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Edgar Allan Poe: contos de terror e mistério. | Reprodução
Edgar Allan Poe: contos de terror e mistério.| Foto: Reprodução

Adaptações

Poe na música: do erudito ao rock

Claude Debussy sempre declarou o profundo efeito de Poe na sua música. Deixou inacabada uma ópera sobre "A Casa de Usher" (uma versão reconstituída foi apresentada na Universidade de Yale em 1977) e outra tentativa de ópera baseada em "O Diabo no Campanário". O russo Serguei Rachmaninoff transformou o poema "Os Sinos" em uma sinfonia-coral em 1913. Mais recentemente, o minimalista Philip Glass compôs uma ópera baseada em "A Casa de Usher".

Na área do pop e do rock, "Annabel Lee" recebeu versões do cantor Frankie Laine (1957) e da cantora folk Joan Baez (1967); o cantor de protesto Phil Ochs inseriu "Os Sinos" em seu primeiro álbum (1964); Bob Dylan se refere à "Avenue Rue Morgue" em "Tom Thumb’s Blues" (1965). Os Beatles incluíram a figura de Poe com destaque na fotomontagem da capa de Sargent Pepper’s (1967), entre Jung e Fred Astaire.

São mais dez páginas do Google falando da ligação do rock com Poe. Vou citar apenas a inspiração óbvia da canção "Message in a Bottle", do The Police: "Found in a Bottle", de Poe. E o álbum do grupo Alan Parsons Project, Tales of Mystery and Imagination (1976), inteiramente dedicado a Poe e acrescido de uma narração por Orson Welles na versão remasterizada de 1987.

À sua maneira, Edgar Allan Poe foi um superstar dos anos 1840.

Edgar [Allan] Poe nasceu em Boston em 19 de janeiro de 1809. Seu nome foi inspirado por um personagem do Rei Lear, de Shakespeare. Os pais, artistas de teatro, viajavam como ciganos. Um ano depois do seu nascimento o pai abandona a família. A mãe morre no ano seguinte, em Richmond. Dias depois, na véspera de Natal, o teatro onde ela representava é destruído num incêndio — não por acaso o fogo é um dos temas constantes de Poe.

Dos três órfãos, dois morreriam ainda jovens: Henry, o irmão mais velho, de tuberculose; Rosalie, a irmã mais moça, de loucura. Edgar é adotado por um próspero comerciante de Richmond, John Allan, ganhando o seu nome. Sua vida começa confusa, assim como a vida da nascente nação norte-americana. É no escritório de Allan, recendendo a tabaco, que o garoto de 12 anos escreve suas primeiras poesias no verso de uma fatura de US$ 30 mil.

O Romantismo faz suas primeiras vítimas na Europa. Byron respira a Antiguidade Clássica na Itália e morre na Grécia.

Duelos, suicídios, paixões frustradas, spleen e tuberculose escrevem a crônica do mal du siècle. No cenário bucólico da Virgínia, a atmosfera de castelos mal-assombrados explode na cabeça do menino obcecado pela idéia da Morte. Poe nunca aceitou a ideia da morte da mãe. Com a Poesia, ele descobre a Mulher. Joga sobre elas sua paixão doentia, descreve-as em versos e contos com nomes de mulher: "Annabel Lee", "Lenore", "Berenice", "Ligéia", "Eleonora", "Morella".

Retração

Aos 15 anos começa a sofrer a perseguição do pai adotivo, cujos negócios vão mal. O menino se isola, passa horas trancado no quarto, lendo. Conhece nessa época Sarah Elmira Royster, um ano mais moça, olhos negros e cabelos morenos sedosos. Um dia John Allan recebe uma herança e seus problemas se dissipam.

Edgar recupera a paz por algum tempo. Tem 16 anos, um quarto confortável forrado de livros, um telescópio através do qual fica horas observando as estrelas. Allan quer se descartar de Edgar e o manda para a Universidade da Virgínia. Edgar deixa atrás de si o idílico parêntese da adolescência.

