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Fãs adoram o "estilo" Amy Lee | Divulgação/Seven Shows
Fãs adoram o "estilo" Amy Lee| Foto: Divulgação/Seven Shows

As muitas encarnações de uma obra polêmica

Depois de sua primeira montagem feita no Paraná, Colônia Cecília, de 1984, o paulista Ademar Guerra voltou a Curitiba para montar outros dois espetáculos bem diferentes. Os imigrantes italianos que fundaram a colônia anarquista no interior do Estado deram lugar a tipos humanos mais obscuros, revelados pela escrita certeira do curitibano Dalton Trevisan.

As peças são Mistérios de Curitiba, de 1990, apresentada no Teatro Guaíra, e a antológica O Vampiro e a Polaquinha, em cartaz por sete anos ininterruptos.

O teatro Novelas Curitibanas, onde O Vampiro e a Polaquinha foi encenada, esteve fechado por alguns anos, mas em setembro passado reabriu suas portas com cinco peças inspiradas em Curitiba – entre elas outra adaptação da obra de Dalton Trevisan, Pico na Veia, dirigida por Marcelo Marchioro. O espetáculo já havia sido apresentado em 2005, durante temporada oficial do Teatro de Comédia do Paraná.

Felipe Hirsch também participou da mostra com a peça curta Sobre o Amor, narrada por Guilherme Weber, em que fala da influência da cidade em sua obra.

O ator e diretor João Luiz Fiani encarnou alguns dos personagens criados pelo Vampiro nas duas peças de Ademar Guerra. Ele aproveitou sua intimidade com a obra do autor para dirigir sua própria adaptação, O Vampiro contra Curitiba, que estreou no Festival de Teatro de Curitiba de 2006 e esteve em cartaz durante seis meses, no Teatro Lala Schneider.

Como na peça de Hirsch, a montagem de Fiani reuniu 18 contos pré-selecionados pelo próprio Trevisan. E seguiu à risca uma de suas exigências: fidelidade total aos textos. De acordo com o diretor, a formato desenvolvido agradou ao Vampiro, que abdicou de sua reserva habitual para assistir o espetáculo.

Sempre recluso em sua velha casa cinzenta, no Alto da XV, o escritor Dalton Trevisan decidiu viajar a São Paulo. Quer dizer, ele não. Não será agora, aos 81 anos, que o Vampiro de Curitiba deixará de lado sua aversão a entrevistas, fotografias e badalações em geral. Mas, com sua anuência, partiram seus personagens para mostrar que o mundo feio, sujo e malvado revelado em seus contos não é apenas o que ele descobre aqui, ouvindo as conversas de polaquinhas e vampiros nas calçadas de petit-pavet.

Goste ou não, o público que for ao Teatro Popular do Sesi, em São Paulo, entre os meses de abril a novembro, vai encontrar o reflexo de si mesmo nas figuras tristes, desesperadas, violentas, taradas de Dalton Trevisan – e, por isso mesmo, plenas de humanidade.

Está lá o novo espetáculo da curitibana Sutil Companhia de Teatro, Educação Sentimental do Vampiro, uma encenação de contos do autor adaptados e dirigidos por Felipe Hirsch.

A montagem, primeira adaptação de uma obra nacional feita pela companhia, parece ser uma volta ao berço de seus integrantes – que completam 15 anos de trajetória em comum, boa parte vividos fora de Curitiba, embora os ensaios ainda sejam feitos aqui.

Mas, por que justamente a sordidez do universo de Dalton? O espetáculo é primeiro da companhia com cenas de nudez e violência, o que lhe rendeu a classificação indicativa "violência familiar", do Ministério da Justiça.

Hirsch escreve em seu diário da peça, no site do jornal O Estado de S. Paulo, que "escolher Trevisan foi simples como recolher um livro caído na calçada de casa". Pode ser, afinal, o diretor, de 35 anos, veio viver em Curitiba em 1980 e, desde então, passava diariamente em frente da casa do escritor para chegar à sua.

