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Lala Schneider anda devagar. A passos miúdos, encaminha-se para os bastidores, depois de mais uma manhã de ensaio. A rotina de teatro é velha conhecida. Está com 55 anos de carreira. O passo lento é que é novidade. Chegando aos 80 anos, que serão completados em abril de 2006, ela é obrigada a caminhar mais lentamente do que de costume, devido a uma fratura no fêmur, ocorrida em abril. A atriz, orgulhosa de não ter ficado nem um ano sequer da sua carreira sem pisar no palco, ficou quatro meses fora de combate, presa a uma cadeira de rodas. Mesmo nessa situação, rodou curtas-metragens. Agora, está de volta ao teatro, em uma peça que estava tentando montar há seis anos. Parar? Ela nem quer saber disso, pelo menos por enquanto.

A peça em cartaz atualmente, Tempo de Amar, com direção de Laércio Ruffa, é a 98.ª da carreira de Lala Schneider. A 99.ª será no ano que vem – ela diz já ter combinado com o diretor Marcelo Marchioro. A 100.ª ela ainda não sabe qual será. Mas a grande dama do teatro paranaense espera que venha logo. Não quer ficar parada. Pelo contrário. Tem planos de aumentar suas atividades, atuando também como produtora. Para isso, pretende aproveitar um teatro no Boqueirão, que assumiu recentemente a pedido do Sest/Senat. "Mas, para ser produtora, você tem de pedir muito e eu sou envergonhada, não sei pedir", conta ela.

Já nos bastidores, mesmo cansada do ensaio, Lala diz que prefere fazer a entrevista sem parar para o almoço. Já são 13h30, a entrevista deve ser um pouco longa. Mas ela não quer saber. "Gosto de me livrar dos compromissos. E, além disso, estou acostumada", conta. E é com um sorriso gentil no rosto, fumando sempre, que ela responde pacientemente às perguntas. Diz estar feliz de voltar ao palco, mesmo que tenha de passar parte da montagem andando com bengalas e até em uma cadeira de rodas – para não forçar demais a perna.

Ativa sempre, ela fala em cinema, em aulas de interpretação e em outros planos. Sua biografia conta com oito filmes de longa-metragem e três curtas. Um deles rendeu a ela o prêmio de melhor atriz em Gramado, em 2004. Além disso, desde 1950, quando ela iniciou sua carreira artística, fez seis anos de rádio-teatro, oito anos de teleteatro em Curitiba e dois anos da Rede Globo de Televisão, no Rio de Janeiro. Também dirigiu 20 espetáculos teatrais. Recebeu 12 prêmios de melhor atriz e dois de melhor direção. E continua indo sempre em frente.

Depois da conversa, já passadas as duas horas da tarde, ela sai do teatro, andando lentamente outra vez. Vai descansar? Nada. Depois do almoço, ainda tem que decorar o texto, cuidar de seu teatro e se recuperar de vez da falta de movimentos. Afinal, mais uma estréia da atriz número um de Curitiba vem por aí.

Gazeta do Povo – Como está sendo fazer essa nova peça, depois de uma pausa forçada no teatro?Lala Schneider – Eu estava querendo há muito tempo fazer o texto do Ensina-Me a Viver. É lindo, é quase um monólogo e tem frases muito bonitas. Quando soube que não ia dar certo por causa de problemas com direitos autorais, fiquei um pouco aborrecida. Mas aí o Laércio (Ruffa, diretor da peça) convidou o Édson Bueno para escrever esse outro texto, baseado no original. E, quando começamos a ensaiar, eu gostei muito. Minha personagem não é a protagonista. Ela é uma senhora que está internada em uma clínica e que começa a falar com um jovem que tem problemas. É interessante porque todos os outros personagens têm problemas de relacionamento com o menino, que caiu nas drogas. E ela é a única a não exigir nada dele. É muito bonito. E está sendo bom trabalhar com esse pessoal jovem. Sempre gostei de trabalhar com gente jovem, estou acostumada com o Curso Permanente de Teatro.

