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Os beatniks têm um problema. É comum encontrar leitores que dizem gostar dos livros de Jack Kerouac e William Burroughs, mas, na verdade, eles estão interessados mesmo é no mito criado a partir dos escritores e das vidas que eles levaram. Isso é um problema porque, às vezes, se deixa de prestar atenção na obra para se concentrar somente nas biografias, nos personagens reais. A ideia não é simples porque os próprios autores criaram uma mistura quase homogênea entre vida e obra.

Algo semelhante parece acontecer com Paulo Leminski. Há os que se interessam pelo escritor, mas, no fundo, admiram mais o personagem que ele foi. Essa noção é reforçada pelo mercado editorial. Se é difícil encontrar os livros do "samurai zen-budista", como Leminski se referia a si mesmo, a Record acaba de reeditar O Bandido Que Sabia Latim, biografia escrita pelo jornalista Toninho Vaz.

Em entrevista à Gazeta do Povo, o escritor Rodrigo Garcia Lopes, autor de Polivox, comenta que a visão de mundo de Leminski era "bem contraditória", por ser, ao mesmo tempo, "ácida, bem-humorada, apaixonada, corrosiva, plugada na emoção e na vida no mais alto grau possível".

"Como costumo dizer, era essa visão que contaminava e emocionava todo mundo que se aproximava dele. Aliás, a maior homenagem que se pode fazer à sua obra é simplesmente reeditá-la, este é o problema-chave. Não adianta falar de Leminski, é preciso lê-lo", diz Garcia Lopes, que destaca o humor do "polaco", "mesmo nos momentos barra-pesada de sua poesia".

De traduções a letras de música, o paranaense fez um pouco de tudo, mas, para a geração de hoje, é possível que ele seja lembrado mais por seus versos. "Em termos de interesse dos leitores e influência sobre novos escritores, o poeta Paulo Leminski vem para o primeiro plano. Mas o Catatau, seu mais ambicioso projeto, continua sendo um baita penedo no meio do caminho da prosa brasileira", diz o professor e poeta Marcelo Sandmann, da Universidade Federal do Paraná, que organiza um volume de textos críticos sobre a obra leminskiana. O livro, com a participação de pesquisadores brasileiros e estrangeiros, deve sair no ano que vem, possivelmente pela Secretaria de Estado da Cultura.

Já para Garcia Lopes, Leminski conseguiu se destacar em todas as áreas em que investiu. " Leminski produziu, em 44 anos de vida, bem mais do que esses pangarés que se dizem escritores por aí jamais produzirão em cem anos. Ou mais", diz Garcia Lopes.

Relevante para uns e não para outros, a obra do homem que um dia escreveu "tudo dito, nada feito, fito e deito" tem características que a mantêm atual. "O embate entre informação culta e cultura popular e de massa, entre experimentação e desejo de comunicação, que está na base de sua criação, é ainda o chão em que pisam os criadores contemporâneos mais consequentes", diz Sandmann.

Garcia Lopes afirma que Leminski nunca foi tão atual. "Fico pensando o que Leminski diria de tudo isso se estivesse vivo. Será que ele iria aguentar tanta caretice, tanta superficialidade? Não existem poetas leminskianos. Existe a obra de Leminski e os usos (bons e maus) que pode se fazer desta influência", diz.

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