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Othon Bastos e Eva Wilma formam um tradicional casal em "O Manifesto" | João Caldas/Divulgação
Othon Bastos e Eva Wilma formam um tradicional casal em "O Manifesto"| Foto: João Caldas/Divulgação

Dennis Lehane diz não se importar de carregar um rótulo grande colado em sua bibliografia, dizendo "escritor de romances policiais". Afinal, é o gênero com que trabalha. Quem lê os livros protagonizados pelos detetives Patrick Kenzie e Angela Gennaro – Um Drink Antes da Guerra e Apelo às Trevas entre eles – , não imagina que, na condição de leitor, ele seja fã (e a palavra é fã mesmo) de Gabriel García Márquez e do clássico Cem Anos de Solidão.

"Na minha opinião, é o melhor romance escrito", afirmou em conversa com a imprensa durante a 5.ª Festa Literária Internacional de Parati, encerrada ontem. "É uma história que tem tudo que uma história deve ter: é tocante e é engraçada." Para o americano, um autor não deve investir só em estripulias estilísticas, da mesma forma que o puro e simples contar histórias – problema de muitos best sellers – também não basta.

Como leitor, Lehane evita os romances policiais. "Um carpinteiro não volta de um dia de trabalho para mexer na própria casa", compara. Quando lê, ele se sente mais ligado aos latino-americanos do que aos seus conterrâneos. E faz uma lista: Jorge Luis Borges, Julio Cortázar, Isabel Allende e Mario Vargas Llosa.

Ao lado do colombiano García Márquez, Lehane coloca o sul-africano J.M. Coetzee. Em contato com Desonra, vencedor do Booker Prize e considerado uma obra-prima por dez entre dez críticos, Lehane disse ter vivido a experiência rara de se sentir diante da "grandeza".

"Eu sei que um livro é importante pelo número de anotações que faço nele. Quando pego um lápis e começo a grifar frases, tenho certeza de que aquela narrativa mexe comigo e, sem dúvida, vou acabar levando os livros para os meus alunos. Eu estava lendo Desonra em um trem a caminho de Londres e não pude evitar o impulso de tomar notas."

A atividade de professor, levada simultaneamente com a de escritor, foi uma forma que encontrou de lidar com a fama. Chegou a essa conclusão numa conversa com o amigo Andre Dubus, contista morto em 1999. Ambos tiveram formação católica. O que Dubus fez Lehane entender é que, da fama, resultaria um imenso complexo de culpa, a menos que arranjasse um meio de retribuir o que vê como boa sorte. Dar aulas foi então sua "salvação".

Ele já usou vários livros no contato com seus alunos. Um dos mais recorrentes é justamente o Desonra, do sul-africano Coetzee. Lehane não conseguiu esconder o entusiasmo diante da possibilidade de conhecer e conversar com o Nobel de Literatura de 2003, também presente na Flip. Pouco depois de deixar a sala de imprensa, ele foi apresentado a Coetzee e dava para ver seu entusiasmo à distância.

Cadáveres

Lehane escreveu seu livro de estréia, Um Drink Antes da Guerra, para se "entreter" porque vivia um período de dificuldade e não tinha dinheiro sequer para sair à noite.

Uma questão comum para escritores de romances policiais é ligada à violência inevitável quando se aborda o gênero. Se ele se incomoda com violência? Sim, mas, na sua opinião, ela é indissociável não apenas do homem, mas de todos os animais. 

"Ela diminui na medida que as pessoas são mais educadas", afirma. "A pobreza é um dos fatores mais ligados a um cotidiano violento – basta ver o que acontece aqui, no Brasil." Porém, em sua "defesa", o autor conta que o número de cadáveres diminui progressivamente em sua bibliografia. 

Lehane teve o seu principal trabalho, Sobre Meninos e Lobos, adaptado ao cinema por Clint Eastwood. Nos EUA, o ator Ben Affleck acabou de finalizar o longa-metragem inspirado em Gone, Baby, Gone (o autor conta que já viu o filme e gostou). Embora suas experiências com adaptações tenham sido boas, ele se diz imune à sedução de Hollywood. "Filmes e livros são coisas bem distintas para mim."

O que pode ser identificado hoje como a influência exercida pela indústria do cinema (onde está o dinheiro) na literatura, levando escritores a produzir narrativas mais cinematográficas do que literárias, não é, para Lehane, algo novo. Na verdade, é um fenômeno que existe há cerca de 70 anos, quando teve início a era do glamour nas telas americanas e vários escritores migraram para Los Angeles a fim de ganhar a vida.

Algo que Lehane não consegue fazer quando assiste a uma produção inspirada em um livro seu é se deixar envolver pela história que vê na tela. Em parte porque sua intimidade com os fatos narrados e com os personagens é grande demais para ser ignorada. "É incrível para mim ver a surpresa das pessoas a certo ponto de Sobre Meninos e Lobos, por exemplo, quando elas realmente acreditam que Dave (o personagem de Tim Robbins) matou a garota. Mas depois eu paro para pensar e lembro: ‘mas é essa a idéia!’."

Tempo atrás, foi convidado para falar sobre o livro que gerou o filme de Eastwood. Chegou ao evento quando a projeção estava terminando. Vendo a cena da parada do 4 de julho, dia da Independência americana, que encerra a história, na qual os personagens cruzam olhares e o pior pode ser apenas intuído, Lehane conta que olhou para o público e pensou: "O que eu estou fazendo com essas pessoas? Isso é muito deprimente!".

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