileiro tem pré-julgado os jovens da periferia, mostrando-os como traficantes, com a arma na mão. A gente quis mostrar que as pessoas tentam se recriar dentro das possibilidades que elas têm.

E qual o significado do futebol nesta história?

Walter Salles - O futebol é um mote interessante para falar da realidade destes jovens, pois traduz muito bem as duas pontas do processo de globalização. De um lado, existem os Robinhos, os Ronaldinhos e outros craques que ganham milhões de dólares e, de outro, há um "exército de reservas". Esta segunda categoria é a que nos interessou, pois é o contracampo do que vemos na tevê. O "funil" mostrado na série de documentário para a tevê, Futebol (1998), de João Moreira Salles, é uma das origens do nosso filme. O que acontece com os milhares de jovens que depositam suas esperanças no futebol e não chegam lá?

Linha de Passe nasceu de um desejo de vocês se reencontrarem em um novo filme, após a parceria em Terra Estrangeira. Como funciona esta parceria?

Walter Salles – Eu e a Daniela Thomas temos muito em comum. Quando nos conhecemos, descobrimos, inclusive, que temos filhos chamados Vicente! Aprendemos a nos comunicar sem palavras.

Daniela Thomas – Terra Estrangeira foi uma experiência extraordinária para a gente. Éramos uma gangue, uma família que cabia numa kombi. Com Linha de Passe, o Waltinho quis retomar essas proporções. Ele não é imperativo, fica feliz em trabalhar com outros, ouvir opiniões. Este é um filme feito por muitas mãos, além das nossas. A gente (ela e Walter Salles) sabe o que precisa ser dito, mas o "como" isso deve ser dito a gente deixa para eles (o elenco) fazerem.

Ao contrário de outros filmes que retratam a realidade social do país, em seu filmes os personagens têm desejos e angústias que são inerentes a sua classe social mas, ao mesmo tempo, estão próximos de todos nós. Houve a preocupação em transformá-los em personagens com os quais o público possa se identificar?

Walter Salles – Em um filme de Abbas Kiarostami ou de Ken Loach, os personagens têm angústias e desejos muitos semelhantes aos nossos. São, ao mesmo tempo, locais e universais. Em Linha de Passe, esses personagens complexos foram criados a partir de várias camadas: primeiro, o roteiro feito a partir de muita pesquisa para "esculpi-los"; depois, o trabalho da preparadora corporal Fátima Toledo, de 'carnificação' dos personagens; e, por fim, o talento e a doação total de todo o elenco, que se jogaram neste projeto sem pára-quedas. É por isso que a improvisação funcionou bem o tempo todo: os atores não estavam fazendo novela, teatro, passaram muito tempo de suas vidas mergulhados somente no filme. Estavam profundamente envolvidos com a lógica de seus personagens.

A jornalista viajou a convite da produção do filme

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]