• Carregando...
 | Reprodução
| Foto: Reprodução

Questões de mercado

Então, o que pensa a Câmara Brasileira do Livro?

A premiação de Breve História de um Pequeno Amor como o Melhor Livro do Ano de Ficção diz algo mais, além de, pela primeira vez, desde que a categoria máxima foi instituída em 1990, a CBL premiar um livro infantil. Estão em jogo os sinais de mercado e o potencial comunicativo: leia-se, de vender, o que não é exatamente ruim.

Primeiro que o Livro do Ano, diferentemente das demais categorias, "ouve" o mercado através de editoras e livrarias. Outra que há tempos o Brasil tem uma tradição de literatura infantil, de Ana Maria Machado a Monteiro Lobato. O filão é enorme, o governo compra tiragens gigantes, os autores vendem horrores, mas são um tanto escanteados do processo de autoconsagração da literatura – poucos eventos literários realmente levam a sério o gênero.

É lógico que há livros muito mais relevantes e permanentes lançados na última temporada. É evidente que o Jabuti também anda se especializando em escolhas polêmicas e situações estranhas – vejamos o caso dos jurados fanfarrões. Mas é importante reconhecer a simbologia por detrás da escolha.

  • Ilustrações do livro infanto-juvenil de Marina Colasanti, vencedor da principal categoria do Jabuti

O burburinho não foi pouco no dito mundo literário: como assim, um livro infantil venceu o Prêmio Jabuti de Melhor Livro de Ficção do Ano? E mais: um livro que mal passa de 40 páginas? E sobre um filhote de pombo?

Acontece que, à margem da celeuma, Breve história de um Pequeno Amor, de Marina Colasanti, é uma significante aula de como transformar a literatura em uma doce conversa de ouvido, como um café da manhã. A sinopse, em si, não é nada complexa mesmo: uma mulher encontra um casal de filhotes de pombos abandonados e resolve cuidar dos bichinhos, sendo que um deles (spoiler!) morre. A partir disso, ela narra uma série de sustos e sentimentos.

Do amor possessivo à tristeza, Breve História... remonta à narrativa oral e ao lúdico. Em certo momento, por exemplo, Marina "ensina" o bichinho a voar: "– Tom, veja bem, é assim – e eu dobrava os braços, mãos no peito, cotovelos erguidos, agitando-os como se quisesse voar. Não tinha plenas esperanças de que assimilasse o gesto, mas tinha algumas, porque também abro a boca quando peço a minha cachorrinha para abrir a dela na hora de escovar os dentes, e ela abre. Encerrada a parte propriamente explicativa, passava à prática. – Vamos voar, Tom – lhe dizia em tom persuasivo."

Sabiá

Marina considera a tradição literária. Em um dos momentos mais cativantes,ela se depara com uma questão urgente: o que comem bebês de pombo? "Há sempre um amigo que sabe como se alimenta um pombo ou se dá banho num tucano. Meu amigo era escritor e sabia tanto de passarinhos que era chamado ‘o sabiá da crônica’. Liguei para ele."

Quem atende é Rubem Braga, que, apesar de não ter a menor ideia a respeito da alimentação de bebê de pombo, sugere que ela bote a comida no fundo da garganta do bichinho com um palito de fósforo. "Palito de dente não serve, fura o bichinho."

A homenagem delicada ao maior cronista brasileiro pode ser interpretada por dois ângulos. Braga foi quem melhor soube, no século 20, aproximar o leitor através das pequenas coisas do cotidiano. A segunda leitura percorre a narrativa linda e cruel chamada História Triste de Tuim, que é, como se diz no interior, de mastigar o coração.

E como todo bom livro infantil, há um trabalho excelente de ilustrações, assinadas por Rebeca Luciani. Sem maiores voos narrativos, Breve História.... lembra, em um mundo acelerado, que ainda é possível construir boas histórias apostando na cumplicidade com o leitor. GGGG

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]