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A tendência de eleições serem polarizadas em torno da antítese de alguma coisa é mundial. Pode ser anti-determinado partido, anti-uma pessoa específica, ou, nos países do Cáucaso, anti-Rússia. Como devem ser as relações com russos tornaram-se, desde o final da década de 1990, o principal debate eleitoral na Geórgia e na Armênia. Algo compreensível, dado que eram repúblicas soviéticas, com fortes laços econômicos e sociais com a Rússia.

Na última década, entretanto, a discussão foi de “como devem ser as relações” com a Rússia para “você quer ter alguma relação”, anti-Rússia ou pró-Rússia, em absolutos. Pode-se tentar ver o copo “meio cheio” e argumentar de forma propositiva, que a discussão gira em torno de pró-Rússia ou pró-União Europeia; isso é verdade, entretanto, não autoriza esquecer que o mobilizador das paixões populares é o sentimento perante a Rússia.  

O trauma georgiano

Domingo, 28 de Outubro, será um dia eleitoral não apenas no Brasil, mas também na Geórgia. Cerca de 3,5 milhões de eleitores escolherão o novo presidente georgiano. Essa será a última eleição direta para o cargo. A constituição do país foi reformada para completar a transição de semipresidencialismo para um total parlamentarismo. Hoje, o cargo da presidência ainda possui alguns poderes executivos, especialmente em pautas de política externa.

A partir de 2024, a eleição será indireta, via um colégio eleitoral que reunirá o parlamento nacional e os parlamentos regionais, e o cargo será principalmente cerimonial, como de hábito em repúblicas parlamentaristas. Três candidatos são considerados possíveis vencedores, segundo as pesquisas. Teoricamente, todos são independentes, já que o cargo é suprapartidário, porém, com laços partidários em suas biografias.

Em uma ponta está Davit Bakradze, parlamentar e diplomata que foi enviado especial à OTAN e à União Europeia, além de ter participado das negociações pós-conflito de 2008, quando a Rússia ocupou as regiões separatistas da Ossétia do Sul e da Abkházia. A Guerra de Agosto contra os russos aprofundou sentimentos anti-Rússia, vista pelos georgianos como agressora que tomou as duas regiões pela força.

Bakradze foi brevemente Ministro de Relações Exteriores e também filiado ao conservador Movimento Nacional Unido, partido que pode ser definido como pró-Ocidente mas, mais que isso, é anti-Rússia desde sua fundação, em 2001. O partido buscava uma política externa independente que acusa a Rússia de expansionista desde o século 19, quando da conquista da Geórgia contra a Pérsia. Uma dissidência do partido fundou o Geórgia Europeia, cujo nome é autoexplicativo.

Mais ao centro está a favorita Salome Zurabishvili, apoiada pelo partido líder da coalizão governista, Sonho da Geórgia, um partido social-democrata e pró-União Europeia fundado por Bidzina Ivanishvili, bilionário, cidadão mais rico da Geórgia e uma das 200 pessoas mais ricas do mundo. Em 2004 e 2005 ela foi ministra de Relações Exteriores, iniciando o processo de integração europeia do país, mesmo antes do conflito com os russos.

Ela defende uma posição mais pragmática, de aproximação com o Ocidente sem que isso represente riscos à Geórgia. Curiosamente, Salome já foi embaixadora na Geórgia; sim, na, pois nasceu na França, de pais georgianos, e serviu por décadas como diplomata em serviço francês. Também trabalhou na ONU e, no início do século, começou a servir à nação de seus pais. Embora tenha participado de negociações com a Rússia, Salome não fala russo, tampouco raízes no período soviético do país, algo que a diferencia dos outros dois favoritos.

O terceiro é o atual presidente, Giorgi Margvelashvili, vencedor das eleições de 2013 com mais de 60% dos votos. Um acadêmico, Margvelashvili foi reitor universitário e ministro da Educação no governo do bilionário Ivanishvili; o atual presidente rompeu com o partido governista após fazer alertas contra “concentração de poder” e concorre ao cargo como independente.

Talvez por isso que Margvelashvili esteja na outra ponta no que concerne às relações exteriores georgianas, afirmando que a aproximação com a Europa é tão importante quanto a retomada de relações com a Rússia. As relações diplomáticas estão cortadas desde 2008, embora assuntos consulares sejam mantidos, já que muitas famílias possuem pessoas que vivem em cada país; cerca de 150 mil georgianos vivem na Rússia.

Laços não apenas entre Estados

Como já mencionado neste espaço, as relações pós-soviéticas não estão completamente estabilizadas. O que parece algo distante para os brasileiros ainda é parte do cotidiano das quinze sociedades que, até 1991, eram parte do mesmo Estado. Mais de 7 milhões de nacionais ex-soviéticos residem na Rússia, assim como mais de uma dezena de russos vive em países antigamente parte da URSS.

Mercados de trabalho, pesquisa acadêmica em faculdades de origem, laços familiares, todos esses são fatores que contribuem para explicar essa variedade demográfica. Por outro lado, é fator de preocupação, já que o rompimento de Estados não é algo abstrato. Não apenas influencia diversas eleições, como também pode acirrar ânimos contra minorias nacionais dentro de outro país.

Em torno disso, gira a forma com que uma sociedade vê a si mesma. Os georgianos, hoje, mantém laços mais estreitos com a Rússia, embora se enxerguem como europeus, em um sentido Ocidental e liberal. Mudar a rota de uma política do Estado é mais fácil e mais simples do que alterar toda a bússola de uma sociedade. O norte dos georgianos ainda é a Rússia, embora o destino da viagem seja a Europa.

O país ruma, então, no sentido contrário de sua bússola, daí o pensamento anti-Rússia ser um elemento eleitoral importante; quanto mais anti-Rússia, necessariamente mais pró-Europa. Quase não se vê meio termo, uma solução intermediária. Isso vai levar ainda ao menos uma geração para mudar; de políticos versados em temas europeus, de acadêmicos que frequentaram universidades ocidentais, etc.

Por isso que, embora ainda não seja oficialmente candidata a membro da UE, a Geórgia já conduz diversas políticas de adequação aos padrões da UE; nesse cenário que se encaixam as reformas constitucionais dos últimos anos. E esse tipo de política implica também escolhas: a Geórgia optou por não integrar a União Eurasiana, sabendo que isso seria um obstáculo ao seu futuro na UE.

Velocidade de integração

O que existe hoje entre Geórgia e a UE é um acordo de associação, que estabelece um quadro para cooperação. Algo que foi visto como uma vitória pelo governo georgiano, entretanto, não é algo tão incomum; a Argélia e o Egito possuem tratados do tipo. A pressa georgiana não é reciprocada pela UE, por dois motivos.

Primeiro, a UE não quer mais uma rota de colisão com os russos, a Ucrânia já é suficiente; imperativo lembrar que os protestos ucranianos que levaram à deposição do governo estavam ligados a um dilema similar. A proximidade entre Ucrânia e UE, e consequente distanciamento da Rússia. Anexação da Crimeia, conflito na Bacia do Don, disputas sobre gasodutos, todas essas crises passam por essa origem.

Segundo, a própria UE ainda passa por problemas internos. A consolidação fiscal pós-2008, o Brexit, os movimentos anti-UE que ganham força em seu seio, como na Itália. Novos membros serão apenas os já estabilizados, como Montenegro, de pouco impacto. Nada de Geórgia ou de Ucrânia em um futuro próximo. As eleições georgianas deveriam servir também para adequar o passo do país com o da UE. Ou serão apenas a venda de sonhos não realizáveis no curto prazo. Outra tendência eleitoral.

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