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Autor recorre a memórias de infância para compor novelas que formam o livro | Bel Pedrosa / Divulgação
Autor recorre a memórias de infância para compor novelas que formam o livro| Foto: Bel Pedrosa / Divulgação

Ainda que os conflitos do Oriente Médio tenham sido sempre marcados por delicados jogos diplomáticos, o fato é que pouco se sabe sobre os dias que antecederam a formação de Israel e o pensamento daqueles que já habitavam a terra prometida para os hebraicos quando esta estava sob o comando dos ingleses. A esse propósito, O Monte do Mau Conselho, livro do escritor israelense Amós Oz publicado originalmente em 1976, vem como um mergulho na cultura política dos judeus no final da década de 1940.

Composto por três novelas que dialogam de alguma forma entre si, O Monte do Mau Conselho é construído a partir das memórias de infância do autor, criado em Jerusalém, no bairro de Kerem Avraham, onde se desenrolam as ações. Oz cresceu a dois quilômetros do Jebel Deir Abu Tor, o tal Monte do Mau Conselho, onde se situava o palácio do alto-comissariado inglês. É lá que começa a primeira das três histórias que seguem, de certa maneira, em ordem cronológica durante o ano de 1947, do primaveril Baile de Maio ao "outono crítico", como chama um dos personagens, em setembro.

É na espera por esse "outono crítico", que começa entre as duas principais festas judaicas, o Rosh Hashaná – o ano novo hebreu – e o Yom Kippur, que experimentamos a amargura e a tristeza dos personagens de Oz. Como, por exemplo, o veterinário tomado por médico ao salvar a vida da cunhada do alto-comissário que é convidado a uma noite de gala no Monte do Mau Conselho. Pai do garoto Hilel e marido de Rute, o veterinário que abriga em sua casa o subversivo tio Mitia, experimenta surpresas que jamais poderia esperar com o convite. Em "O Senhor Levy", a segunda novela, observamos a rotina da criança Uriel, amigo do jovem Efraim, um visionário que promete acabar com qualquer possibilidade de guerra com um improvável raio da morte que aniquilaria todo o Reino Unido de uma só vez. Por último, em "Saudades", acompanhamos as correspondências do idoso e enfermo Dr. Emanuel Nussbaum à Dra. Hermina Oswald, em que transmite à sua interlocutora suas impressões a respeito do movimento sionista e da situação da região.

O sionismo, aliás, que tem papel preponderante na vida política de Israel, é confrontado com o forte sentimento de desterro das três gerações de personagens retratados em O Monte do Mau Conselho: judeus que chegam de todas as partes da Europa e não aceitam com a mesma facilidade o determinismo histórico/divino de outros e, por isso, experimentam a angústia e a tristeza de quem não tem, em parte alguma do mundo, um lugar para chamar de casa. E a isso se pode somar tanto a fantasia infantil de Uriel quanto a descrença cética do Dr. Nussbaum, perdido em ideias enquanto é consumido por um câncer terminal.

Mesclando personagens reais a invenções literárias, Amós Oz constrói, em O Monte do Mau Conselho apenas um dos tantos mal-estares que surgiram no pós-guerra com uma prosa seca e impregnada pelas ideias da época. O autor, que frequentemente diz que a disputa árabe-israelense pela Palestina é um embate entre o certo e o certo, faz um livro que é mais político do que literário ao compartilhar a visão de quem se sente invasor no próprio lar.

Serviço:

O Monte do Mau Conselho, de Amós Oz. Tradução de Paulo Geiger. Companhia das Letras, 280 págs., R$ 43. GGG

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