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Pellegrini mora em um sítio, em Londrina: além do relançamento, escritor tem dois romances inéditos guardados e escreve um terceiro | Roberto Custódio/Jornal de Londrina
Pellegrini mora em um sítio, em Londrina: além do relançamento, escritor tem dois romances inéditos guardados e escreve um terceiro| Foto: Roberto Custódio/Jornal de Londrina

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Lançamento

Terra Vermelha. Editora Leya. 400 págs. R$ 50. Romance. Sexta-feira, 28 de junho, às 19 horas, no Salão de Eventos do Museu Oscar Niemeyer (Rua Mal. Hermes, 999 - Centro Cívico), (41) 3350-4400. Entrada franca.

Sorte de Londrina, que tem um escritor do quilate de Domingos Pellegrini para contar a sua história. É verdade que Terra Vermelha, o romance que ele vai relançar amanhã, com uma noite de autógrafos em Curitiba, não nasceu para ser a história oficial da cidade. Longe disso. Mas a narrativa de Pellegrini é tão vívida, tão pulsante, que traga o leitor logo nas primeiras páginas e o joga em um túnel do tempo. Do outro lado, está a Londrina que se formava nos anos 30 e os homens e mulheres que se aventuraram por lá em busca de uma chance. É uma saga de gente humilde.

Saindo agora pela Leya, depois de duas edições anteriores por outras editoras, Terra Vermelha parte da história do casal José e Tiana e relata a ocupação das terras de Londrina. Ainda que faça um forte retrato das situações vividas pelos brasileiros e estrangeiros que foram atraídos pela nova fronteira agrícola, Pellegrini é caprichoso com os personagens. José, o rapaz bem-intencionado que vê suas expectativas e projetos se frustrarem, um após o outro, é descrito como um empreendedor pelo neto, que conta sua história. A imagem que o velho José pode ostentar, de pioneiro bem-sucedido, só existe graças ao esforço permanente e sereno da companheira, Tiana, que sustentou a família fazendo doces enquanto os esforços dele não davam em nada. As mulheres não eram heroínas naqueles tempos de faroeste na terra vermelha, mas Pellegrini faz jus a elas.

Leia abaixo a entrevista de Pellegrini, que nasceu e vive em Londrina e é cronista da Gazeta do Povo.

Os tipos retratados em Terra Vermelha são muito realistas. Fica-se com a impressão que você conheceu cada uma daquelas pessoas. Você "colecionou" personagens verídicos para formar seus personagens?

José é baseado em meu "nonno" paterno, e Tiana em minha avó materna, portanto os conheci, e conservam no romance seus nomes originais. Lázaro Góis é baseado no pioneiro fazendeiro e ecologista londrinense, Álvaro Godoy, que entrevistei longamente e com quem muito aprendi. Seu irmão no livro, Gustavo, é baseado em Olavo, seu irmão real. Mané Felinto é baseado em Mané Jacinto, pedreiro comunista que foi vereador em Londrina, adversário político de Godoy na Câmara, mas admiradores mútuos porque eram homens de honra, que está acima de ideologias. Celso Gracia é baseado em Celso Garcia Cid, empresário e pecuarista que importou zebus da Índia e revolucionou o Brasil, e cuja biografia escrevi [aliás, foi escrevendo a biografia dele, O Tempo de Seo Celso, que aprendi a escrever romance]. O valentemente tranquilo advogado José Gomes de Moraes é baseado em José Hosken de Novaes, que foi prefeito de Londrina e governador do Paraná, e era amigo do "nonno" José. O francês seo Cláudio, personagem secundário, é baseado no antropólogo Claude Levi-Strauss, que visitou Londrina em 1935, e o alemão Maack é baseado em Reinhard Maack, o geógrafo que vadeou todos os nossos grandes rios e escreveu o monumental Geografia Física do Paraná. Personagem importante, totalmente inventado, é Zé do Cano, que abre comércio de privadas na cidadezinha ainda sem água encanada, a simbolizar a fé no futuro dos pioneiros pés vermelhos.

O Brasil tem muitas Londrinas nas novas fronteiras agrícolas. Isso ajuda o leitor de fora do Paraná a se identificar com Terra Vermelha?

Escrevi Terra Vermelha visando a identificação do leitor, de qualquer parte do mundo, com os valores ancestrais em "ade": amizade, verdade, solidariedade, liberdade, honestidade, qualidade, produtividade, criatividade, os esteios fundamentais de qualquer civilização que se pretenda próspera e duradoura. É um romance escrito a partir de uma região para projeção de valores universais. Acredito que sem os valores em "ade" os valores em "ia" – democracia, cidadania, ecologia – e os valores em "ão" – renovação, revolução, tradição – não funcionam. Transformei em visão clara essa intuição dos pioneiros de Londrina.

A cidade onde José e Tiana aportaram parece um lugar universal, que poderia estar em qualquer lugar do mundo, onde se encontravam pessoas de várias nacionalidades e muitos tipos originais. Você ainda reconhece traços daquela cidade na Londrina onde você circula hoje?

Londrina realmente tinha esse caráter cosmopolita, de cadinho de etnias, nas duas primeiras décadas. Os versos de Mário Romagnolli são emblemáticos dessa época, ao escrever que Londrina era uma "sinfonia de serrotes e martelos", e, pode-se acrescentar, de raças e talentos. Para cá vinham os desafortunados procurando fortuna, os desgarrados com garra, os valorosos à procura de aventura, os talentosos sem oportunidades. Só depois que chegou o trem, em 1935, e depois o asfalto nos anos 1960, é que a cidade foi deixando de ser uma colcha de retalhos étnica muito bem cerzida pela amizade e pela fraternidade, como o romance mostra. Mas, hoje, os netos daqueles desbravadores parecem querer ressuscitar a dignidade dos avós e bisavós, saindo às ruas para clamar por aqueles valores.

Você é um escritor prolífero e parece ser um leitor entusiasmado. Que temas te entusiasmam hoje? Tem livro novo em produção?

Estou sempre escrevendo, tenho dois romances inéditos, descansando nas gavetas do computador, e estou escrevendo um terceiro. Leio muito biografias, pois a vida me atrai mais que a ficção, e até por isso minha ficção é realista, embebida na realidade. E agora vou relançar meus contos selecionados, agrupados em Minha Meninada, contos sobre meninos e meninas, e História da Terra, os contos de trabalho e luta, que na prática são sinônimos. Quero ajudar a entropia, o desgaste natural de tudo, selecionando e iluminando o que tiver escrito de melhor, já que cheguei à idade de conseguir olhar para trás com isenção e serenidade.

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