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“Em 1964, decidi que, de todos os meus ofícios terrestres, o violento ofício de escritor era o que mais me convinha. Mas não vejo nisso uma determinação mística. Na realidade, fui levado e trazido pelos tempos; poderia ter sido qualquer coisa, ainda hoje há momentos em que me sinto disponível para qualquer aventura, para começar de novo, como fiz tantas vezes.”
Rodolfo Walsh (1927-1977), escritor | Divulgação
“Em 1964, decidi que, de todos os meus ofícios terrestres, o violento ofício de escritor era o que mais me convinha. Mas não vejo nisso uma determinação mística. Na realidade, fui levado e trazido pelos tempos; poderia ter sido qualquer coisa, ainda hoje há momentos em que me sinto disponível para qualquer aventura, para começar de novo, como fiz tantas vezes.” Rodolfo Walsh (1927-1977), escritor| Foto: Divulgação
  • O cemitério da Recoleta onde jaz Eva Perón, personagem que inspirou o conto

Que escritor, Rodolfo Walsh (1927-1977). Pela vida que levou, o texto que tinha e os interesses que defendia, dá para considerá-lo o Ernest Hemingway da Argentina. Embora não tenha escrito romances de ficção, teve um fim tão trágico quanto o do autor de O Sol Também Se Levanta.

O norte-americano usou a espingarda favorita para dar cabo da própria vida. O latino-americano foi metralhado não se sabe por quem numa emboscada em Buenos Aires, pouco depois de escrever a "Carta Aberta à Junta Militar", atacando os absurdos da ditadura.

Autor de contos que sozinhos garantiriam um lugar na história da literatura argentina, Walsh escreveu reportagens que anteciparam em pelo menos uma década a explosão do Novo Jornalismo nos Estados Unidos. Usando um texto elaborado, construindo ce­­nas e investindo em tensão e personagens, ele fez peças de não-ficção que abordavam as barbaridades da realidade de então.

As facetas literária e jornalística de Walsh ganharam, cada uma, um lançamento no Brasil. A Editora 34 publica Essa Mulher e Outros Contos, volume que reúne as narrativas curtas de três obras (Os Ofícios Terrestres, Um Quilo de Ouro e Um Sombrio Dia de Justiça), enquanto a Companhia das Letras lança Operação Massacre dentro da coleção Jornalismo Literário.

Nos contos, Walsh conquistou leitores escrevendo histórias policiais ambientadas em Buenos Aires. Ele próprio era um leitor contumaz do gênero e também tradutor – atividade que começou a exercer para a editora Hachette quando era ainda adolescente.

As histórias reunidas em Essa Mulher... não fazem parte da leva policial, mas, em compensação, incluem aquela que é considerada a sua obra-prima (a que aparece no título da coletânea) e um outro, extraordinário, chamado "Nota de Rodapé".

O primeiro transforma em ficção o que teria sido uma entrevista de fato com um militar argentino do alto escalão. Eles conversaram sobre o destino do corpo de Eva Perón, mulher do presidente de­­posto por rivais militares. Porém, o nome dela não é citado em momento algum.

Diz-se que Walsh trabalhava muito para encontrar a frase certa – vem daí a comparação com Hemingway, dono de obsessão parecida e também de uma carreira no jornalismo. Além de ambos se interessarem por Cuba. O argentino tem um estilo simples na aparência e uma maneira própria de dizer as coisas.

Uma parte genial de "Uma Mulher" intercala o diálogo dos personagens com o funcionamento do luminoso de um refrigerante: "Olho para a rua. ‘Coca’, diz o letreiro, prata sobre vermelho. ‘Cola’, diz o letreiro, prata sobre vermelho. A pupila imensa cresce, círculo vermelho atrás de concêntrico círculo vermelho, invadindo a noite, a cidade, o mundo. ‘Beba’".

O cuidado com o texto também é visível em "Nota de Rodapé", quando Walsh intercala uma ação – pessoas encontram o cadáver de um homem que trabalhava como tradutor e aguardam a chegada da polícia – com o conteúdo de uma carta – a do suicida, deixada para o seu editor.

Lentamente, a carta ganha mais espaço, enquanto a ação vai se tornando sucinta. A tristeza e a frustração do personagem são tão palpáveis e a parte final do conto, tão crua e simples que é difícil terminar a leitura e voltar para o que você tem de fazer, seja lá o que for. Talvez impossível. Leva um tempo para processar aquela vida miserável resumida nas poucas linhas de uma carta.

A guinada de escritor (de contos policiais inclusive, mas não so­­mente) para militante teria sido ins­­pirada, segundo o jornalista Ruy Castro em um adendo de Operação Massacre, pelo desejo de "protagonizar sua própria trama".

Foi assim que, no fim de 1956, ele conheceu um dos sobreviventes de um fuzilamento ocorrido na noite do dia 9 de junho. Ao ouvir o relato do homem, Walsh encontrou nele uma história que precisava ser contada. No ano seguinte, depois de muita pesquisa, saiu Operação Massacre, falando de como o exército matou um grupo de pessoas sem nenhum motivo aparente, numa tentativa de liquidar a oposição peronista.

Serviço:

Essa Mulher e Outros Contos, de Rodolfo Walsh. Tradução de Sérgio Molina e Rubia Prates Goldoni. Editora 34, 256 págs., R$ 39.

Operação Massacre, de Rodolfo Walsh. Tradução de Hugo Mader. Companhia das Letras, 286 págs., R$ 46.

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