• Carregando...
A Orquestra de Câmara de Budapeste tocou desfalcada no Teatro Positivo: concerto surpreendentemente não decolou | Divulgação
A Orquestra de Câmara de Budapeste tocou desfalcada no Teatro Positivo: concerto surpreendentemente não decolou| Foto: Divulgação

Eu estive na terceira fila da plateia, bem pertinho da Orquestra de Câmara de Budapeste, na quarta-feira passada (14), no Teatro Positivo, que acompanhou como pianista solista nosso conhecido Álvaro Siviero.A apresentação começou bem. Aclimatação costumeira da sonoridade da orquestra com a sala, desconhecida para eles, agora com público, reagindo diferente do que no momento de ensaio.

Esse problema é comum nas orquestras em qualquer turnê nas orquestras. Enfim, após alguns minutos, isso se resolve normalmente, e senti certa tensão da parte dos músicos. O Mozart vinha tímido, sendo apresentado. A orquestra tocou o Divertimento Kv 136, em três movimentos curtos, mas como um fã fervoroso de Mozart, apaixonado, que aprendeu a observar e sentir a obra dele e dar valor para as vozes intermediárias, fiquei esperando pelas outras obras. Enfim, minha primeira surpresa foi ver a orquestra com um certo "desequilíbrio" numérico: havia quatro primeiros violinos, três segundos, UMA viola, dois cellos e um contrabaixo. Os músicos todos donos de som húngaro, presente e com personalidade.

Isso me deixou curioso, querendo ver como eles fariam o equilíbrio sonoro com essa condição desfavorável. Não fizeram. Fiquei observando a qualidade maravilhosa de todos, com relação ao estilo coeso, à clareza de arcadas, afinação, enfim, a questões mais técnicas que artísticas. O óbvio numérico prevaleceu. Os primeiros violinos soavam muito, colocando aquelas melodias de notas longas, transparentes, simples de Mozart, completamente num primeiro plano, dificultando muito o aparecimento das vozes intermediárias, onde moram as brincadeiras do compositor.

De fato, o violista Tóth Balázs fazia milagre, fazendo soar bonito, claro e feliz seu instrumento. Mas soava como solos, não como naipe, pois era ele ali, sozinho.

Depois dessa aclimatação, bem recebida pela plateia, mas que não chegou a me emocionar, mesmo sendo apaixonado pela construção das obras de Mozart, foi a vez de Elgar, romântico de mudanças sutis, de efeitos mais trabalhados nas nuances musicais. Foi a melhor música da noite, pois, apesar do desequilíbrio no número dos instrumentos, senti a música fluir, com uma sonoridade coesa. Mudanças de andamento com sobriedade e clareza. Os músicos com certeza pareciam mais tranquilos, com a receptividade do público. A obra era a Serenade, também em três movimentos, com uma segunda parte, "Larguetto", lindíssimo, que a paixão romântica de Elgar estava no seu melhor momento com a orquestra, no qual a cellista mostrou muita sensibilidade, expressão e clareza nas frases. O spalla, muito seguro, feliz com o resultado, conduzia tudo com calma, todos se comunicavam com ele, com pequenos movimentos e olhares certeiros. Gostei.

Logo após o pequeno intervalo, durante o qual foi feita a colocação do piano, para o Concerto em Ré maior, BWV 1052, fiquei surpreso novamente, pois aquele piano, feito para uma sonoridade enorme, adequado a concertos modernos, acompanhados por orquestras gigantescas, estava ali, sem a tampa! Contra os 11 músicos das cordas, ficou óbvio: muito som do piano, todo o tempo. Além da posição que escolheram montar a orquestra, que colocou os segundos violinos e a viola atrás daquele elefante negro, que claramente faria esses músicos ficarem em último plano, inclusive musical. Foi uma surpresa muito grande, vendo o Álvaro Siviero, solista estudioso, de vasto repertório e experiencias diversas por todo o mundo, estar contrastadamente mais forte do que o som da orquestra.

Senti afobações principalmente nas cadências. Música leve, maravilhosamente escrita, ficou sem me emocionar, tímida, com poucos momentos nos quais se notava uma interpretação da orquestra, me transparecendo somente o nível técnico maravilhoso da escola húngara para os instrumentistas de cordas, mas com aquela circunstância, com o piano absorvendo os naipes do segundo violino e da única viola presente. Uma sonoridade totalmente sem a costumeira teia de notas, sem a presença implacável do Mestre Bach.

Mas o que mais me surpreendeu foi a reação da plateia, que se levantou, em sua maioria, e aplaudiu, como quem fazia um carinho pelo esforço dos músicos, pelo conjunto da obra.

Bom, não demorou nada, sentou-se o solista Siviero e comentou: "Como estamos indo juntos para a Argentina, Piazzolla!". Virou-se e começou a tocar conhecida "Libertango", num arranjo mais voltado à exaltação do piano, do que à música. Não senti sotaque argentino na execução dele, muito menos um ambiente que se valesse da modificação na música. Mas ainda estamos com uma plateia empolgada com as sonoridades plurais, mesmo que prolíxas, para extravazar palmas e assovios, risos abertos, olhos brilhantes.

Já quase acabada a apresentação, entram novamente os músicos, se posicionam, quase todos, faltando somente as duas violoncelistas, que se arrumavam com os espigões dos instrumentos. Não pude deixar de ficar surpreso quando vi o spalla puxar o início da Dança Húngara, de Brahms, o mestre Brahms, sem esperar que as cellistas estivessem prontas... Ficaram se atrapalhando com as partes e segurando o riso. Enfim, entraram quando puderam, mas é claro que o som ficou caricato, sem necessidade, me deixando sem graça por estar ali sentado, cercado de pessoas em pé, efusivas e aplaudindo bastante ao final.

Surpreendente! Quanto investimento foi necessário? Quan­­tos ensaios, horas de estudo? Mas digo isso para uma reflexão quanto às referências que poderíamos ter, ao menos para não nos deixarmos enganar e reagir com educação, e não com desconhecimento, sobre a qualidade do que vem por aqui.

Por fim, uma noite morna.

*Marcelo Oliveira é clarinetista da Orquestra Sinfônica do Paraná.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]