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Quando o Luis Alvarez (repórter do Caderno G) entrou em contato comigo perguntando se eu poderia escrever um artigo sobre games para o jornal Gazeta do Povo, a primeira coisa que pensei foi: "Por que tudo acontece na mesma hora?". Meu primeiro instinto foi recusar, tantos são os compromissos e obrigações empilhados neste momento da minha vida. Mas a vontade de escrever foi maior, ainda mais sobre algo de que eu gosto tanto. E que sempre uso para fugir da realidade, literalmente. Só não sei se posso chamar este texto de artigo, mas garanto que será uma divertida leitura.

Tenho que admitir não nasci uma jogadora nata e às vezes tenho vergonha de jogar na frente de desconhecidos. Até um tempo atrás eu colocava a culpa de não saber jogar direito nos meus primos, que não deixavam "a garotinha da turma" chegar perto do Atari deles, e conseguiram me manter longe até a chegada do Super Nintendo, quando, chorando muito, consegui a oportunidade única na vida de tocar naquele tão precioso "objeto-só-para-garotos". Então, aproveitei o que foi bom enquanto durou. O jogo era Mario Kart e eu sempre escolhia o papel da "princesinha". Ia dirigindo loucamente na direção contrária dos outros carros, batendo neles e atrapalhando todo mundo. Nem preciso dizer que fui expulsa do grupo para sempre até comprar meu próprio videogame. Aprendi com isso que, mesmo jogando contra o meu amigo, eu tinha que trabalhar em equipe.

Quando comprei meu Nintendo 64, naquele minuto de bobeira em que você escolhe um videogame que ainda usa cartucho ao invés de escolher o que usa CD, foi a mesma história, mas dessa vez com meu irmão, nove anos mais novo que eu. Na verdade, deve ter sido pior para ele que tinha que pagar prendas para jogar. Posso dizer que isso me serviu de terapia. Eu cheguei à conclusão de que meus primos não eram machistas, na verdade só queriam criar um rito de passagem, uma cerimônia na qual os fracos pediam para sair. Afinal, eu estava fazendo com meu irmão o que haviam feito comigo.

A partir dessa experiência, entendi muita coisa. Compreendi que, se o número de mulheres que jogam games hoje é consideravelmente menor do que o de homens, pode ser devido à falta de comunicação, a um mal entendido que precisa ser reparado. Não se trata de uma conseqüência direta do machismo. Entendi, também, que, em sociedade, existem regras e quem não as cumpre está fora.

Todo esse treinamento me ajudou muito quando sai da casa dos meus pais para ir estudar na capital (São Paulo). Consegui acumular uma boa quantidade de conhecimentos com os quais eu resolvia as sérias e dramáticas questões do dia-a-dia de uma garota que tem de aprender a viver sua nova vida. Eu me sentia um avatar no Second Life. Os games me ensinaram a conviver com pessoas que não pensavam como eu. A negociar, a raciocinar, a perder sem querer me matar e criar táticas para enfrentar os problemas que iam surgindo. Então percebi que, mesmo fazendo faculdade de Publicidade e Propaganda e tirando férias dos games, os jogos não me largavam.

Claro que Mario Kart não foi a única coisa que eu joguei na vida.

Na minha lista tem Super Mario, Street Fighter, Tomb Raider, Metal Gear, God of War, Castlevania, Beyond Good and Evil, Shadow of Colossus, Ghost in the Shell e por aí vai. Só não consigo jogar games para PC por falta de tempo, principalmente os RPGs, mas adoro ver meu irmão jogar, desde a vez que o servidor em que ele jogava foi tomado por um grupo de jogadores russos. Pensei: "Puxa! Isso é melhor que filme!" E viciei nas histórias, em como funciona, na maravilha que é o que chamo de "verdadeira interatividade". Nada de msn, orkut, fotolog. O bom é você ter braços, pernas, executar ações, que embora limitadas, cumprem bem seu papel. E melhor ainda é saber que o "bichinho" ao seu lado também é uma pessoa e não um NPC (um personagem controlado por Inteligência Artificial).

Minha mãe sempre me ligava para falar que meu irmão vivia no computador jogando, que ele não estava tendo infância (como a dela), de não ter amigos e nem uma vida social (na visão dela). Foi por isso que resolvi estudar os games como fenômeno cultural e sua importância nos dias de hoje. Para explicar os muitos benefícios que essa forma de convívio gera, desde que utilizada sem exageros, tanto aos filhos que precisam aprender a conversar com seus pais, negociar e mostrar como as coisas funcionam, como aos pais, que precisam ter paciência para ouvir seus filhos contarem suas aventuras nos mundos virtuais.

E minha mãe, finalmente, entendeu que viver no computador não estava fazendo mal ao meu irmão. Parou de se preocupar e fez um acordo com ele: "Eu lhe dou a liberdade de jogar e você me dá notas altas na escola". Como diria aquele nanico do Fullmetal Alchemist: não se pode conseguir algo do nada. É a lei da troca equivalente!

No final das contas, toda brincadeira é uma preparação para a vida – as meninas brincando de boneca, os garotos de bola. Só que, como o mundo muda, as brincadeiras também se transformam. E agora elas servem para ensinar às pessoas a fugirem desse mundo e irem para outro , onde vão aprender coisas novas e úteis (como eu aprendi) para usar neste nosso mundo, que é apenas mais um entre tantos possíveis.

Gabriela Zamprogno, publicitária e atualmente realizando pesquisa acadêmica sobre games.

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