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Los Camaradas, do grupo Jogando no Quintal, que participa do Festival Mundial de Circo | Ezye Moleda/Divulgação
Los Camaradas, do grupo Jogando no Quintal, que participa do Festival Mundial de Circo| Foto: Ezye Moleda/Divulgação
  • O Cirque Ici, de Le Guilherm
  • Pauline Hachette e Linde Hartman, da Bélgica, apresentam Variedades no FMC2010
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Entrevista com Fernanda Vidigal , Coordenadora do Festival Mundial de Circo.

Fernanda Vidigal dirige há dez anos o Festival Mundial de Circo. Nos anos ímpares, a paisagem belo-horizontina serve de cenário aos mais variados artistas do picadeiro. São representantes brasileiros da arte do palhaço, dos malabares e das acrobacias, vindos do Nordeste ao Sul, além de grandes artistas da França, Rússia, Bélgica. Se o ano é par, como 2010, quando se realiza entre os dias 27 e 30 de maio, o festival encolhe, viajando para cidades do interior mineiro. O destino próximo é o município de Pará de Minas, a 80 km da capital, terra de Benjamin Oliveira (1870-1954), considerado o primeiro palhaço negro brasileiro.

Por telefone, Fernanda conversou com a reportagem sobre o panorama circense no Brasil e no mundo. Uma sintética volta ao mundo, pelo viés do que a curadora e diretora de um festival mundial já viu.

De que países você consegue atrair representantes para o Festival Mundial de Circo?

Já trouxemos muita gente, desde Gana, China e Rússia, até grandes centros europeus, como França, Bélgica, Espanha e Inglaterra. Também Estados Unidos e Canadá. Tentamos diversificar os espetáculos de acordo com as estéticas existentes, porque não existe um conceito só.

Quais as vertentes mais fortes que você identifica no circo feito pelo mundo?

A França é referência muito mais do que o Canadá com o seu Cirque du Soleil e toda aquela estrutura. É mundialmente mais reconhecida porque tem uma estética própria, que foi chamada de "novo circo". É uma forma diferente de fazer – e isso são palavras de franceses. A virtuose circense não está em primeiro plano, como no espetáculo dito tradicional, que é uma sequência de números com um apresentador ou até uma historinha. No "novo circo" francês, a técnica circense é até pouco utilizada, se presta à dramaturgia e à encenação.

Quem são os grupos mais importantes nesse cenário?

Quem começou um pouco tudo isso foi o Archaos, surgido em 1986. Era uma coisa meio punk rock, com serra-elétrica, a primeira vez que o mundo via uma expressão de linguagens tão diferentes no espetáculo circense. Eles fizeram no ano passado um projeto com a Escola Nacional de Circo, aqui do Brasil (o In Vitro 09). Outro grupo é o Cirque Ici, de uma pessoa só: (Johann) Le Guillerm, mais um artista físico do que circense.

Principalmente nesses espetáculos franceses ou ditos de "novo circo", é difícil colocar limites do que é circo, teatro ou dança, porque os artistas se utilizam de todas essas linguagens. Já vi espetáculo que se dizia circense mas era muito mais de dança e acrobático do que malabarismo mesmo.

Voltando às vertentes mundiais, além do "novo circo" francês, re­­conhece outras?

Tem algumas curiosidades. A Finlândia é um país que está produzindo muito especialistas em malabarismo. A Bélgica, muito por conta da Escola Superior de Circo, bem conceituada, também produz coisas interessantes. O Canadá, também por ter uma escola superior moderna e avançada, tem forte produção. A China é um país mais tradicional, com contorcionismo e equilibrismo. E a Rússia foi referência principalmente na parte acrobática, por conta da ginástica olímpica. Muitas ginastas acabam a vida atlética e vão para o circo. Estou falando de excelências e de estereótipos, é claro.

Como o Brasil se apresenta diante desses centros?

Circo é uma arte que entra muito mais na cultura desses países do que no Brasil. O auge aqui foi até 1950, depois o circo sofreu uma queda muito grande, perdendo espaço para o cinema, a tevê e vi­­deogame. Nesses países, ainda existe uma coisa tradicional me­­nos subjulgada. No Brasil, diz-se que "circo tradicional não, prefiro Cirque du Soleil." A modernidade é que é boa.

As diferenças regionais dentro do país são muito grandes?

Isso é muito mais forte na arte do palhaço do que em qualquer outra coisa. A técnica do tecido, do malabarista e do trapezista é basicamente a mesma. Mas, pela tradição, palhaços nordestinos falam palavrão, fazem crítica social, pois o palhaço se presta mesmo a isso. Para o Sul, há mais mímica e trabalho de máscara.

Quais seriam os polos mais fortes dentro do país?

Rio e São Paulo, obviamente. Estou vendo um movimento de circo em Brasília, tem um festival que acontece lá há algum tempo, é um polo surgindo. Recife também está aparecendo como um polo interessante.

E Belo Horizonte?

Estamos um pouco em crise. A Spasso Escola Popular de Circo, única profissionalizante, formou muitos artistas bons e criativos, mas todos foram embora porque aqui não tem continuidade. Infelizmente, no Brasil não há uma escola superior de circo nem um centro de formação adequado. 70% dos alunos formados no ano retrasado aqui em BH foram para escolas superiores da França ou da Bélgica. Que notícia chega até você da cena circense curibana?

Recebemos algumas inscrições de grupos de Curitiba, mas, no Sul, do que conheço, Porto Alegre tem produção maior.

Algum grupo daqui já participou do Festival Mundial de Circo?

Não.

A produção do Rio de Janeiro é muito diferente da paulista com seus grupos de teatro que mantêm também lonas?

No Rio, a primeira coisa que se pensa é na Intrépida Trupe, um dos primeiros grupos de circo a ser reconhecido nacionalmente. É uma produção muito diferente de São Paulo, porque a Escola Nacional de Circo está sediada lá e forma mais artistas independentes do que grupos. Mas no Rio também há grupos vindos do teatro, como o Anônimo, e um festival, o Anjos do Pi­­cadeiro.

Diz-se que o teatro seria primo pobre do cinema e o circo, primo pobre do teatro.

Escutava muito esse discurso há dez anos, quando resolvi fazer um festival de circo e as pessoas falavam que eu iria falir. Duas coisas nas quais o circo ganha: é uma arte muito popular, para crianças, jovens, idosos e adulto; e trabalha com nosso medos, a impossibilidade de fazer alguma coisa e a capacidade de nos surpreender. O circo hoje é diferente do de 1950, está usando outras linguagens, como da dança e do teatro, as novas tecnologias, cinema e projeções.

Esse circo modernizado encontrou seu público?

No Brasil, uma das companhias que abriu as portas foi o Cirque du Soleil. Não acho que é a melhor produção de circo do mundo. E apesar de seus espetáculos serem totalmente tradicionais, criaram na população a ideia de que o circo pode ser outra coisa além de lantejoula e apresentador de cartola. A profissionalização dos circenses, o maior apoio de governos e empresas privadas também foi importante. Hoje existem muitas associações e festivais.

Então o circo está bem?

Eu acho. Temos muita coisa boa no Brasil. Precisamos, sim, de centros de formação mais qualificados, espero que venham da­­qui a pouco.

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