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O fim da Guerra Fria afastou o perigo de um confronto nuclear, mas não o de um acidente | American Experience Films-PBS/Divulgação
O fim da Guerra Fria afastou o perigo de um confronto nuclear, mas não o de um acidente| Foto: American Experience Films-PBS/Divulgação

Não precisou de muita coisa para quase aniquilarem o estado do Arkansas. Em 18 de setembro de 1980, um jovem mecânico que trabalhava numa plataforma em um míssil na cidade de Damascus, no estado, derrubou um soquete da sua chave de catraca. A peça teve uma queda de 20 metros, quicou e perfurou o tanque de combustível de um míssil armado com uma ogiva nuclear três vezes mais poderosa do que as bombas que arrasaram Hiroshima e Nagasaki.

Ao longo das 10 horas seguintes, conforme o vazamento de combustível foi criando uma série de outras reações químicas, a Força Aérea lutou para descobrir o que fazer com essa bomba relógio ativada, e mesmo as soluções encontradas não foram um completo sucesso. Houve uma explosão mortal no fim – ela só não foi catastrófica.

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Ao mesmo tempo, os Estados Unidos ainda estavam em plena Guerra Fria. Os treinos de guerra prática já tinham virado memória, mas a ameaça de um ataque nuclear ainda era bem real. Desde 1991, esses medos de uma guerra nuclear com os russos desapareceram – mas as bombas, não.

Esse é o lembrete revelador de “Comando e Controle”, um documentário de Robert Kenner baseado no livro de mesmo nome de Eric Schlosser, famoso por ter sido o autor de “Nação Fast Food – Uma Rede de Corrupção”.

“Há meio que uma amnésia que recaiu sobre todos nós, ao ponto de termos parado de nos preocupar com o fato de que o mundo poderia acabar por causa de um erro”, disse Kenner durante uma visita recente a Washington com Schlosser. “Essa complacência toda só faz com que esse risco seja ainda maior”.

Esses tipos de quase desastres – 32 casos documentados, mas há provavelmente muitos outros – são chamados de “broken arrows” [“flechas partidas”, em tradução livre], e as histórias são alarmantes, tanto por conta de sua frequência quanto pelo fato de que, aqui nos EUA, a maioria da população presume que os maiores perigos à nossa segurança partirão do estrangeiro.

Aposta alta

O segundo tema do filme é uma reflexão mais abrangente sobre o modo como os Estados Unidos não pararam de aumentar as apostas enquanto se armavam durante a Guerra Fria. Quanto mais armas tivéssemos, mais presumíamos que estávamos seguros – só que não era o caso.

Em outra ocasião, houve um avião que se desmanchou nos céus da Carolina do Norte e derrubou uma bomba de hidrogênio, que acabou passando inadvertidamente por quase todas as etapas de segurança necessárias para ser detonada. Uma medida de precaução de última hora – uma parte da bomba que parecia um interruptor de luz – foi o que evitou a catástrofe.

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Podemos pôr a culpa por algumas das “flechas partidas” na cultura de silêncio que predominava à época. Por exemplo, durante a Guerra Fria, uma das pessoas encarregadas da segurança das armas não estava ciente dos acidentes que aconteciam em campo. A boa notícia é que isso mudou.

“As ogivas e bombas estão muito mais seguras hoje do que estavam em 1980”, disse Schlosser. “Havia toda essa negação de que isso fosse um problema, porque, depois que você admite que há um problema, é preciso admitir que todas as suas armas são potencialmente perigosas, e isso era demais para lidar”.

Novas ameaças

A má notícia é que temos novas ameaças que não existiam 35 anos atrás, como invasões de hackers em sistemas de comando nuclear.

“Isso bem que parece o enredo do filme ‘Jogos de Guerra’”, Schlosser admitiu. Mas é de verdade. Se terroristas quiserem causar um estrago de verdade, não existe um jeito melhor do que obtendo os códigos nucleares. Em 2012, a Agência de Segurança Nacional reconheceu que os sistemas de computador que controlam as armas nucleares do país estão “sob ataque constante” de hackers.

O objetivo do livro, porém, bem como também do filme inspirado nele, não é fazer lobby para alterar nossas políticas nucleares. Schlosser e Kenner simplesmente querem chamar atenção para as milhares de bombas poderosíssimas escondidas em todo o país em lugares como o Nevada National Security Site, perto de Las Vegas, ou a Pantex Plant, perto de Amarillo, Texas. Eles não são profetas do apocalipse.

“Eu não fico deitado de noite acordado na cama pensando que alguma ogiva nuclear vai explodir”, disse Schlosser. “Mas é preocupante, e é definitivamente um problema a ser resolvido. As consequências de uma única arma disparando em qualquer lugar que seja serão inimagináveis”.

Os dois têm um histórico de instigarem mudanças com seu trabalho. O influente “Nação Fast Food” de Schlosser foi a inspiração para o “Alimentos S.A.” de Kenner, que foi indicado ao Oscar. Desde o lançamento do filme e do livro, feiras orgânicas vêm se multiplicando e os consumidores estão rejeitando cada vez mais os alimentos processados, o que levou até mesmo as cadeias de fast-food a adotarem alternativas mais saudáveis.

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Ameaça do Ronald McDonald

Eles receberam uma resposta muito mais violenta com esse livro e filme anteriores do que com “Comando e Controle”. Enquanto reunia material para pesquisa sobre as armas nucleares, a preocupação de Schlosser era que o governo pudesse vir tirar satisfações. Em vez disso, após o lançamento do seu livro, o que aconteceu foi que ele foi convidado a conversar sobre essas questões com as próprias pessoas responsáveis por lidar com nosso complexo de armamentos nucleares.

Em contraste, “Nação Fast Food” e “Alimentos S.A.” renderam ameaças, processos, cenas de confronto nas livrarias e a necessidade de seguranças.

“É muito mais assustador criticar essas grandes corporações do que criticar as políticas de segurança nacional”, disse Schlosser. “O que é interessante é que nos anos 70, a CIA e todas as agências do governo iam atrás dos jornalistas e críticos da Guerra do Vietnã, e hoje são os críticos do Ronald McDonald que precisam se preocupar”.

Consequências tremendas

Conforme os Estados Unidos continuam tentando entender o que fazer com a maioria das suas armas nucleares, Schlosser e Kenner têm esperanças de conseguir gerar conscientização e fazer as pessoas falarem a respeito.

“Durante os próximos anos, o congresso deverá discutir o nosso arsenal todo e precisamos de uma discussão verdadeira nas linhas de ‘De quantas armas nós precisamos? E de que tipo?’”, disse Schlosser.

Nesse meio tempo, continuamos vivendo ainda em meio a uma tecnologia mortífera manipulada por seres humanos que, como todos sabemos, cometem erros.

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“O fato é que as chances de algo dar errado são de baixa probabilidade, mas as consequências, se isso acontecer, serão tremendas”, disse Kenner. “Pense no que aconteceria se só um pedacinho daquela ogiva explodisse. Todo mundo vai dizer, ‘Por que não lidamos com isso antes?’ É o assunto mais importante que ninguém está comentando”.

Nativa da região de Washington, Stephanie Merry faz a cobertura das matérias de filmes e cultura pop para o Washington Post.

Tradução: Adriano Scandolara
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