A universidade não é aquele retiro encantado de poetas e intelectuais idealizado por ele. Ali encontra o mundo duro dos homens, cheio de ódios e rivalidades. O pai não lhe deu nem a terça parte do dinheiro necessário para pagar os estudos. Todos jogam, bebem e fumam, e Edgar tenta diminuir suas dívidas jogando e fugindo do desespero por meio do álcool.

Os comerciantes encorajam os vícios dos estudantes, sabendo que a família pagará. Allan se recusa a assumir as dívidas de Edgar e o censura brutalmente. A família de Sarah Royster agencia seu casamento com um noivo idoso e rico. Edgar é tirado da universidade pelo pai e deixa atrás de si dívidas de mais de US$ 2 mil. A experiência da universidade será descrita com toda crueza no conto "William Wilson", em que o protagonista, ao matar o seu "duplo", percebe que matou a si mesmo.

Assolado por credores, rejeitado pelo pai, Poe, aos 18 anos, se torna um dropout mais de um século antes dos hippies. As pressões sociais o levam a tentar algumas vezes a volta ao lar, apenas para se convencer da inutilidade do gesto. Ajudado pela mãe adotiva, Frances Allan, ele viaja até Boston e publica, em edição que ele mesmo paga, seu primeiro livro: Tamerlane e Outros Poemas, assinado "Por Um Bostoniano". O rei Tamerlane agoniza e se dá conta, tarde demais, de que em sua ânsia desesperada de poder destruiu a única coisa importante: o amor puro da adolescência.

Turbilhões essenciais

Edgar ainda lamentava a perda de Sarah Royster. Um dos primeiros escritores americanos a tentar viver exclusivamente da pena, só conhece miséria e privações. Mal agasalhado, faminto pelas ruas geladas de Boston, alista-se no exército, outra amarga experiência. Implora ao pai que use sua influência para transferi-lo para a Academia Militar de West Point, onde não consegue ficar mais do que seis meses. O pai volta a acusá-lo de irresponsabilidade e alcoolismo.

Poe será um dos primeiros artistas a viver em toda sua extensão o Grande Pesadelo Americano. O extraordinário é que consiga produzir em meio a tanta confusão: crises alcoólicas, depressões nervosas, falta de dinheiro, de roupa, de comida e de teto. Aos 22 anos, deixa a poesia e começa a escrever suas "histórias grotescas".

Em "Metzengerstein", o protagonista manda incendiar o castelo de um primo, que morre tentando salvar os cavalos e assume o corpo de um deles. Ao mesmo tempo, uma tapeçaria no castelo do assassino se incendeia na parte correspondente à figura de um corcel negro. Quando o tapeceiro dá os toques finais na restauração, Metzengerstein caminha para a morte no dorso de um corcel negro através de campos em chamas. O mesmo recurso é usado por Poe em "O Retrato Oval": um pintor transpõe literalmente a vida da modelo para a tela.

Seus grandes temas começam a se delinear: o amor ideal, a beleza, a morte. E a morte de uma mulher bonita e amada é a maior tragédia de todas. Ele vive na maior pobreza com a tia Maria Clemm e a prima Virgínia. Um lampejo de reconhecimento surge finalmente aos 24 anos quando ele ganha o prêmio de US$ 50 em um concurso de contos do jornal Baltimore Sunday Visitor, seguido dos elogios calorosos da comissão julgadora.

A incerteza da espera, a instabilidade financeira e o pequeno valor dos prêmios minam seus nervos. Edgar só encontra alívio na obsessão de escrever. Aos 25 anos vai visitar o pai que, apesar de agonizante, o recebe a bengaladas e expulsa de casa. Semanas depois John Allan morre sem deixar um tostão para Edgar. No ano seguinte, ele se casa com a prima Virginia, de 14 anos incompletos. Será um casamento em branco, como o foram todas as paixões de Poe.