Desta vez, Hirsch não foi buscar no cinema, nos quadrinhos ou na música inspiração para o seu teatro. O resultado final "pertence a algum lugar muito mais distante, inacessível e sufocado em mim", escreve. Um lugar do qual pressentia a existência ao caminhar nas ruas da cidade onde passou a juventude, no cheiro de mofo das roupas de frio retiradas dos armário nos dias de inverno, nas lembranças da infância e da juventude. "Por trás de suas aparências, esta Curitiba subterrânea de que escreve Dalton sempre esteve em contato com meus sentidos. Por isso, me sinto apto para falar sobre isso", conta ao Caderno G.

Sobre o próprio umbigo

Se adaptar o escritor foi simples como dobrar uma esquina velha conhecida, é justamente por isso que o espetáculo é considerado o maior desafio da companhia. "A proximidade é difícil. Podemos especular livremente sobre o que se passa na Rússia, mas não sobre o que se passa na nossa própria rua", diz Hirsch.

Para ser fiel às palavras de Dalton sem se trair a si mesmo, o diretor conta que bateu a cabeça nas mesmas paredes por um bom tempo. "Queria um choque entre essa fidelidade e nossa própria percepção sobre os textos", diz.

O processo doloroso durou um ano e meio. Inicialmente, foram escolhidos 20 contos, trocados três ou quatro vezes até que, há dois dias da estréia, a companhia optou por 15 contos e duas passagens de um mesmo conto. Para isso, foi preciso ler e reler incansavelmente os 40 livros do escritor.

Enquanto isso, o Vampiro não saiu de sua toca. "No processo de negociação de seus agentes com a produtora, ele deixou claro que estava feliz com a montagem, mas que sua participação iria até ali", conta Hirsch.

O diretor assistiu a todas as adaptações anteriores da obra de Dalton (ler quadro). "Infelizmente, só não pude ver a do Fiani (O Vampiro Contra Curitiba)". Gostou muito de todas, mas diferencia sua criação pelas tintas trágicas, surreais, mitológicas, em contraposição ao hiper-realismo escolhido por Ademar Guerra.

Contribuem para essa atmosfera a interpretação do elenco (Erica Migon, Guilherme Weber, Jorge Emil, Luiz Damasceno, Magali Biff, Maureen Miranda e Zeca Cenovicz) e o cenário de Daniela Thomas, que exibe imagens de linóleo-gravuras do artista Raul Cruz, morto precocemente após ter traduzido com fidelidade o universo do escritor, assim como Poty Lazarotto. Também dá peso à montagem uma trilha sonora com várias composições de Béla Bartók, constrastando com o que já foi ouvido em espetáculos anteriores da Sutil.

Educação Sentimental do Vampiro vem causando rebuliço. Grande parte porque é uma adaptação polêmica da obra de um autor polêmico. Na pré-estréia para convidados, realizada no último dia 9, já havia gente brigando para entrar, o que deixa o diretor um pouco intrigado. "Já estão chamando a peça de clássico, isso me assusta", conta o diretor, que, no entanto, não esconde a satisfação com resposta tão imediata.

O sucesso também se deve ao preço do espetáculo, popularíssimo. Às sextas e sábados custa R $3, e às quartas, quintas e domingos, a entrada é franca. Mas, é bom buscar o ingresso com antecedência para garantir o lugar.

Outra peça da Sutil, prevista para estrear no segundo semestre deste ano, em Brasília, denuncia um desejo de retorno a nem sempre receptiva Curitiba: a adaptação Inverno, do romance Agora É que São Elas, de Paulo Leminski.

Serviço: Educação Sentimental do Vampiro. Classificação 16 anos. Teatro Popular do Sesi (Av. Paulista, 1.313, São Paulo), (11) 3146-7405. De quarta a domingo, às 20 horas. Ingressos a R$ 3 (entrada franca às quartas, quintas e domingos). Até 18 de novembro.

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