O que mudou no teatro paranaense desde que a senhora começou?Mudou para melhor. Nos anos 60, quando houve a profissionalização, tínhamos grandes produções. Chegamos a colocar um tanque de guerra cruzando a cena. As pessoas olhavam aquilo e diziam: "Que lindo, que lindo, que lindo". Mas o que importava não era o que está sendo dito. Você tirava atenção do que devia ser realmente importante com isso. Hoje, o que importa é o texto e o ator, a forma como ele está dizendo. E é assim que deve ser.

A senhora acompanha o que é feito no teatro hoje?Sim, sempre. Antes do acidente com a minha perna era mais fácil, estava indo sempre. Agora tive que dar uma diminuída, mas tento acompanhar, sim.

E quem, na sua opinião, são outros bons atores da cidade neste momento?Aí entra um pouco de vaidade. São os meus alunos no Curso Permanente de Teatro (risos). Tem o (João Luiz) Fiani, a Sílvia Monteiro. Tem o Edson Bueno. Eu devo muito da minha vida a ele, sabia? Tive um derrame por causa de um aneurisma enquanto estávamos ensaiando uma peça (A peça se chamava A Sedução, baseada em um conto de Oscar Wilde, e era a primeira direção profissional de Edson Bueno, em 1986, no Guairinha). Caí no palco e durante algum tempo ainda me retorci, via alguma coisa. Depois, não lembro de nada. Coincidentemente, o Edson estava todo de branco naquele dia. Ele entrou comigo no colo no hospital. Perguntaram: "O que houve, doutor?". Ele respondeu: "Emergência". E foi me carregando direto para a emergência. Depois, o médico disse que eu poderia ter morrido se demorasse mais cinco minutos para ser atendida.

Por que a senhora acha que é considerada a grande dama do teatro paranaense?Acho que é porque eu nunca parei de fazer teatro, nem por um ano. Mesmo nesse caso do derrame. Saí da UTI e no mesmo fim de semana já estava fazendo a peça. Eu fazia uma bruxa lépida, que subia e descia escadas. E antes eu fazia isso com facilidade. Depois, tive que mudar a personagem. Fiz uma bruxa casada, mas estava lá. Agora, com essa fratura do fêmur que tive, também. Fiz dois curtas metragens da cadeira de rodas mesmo.

E talento?Também conta, claro. Mas só isso não adianta. É preciso dedicação. Uma aluna minha uma vez me disse que estava gripada, que não poderia fazer a peça. Falei para ela que não é assim. Quem estava gripada era ela, não a personagem. Ela foi lá e fez a peça. Depois, me deu razão.

A senhora está com 80 anos e continua no palco. Nenhum plano de deixar o teatro para descansar?Sempre me perguntam quando eu vou parar. Se o físico ficar mais fraco, até não tem problema. Fico mais parada, mas faço. O problema é quando o cérebro ficar mais lento. Aí é difícil. E, olhe, aos 80 anos, tenho de dizer que a memória já não é a mesma. Levo mais tempo para decorar um texto hoje. O Marcelo Marchioro me convidou para fazer uma peça no ano que vem. Pedi para ele me mandar o texto o quanto antes. Assim tenho mais tempo para decorar. Vai ser minha 99.ª peça.

O que a senhora pretende fazer e ainda não conseguiu?Ser produtora de teatro. Tem um teatro que está nas minhas mãos atualmente, do Sest/Senat. Acho que eu devia fazer o papel de produtora também, mas não levo jeito. É uma boa oportunidade. Mas para ser produtora você tem que pedir muito e eu sou envergonhada, não sei pedir.ß Rogerio Waldrigues Galindo

Serviço: Tempo de Amar. Espaço Teatro Regina Vogue (Av. Sete de Setembro, 2.775, piso 2), (41) 2101-8292. Texto de Edson Bueno. Direção de Laercio Ruffa. Com Lala Schneider, Carlos Vilas Boas, Claudete Pereira Jorge, Gilda Elisa, Helena Portela, Ade Zanardini e João Paulo Alvarenga. De quarta-feira a domingo, às 21 horas. Ingressos a R$ 10 e R$ 5 (meia).

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