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Às vezes, não basta apenas atuar. Alguns atores também sentem a necessidade de passar ao público sua visão do mundo, contar suas histórias nas telas dirigindo um filme. Essa passagem para o outro lado das câmeras é muito comum no cinema americano, em que grandes estrelas hollywoodianas encaram o desafio de comandar um set de filmagem – algumas com muito sucesso como Robert Redford, Kevin Costner e Mel Gibson, vencedores do Oscar.

No Brasil, atores do primeiro time do cinema nacional também estão fazendo essa transição. Matheus Natchargaele deve dirigir ainda neste ano seu primeiro longa-metragem. Selton Mello, protagonista de sucessos de público como O Auto da Compadecida e Lisbela e o Prisioneiro (ambos de Guel Arraes) e de crítica como Lavoura Arcaica (Luiz Fernando Carvalho), estreou na direção no Festival de Gramado 2006, realizado no mês passado, lançando o curta-metragem Quando o Tempo Cair.

O agora cineasta revela que fez o filme para o ator Jorge Loredo (o eterno personagem cômico Zé Bonitinho), que conheceu melhor durante uma entrevista no Tarja Preta, programa de entrevistas que dirige e apresenta no Canal Brasil. A produção – um drama sobre um pai que pretende voltar a trabalhar depois de velho para ajudar o filho desempregado – também foi selecionada para o Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo, encerrado na semana passada, e para o Festival do Rio, que acontece a partir do dia 21 de setembro.

Selton Mello conversou com o Caderno G em Gramado, revelando toda sua paixão pelo cinema, que o faz deixar de lado a carreira na tevê aberta. Ele comenta os filmes que participou recentemente e que serão lançados em breve e fala sobre o projeto de seu primeiro longa-metragem, para o qual já está captando recursos.

Fale sobre essa estréia na direção de cinema. É algo circunstancial, por causa da homenagem ao Jorge Loredo, ou pretende se dedicar mesmo à carreira atrás das câmeras?

Selton Mello – Estou me preparando há algum tempo para isso. Eu dirijo o Tarja Preta no Canal Brasil, que já está indo para o quarto ano. Dirijo videoclipes, como o da música "Corpo Fechado", do trabalho-solo do Nasi (do grupo Ira!), indicado à categoria de direção do VMB (premiação da MTV) deste ano. O próximo passo certamente será o longa-metragem, para o qual já estou captando recursos.

Já está pensando em longa?

Sim. O projeto é uma história original chamada Feliz Natal, escrita pelo Marcelo Vindicatto, co-roteirista do curta Quando o Tempo Cair, que também faz parte da equipe do Tarja Preta. É uma trama urbana sobre dois irmãos, um acerto de contas. Mas ainda estamos mexendo no roteiro. A princípio será um B.O. (baixo orçamento).

Como ator conhecido, tem sido mais fácil conseguir recursos?

O processo de captação não é uma novidade para mim, pois sempre produzi meus trabalhos em teatro. Mas, para o cinema, é diferente porque envolve muito mais dinheiro – por mais que seja um B.O., estamos falando de R$ 1 milhão, R$ 1,2 milhão, a predreira é maior. Mas estou a fim, gosto de cinema, estou descobrindo cada vez mais o prazer de estar organizando tudo. E também de dar meu olhar para as coisas. Quando se é ator, você é uma peça de um todo, mas não necessariamente você concorda com esse todo.

E qual o tipo de cinema que você pretende fazer? Segue a linha do que apresentou no curta-metragem?

Sim, ele tem uma delicadeza, uma coisa humana que me interessa bastante. Sou entusiasmado com o cinema argentino recente, que é o que mais me diz ao coração porque fala de gente comum, histórias cotidianas, contemporâneas, verdadeiras. Gosta dessa pegada, o curta tem um pouco disso e o longa também terá.

Você trabalhou com alguns dos principais diretores do país. O que aprendeu com eles que está levando para seu set de filmagem?

Eu tenho um pouco de todos eles. Admiro muito o rigor estético do Luiz Fernando Carvalho. Procurei fazer isso nesse primeiro curta. Ao mesmo tempo, gosto da estrutura de montagem do Guel Arraes, de como ele é ágil e prático na filmagem, tudo está na cabeça dele. Tenho uma parceria recente com o Heitor Dhalia (Nina), com o qual fiz O Cheiro do Ralo (baseado no primeiro livro de ficção do quadrinista Lourenço Mutarelli, produção que será lançada no Festival do Rio e em breve nos cinemas), que para mim é um filmaço. Eu me convidei para o projeto. Li o livro e pirei, tive uma identificação muito forte, achei o personagem extraordinário. Esse filme foi a maior realização pessoal que já tive no cinema. Fizemos com apenas R$ 300 mil, todo mundo é co-produtor. Coloco O Cheiro do Ralo como meu melhor trabalho nas telas como ator, no mesmo patamar de Lavoura Arcaica e de O Auto da Compadecida.

Pretende dirigir e atuar ao mesmo tempo no longa-metragem?

Pelo menos nesse trabalho só vou ficar atrás das câmeras, sem atuar. Mas adiante, pretendo dirigir e atuar ao mesmo tempo, quando estiver mais seguro em relação a toda gramática da coisa.

Faz tempo que você não aparece na tevê aberta. Vai deixar de lado o trabalho nas novelas?

Tenho vontade de fazer televisão, novela, o problema é que estou muito envolvido com o meio cinematográfico. Além de O Cheiro do Ralo, outro filme que fiz que está para ser lançado é Os Desafinados, do Walter Lima Jr. Depois do Festival de Gramado, mudo-me para Brasília para filmar Federal, primeiro longa de ficção do Eric de Castro (do documentário Senta a Pua), um filme policial. Fico dois meses lá e vou para o Rio de Janeiro, em novembro, para iniciar a preparação de um filme chamado Meu Nome Não é Johnny, do diretor Mauro Lima, baseado em um livro do Guilherme Fiúza sobre um traficante dos anos 80, considerado o barão da cocaína no Rio de Janeiro. Ele era um bon vivant, diferente dos traficantes de morro típicos dos filmes. Na vida real ele se chama João Estrela, passou por muitas, ficou preso em manicômio e hoje é produtor musical, trabalhou com o Lobão. Tenho ainda um projeto com o Andrucha Waddington (Casa de Areia) para o ano que vem chamado Os Penetras. Eu e o Rodrigo Santoro vamos atuar. Então, não estou conseguindo fazer televisão. Como o cinema também tem essa coisa de a grana demorar para sair, se aceito fazer uma novela, não posso fazer o filme do Andrucha. E, na dúvida, não faço tevê porque dou prioridade ao cinema, que é minha paixão, meu desejo. Também não estou conseguindo fazer teatro. A onda do cinema é viciante.

Fale sobre o Tarja Preta.

Ele já está formatado, tem uma cara, está no trilho. O programa é feito da seguinte maneira: pego uma época do ano e gravo tudo. Gravei as 30 entrevistas da temporada 2006 em duas semanas de outubro do ano passado. Faço três, quatro entrevistas por dia, uma hora com cada pessoa. É direto, já tenho a manha de como tocar a entrevista, então é rápido. Em dois meses, a gente edita tudo. Entre-gamos os 30 programas de 2006 para o Canal Brasil em março e eles passam ao longo do ano, enquanto eu toco meus outros projetos. Tenho que arranjar um tempo para gravar os programas do ano que vem.

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