Em 1839, publica seus Tales of the Grotesque and Arabesque, que alguns interpretam como alucinações de uma mente drogada. Edgar tem 13 anos quando o inglês Thomas De Quincey publica as famosas "Confissões de um Tomador de Ópio". Um século antes da moda do LSD, Poe criou com sua imaginação o céu e o inferno dos sonhos artificiais, como se tivesse vivido a experiência. Que não a viveu tem-se a certeza através do depoimento do médico inglês Dr. Thomas Dunn, que o conheceu intimamente.

Quase cem anos antes do susto pregado por Orson Welles aos americanos, irradiando uma suposta invasão da Terra por marcianos, Poe mobiliza a atenção de Nova Iorque ao publicar, em 1844, no jornal New York Sun, com toda aparência de veracidade, a notícia, da chegada de um balão que acabou de atravessar o Atlântico em 75 horas.

A farsa é mantida durante vários dias, em primeira página, e o jornal esgota sua tiragem diariamente. Edgar ganha fama uma semana depois de ter se mudado para Nova Iorque, a principal cidade de um país que, com 17 milhões de habitantes, começa a se tornar uma potência. Apesar da situação financeira melhorar, é em Nova Iorque — o casal mora num chalé no Bronx, onde ele escreve "O Corvo" — que Poe vai sofrer, em 1847, o maior golpe de sua vida: a morte de Virginia, tuberculosa, aos 24 anos. Edgar, com 38 anos, envelhece ainda mais com esse choque.

Últimas tentativas

Quer fazer uma revista literária, Stylus, e volta a Richmond em busca de financiadores. No agitado ano de 1848, explodem revoluções sociais por todo o mundo, Poe vive a sua guerra particular. Tem duas ligações platônicas com mulheres casadas e propõe casamento à viúva Sarah Helen Whitman, mas é rejeitado. Tenta suicidar-se com láudano (tintura de ópio). Depois dessa crise, ensaia uma volta desesperada e absurda ao Sistema. Inscreve-se na Sociedade dos Filhos da Temperança, jurando abstinência. Faz conferências mundanas, frequenta salões literários e prepara seu casamento com uma burguesa.

Em 1849, porém, seu demônio o chama de volta a Nova Iorque. A caminho, para em Baltimore, num dia de eleições, e é apanhado na rua como eleitor de cabresto por um bando que embriaga as pessoas e as faz votar em todas as seções da cidade. Um tipógrafo que o conhece o encontra caído na rua, vestindo um casaco preto rasgado, calças que provavelmente não eram suas, e um chapéu surrado.

Parece tomado por delirium tremens e fala coisas incoerentes. Suas últimas palavras são: "Deus ajude minha pobre alma." Outras versões surgiram para sua morte além do alcoolismo: diabetes, sífilis, raiva ou uma doença cerebral rara.

No dia do seu enterro em Baltimore, um longo necrológio publicado no New York Tribune, começa assim: "Edgar Allan Poe está morto. Morreu em Baltimore anteontem. Esta notícia poderá surpreender muitos, mas poucos ficarão tristes com ela." Explica-se: o autor do texto era um dos maiores rivais literários de Poe e seria esquecido pouco depois. Mas a fama de Poe não cessou de crescer. A partir de 1949, seu túmulo tornou-se o objeto de um estranho culto: nas primeiras horas da madrugada do dia de sua morte, 7 de outubro, um admirador deposita uma garrafa de conhaque e três rosas vermelhas junto à lápide. Parece até uma história escrita por Edgar Allan Poe.

* * * * * *

"Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,

Vagos curiosos tomos de ciências ancestrais,

E já quase adormecia, ouvi o que parecia

O som de alguém que batia levemente a meus umbrais.

"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.

É só isto, e nada mais".

Trecho do poema "O Corvo", com tradução do poeta português Fernando Pessoa (1924)

***

Seus grandes temas começam a se delinear: o amor ideal, a beleza, a morte. E a morte de uma mulher bonita e amada é a maior tragédia de todas. Ele vive na maior pobreza com a tia Maria Clemm e a prima Virgínia. Um lampejo de reconhecimento surge finalmente aos 24 anos quando ele ganha o prêmio de 50 dólares em um concurso de contos do jornal Baltimore Sunday Visiter, seguido dos elogios calorosos da comissão julgadora.

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