Uma viagem extraordinária

• 0

Contando Histórias é um livro com uma causa. Organizada por Nadine Gordimer, sul-africana vencedora do Prêmio Nobel de Literatura em 1991, e lançada simultaneamente em vários países, obra beneficente reúne 21 contos de escritores tão diversos quanto o japonês Kenzaburo Oe (outro Nobel, de 1994) e o nigeriano Chinua Achebe.

Todos abriram mão de seus direitos autorais – assim como as editoras se dispuseram a doar os lucros gerados pela obra – a fim de ajudar a organização não-governamental TAC (Treatment Action Campaign), fundada na Cidade do Cabo, na África do Sul, a tratar pessoas infectadas pelo vírus HIV e a realizar campanhas informativas para tentar conter o avanço da aids. A doença atinge hoje cerca de 40 milhões de pessoas no mundo todo, dois terços delas na África, segundo números citados por Gordimer na introdução da coletânea.

Quando se fala em antologias, os volumes organizados em torno de um tema parecem ser os mais comuns. Assim surgem livros sobre duelistas (Mestres de Armas) ou sobre figuras insanas (Os Melhores Contos de Loucura), para citar dois exemplos recentes.

Uma das peculiaridades de Contando Histórias é que não há um tema em comum entre os contos selecionados – embora pelo menos três falem sobre a morte. Gordimer entrou em contato com os escritores, oriundos de quatro continentes (América, Europa, África e Ásia), pedindo contribuições. Com exceção dos dois sul-africanos (Es’Kia Mphahlele e Njabulo Ndebele), os outros autores ofereceram textos previamente publicados – a maioria deles na revista The New Yorker.

Para os leitores brasileiros, todos são novidades. Menos dois: "Morte Constante Além do Amor", parte do livro A Incrível e Triste História da Cândida Erêndira e Sua Avó Desalmada (Record), do colombiano Gabriel García Márquez, e "O Centauro", publicado em Objecto Quase (Companhia das Letras), de José Saramago.

Sem unidade temática, a diversidade de temas e estilos é a melhor qualidade de Contando Histórias e, pode-se argumentar, o seu pior defeito, pois parece difícil um leitor sustentar tantos interesses tão diferentes entre si. Mas ninguém é obrigado a gostar de tudo em uma coletânea (seja ela do que for). Na verdade, o contrário é mais comum: há sempre algum item que acaba desagradando.

Assim, no mesmo livro em que se lê o conto arrebatador de Njabulo S. Ndebele, sobre como os pais encaram a morte de um filho, está o texto cômico de Woody Allen, ironizando um casal de endinheirados nova-iorquinos que sofre por não conseguir uma vaga em uma escola de educação infantil para o filho de 3 anos de idade.

"A Jornada para os Mortos", do americano John Updike, está entre os mais emocionantes. Narra a relação entre um casal de velhos amigos que se envolvem depois da separação dele, ao mesmo tempo em que precisam conviver com a decadência física imposta pela idade e pela doença (ela, ex-fumante, sofre de câncer).

"Buldogue", do também americano Arthur Miller (1915 – 2005), mais conhecido por suas peças teatrais, fala da iniciação sexual de um menino de 13 anos que deseja comprar um cachorro – e acaba seduzido pela mulher que anunciou a venda de filhotes de buldogue. O inglês Hanif Kureishi escreveu um dos contos mais intrigantes da compilação. "Um Encontro, Afinal" retrata o diálogo entre o amante de uma mulher chamada Caroline e o marido traído. Os dois tentam ser civilizados em uma situação obviamente tensa e constrangedora.

No fim, o passeio guiado por Nadine Gordimer é valioso. Uma chance de reencontrar autores renomados e descobrir outros que, não fosse a antologia, continuariam ignorados.

Serviço: Contando Histórias, de Nadine Gordimer (org.) (Companhia das Letras, 320 págs., R$ 49).