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Não bastasse Antônio Maria escrever exageradamente bem, a sua vida foi uma aventura que merece ser contada. Parece que não passava um mês sem que algo de pitoresco lhe acontecesse: quase afogou Chacrinha na banheira, dividiu a apresentação de programas de TV com Ary Barroso e Otto Lara Resende, narrou a final da Copa de 1950 – depois do gol uruguaio, interrompeu sua narração com um soco na mesa e foi embora do estúdio –, foi amigo e, em alguns períodos, inimigo de todo mundo que circulou por Copacabana nos anos 50 e 60.

Perto do fim da vida (morreu aos 43 anos), Maria fez uma proeza que ainda hoje, quase 50 anos depois, lhe rende fama até entre quem nunca leu uma linha sequer do que escreveu: roubou a mulher do patrão. A mulher era Danuza Leão, uma celebridade na época e agora. O patrão era Samuel Wainer, poderoso dono de jornal, amigo de Vargas e de Juscelino. Danuza era linda; Wainer, elegante e chique. Antonio Maria era obeso, meio calvo, suava muito e vestia-se mal.

Uma bela ironia: o homem que escreveu o samba-canção que diz "ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém me chama de meu amor" é mais lembrado por uma de suas conquistas amorosas do que seu por seu trabalho propriamente dito. Danuza lançou no fim do ano passado um livro de memórias (Quase Tudo, Editora Companhia das Letras) que vendeu mais de 50 mil exemplares. Quem lê fica curioso sobre o jornalista mulato que a seduziu.

Antonio Maria trabalhou muito, escrevendo diariamente, mas seus textos só estavam nos jornais, não em livros. O jornalista carioca Joaquim Ferreira dos Santos, de O Globo, apaixonou-se pelo cronista e resgatou seu trabalho. Primeiro foi uma biografia, escrita há 10 anos e relançada agora (Um Homem Chamado Maria, editora Objetiva) e depois um livro de crônicas (Seja Feliz e Faça os Outros Felizes, editora Civilização Brasileira). Os dois são deliciosos. A biografia vai nos dando aos poucos um retrato do homem engraçadíssimo, que passava as noites em boates, bares e restaurantes entre os artistas e ricos da época. De dia, trabalhava muito para sustentar a família, desprezava as mesmas pessoas com quem havia passado a noite e se amargurava. Era um carente crônico de afeto (ele realmente acreditava naquela história de "ninguém me ama, ninguém me quer"). Como Maria chegou ao Rio em 1940, vindo de Recife, a história de sua vida é também um relato das mudanças por que passou a cidade naquele período.

O boêmio Maria inicialmente se divertia na Lapa, onde marginais, sambistas e intelectuais dividiam os mesmos cabarés para ouvir samba. Mas a Lapa virou barra-pesada e, nos anos 50, o último grupo se juntou à grã-finagem de Copacabana em boates chiques onde se ouvia Cole Porter e Edith Piaf. Maria fez a crônica desse mundinho, suas futilidades e aventuras amorosas. Também falava bastante de si próprio. O texto é sempre irônico; às vezes, terno; sempre impecável. Um tipo de crônica sobre pequenas bobagens que só consegue escrever quem viveu muito, arriscou-se muito, interessou-se por muita gente. As aventuras de Antonio Maria não foram em vão.

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