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Roberto Alvim, atual secretário Especial de Cultura.
Roberto Alvim, atual secretário Especial de Cultura.| Foto: Edson Kumasaka/ Divulgação

O secretário especial da Cultura, Roberto Alvim, é, desde que “se converteu” ao ideário conservador, persona non grata na cultura brasileira. Mesmo assim, e talvez por isso mesmo, ele entrou para a administração de Jair Bolsonaro, primeiro como diretor da Funarte e, agora, como o homem por trás da Secretaria Especial de Cultura, que na prática funciona como o antigo Ministério da Cultura.

Numa longa entrevista à Gazeta do Povo, Alvim falou sobre sua atividade como gerenciador dessa panela de pressão sempre prestes a explodir que é a indústria cultural brasileira, e não fugiu de polêmicas recentes, como a cota para filmes nacionais no cinema, a Lei Rouanet e seu atrito com a ruidosa classe artística.

O que é mais difícil: dirigir teatro ou administrar a pasta da cultura?

Dirigi teatro por 30 anos. Minha vida era realmente entrar numa sala de ensaio e coordenar atores, determinar que gestos eles fariam, quais os tempos de pausas e silêncios, as texturas vocais. Era um trabalho de orquestração milimétrica de pessoas, luzes e sons. E também dei aula. Aqui demorei um pouco, confesso, para me adaptar. Sobretudo na Funarte. Tive uma escola na Funarte. Como uma pessoa que trabalhou na iniciativa privada, eu tinha uma ansiedade muito grande de realizar as coisas. Cheguei na Funarte e em duas semanas lancei projetos. Então havia algo muito impulsivo e imediatista. Mas aprendi muito lá. Tive uma serie de tropeços por realizar projetos sem conhecimento jurídico de como fazer. Como não tinha a assessoria jurídica que tenho aqui, eu criava projetos, achava que eram viáveis daquele modo, porque havia feito projetos semelhantes na iniciativa privada, e descobria, depois de algum tempo, que eles não eram viáveis. Quando cheguei aqui [na Secretaria Especial de Cultura], houve uma mudança. Ao entrar no cargo, há uma liturgia, uma série de pressupostos que eu acreditei que deveriam nortear meu comportamento. Tentei adotar um estilo de gestão mais comedido do que o meu estilo como diretor. Até que recentemente uma assessora que conhece minha carreira veio e me disse: “Roberto, você é um diretor de teatro e eu sempre me perguntei ‘Como vai ser um diretor dentro da Secretaria de Cultura?’. E você não tem se comportado como um diretor de teatro aqui dentro. Você está tentando se comportar como uma pessoa que você não é”. Isso me deu um insight e eu pensei: “Quer saber? Vou voltar a me comportar como sempre me comportei. Sempre controlei equipes e desenvolvi meu modo de fazê-lo ao longo de 30 anos como diretor de teatro. Não trazer esse conhecimento de lá seria um grande erro. Então de algumas semanas para cá voltei a adotar meu estilo como diretor de teatro e tem funcionado muito bem. Claro que, com toda a sabedoria acerca de como os processos têm que acontecer, não vou cometer os mesmos erros que cometi na Funarte. Mas meu estilo voltou a ser meu estilo de diretor de teatro. De um modo muito assertivo de coordenar uma equipe.

O começo do seu trabalho no governo, primeiro na Funarte, foi marcado pelo atrito com a classe artística. Como está a relação agora?

Nós servimos ao povo brasileiro. Nosso cliente é o povo brasileiro, não a classe artística. Havia uma inversão muito grande aí. Uma série de fundações da cultura dizia que eles tinham que a classe artística, quando na verdade nossos produtos têm que ser entregues para a população. Os artistas são instrumento, não fim do processo. São o meio através do qual o governo pode proporcionar, com total acessibilidade, produtos de alta cultura e obras de arte para a população.

Mas a classe artística tem bastante voz...

Sim, eles têm bastante voz dentro da mídia. Aprendi já a não ler jornais. Jornais mentem descaradamente. Hoje saiu um editorial da Folha de S.Paulo dizendo que ato mais vistoso que eu tinha feito antes de ter sido nomeado secretário de cultura foi a minha “agressão” à Fernanda Montenegro. A Folha de S.Paulo me elegeu, por três vezes nos últimos dez anos, como tendo dirigido o melhor espetáculo nacional de teatro. Como o ato mais vistoso que fiz foi ter “agredido” a Fernanda Montenegro? Eu fui capa da Folha de S.Paulo diversas vezes. Fui alvo de críticas de teatro que diziam que eu apontava os caminhos do futuro do teatro. E agora eles dizem que eu nasci ontem e que a única coisa que fiz na minha vida foi ter “agredido” a Fernanda Montenegro, quando na verdade eu não a agredi. Apenas respondi a uma agressão que ela perpetrou contra o governo, dizendo que vivemos num país que queimava livros e que perseguia vozes discordantes, o que é uma mentira descarada.

Alguns podem me acusar de destempero, mas a força que usei foi proporcional à acusação. Recentemente ela disse que a política cultural do governo era assassina. Eu já nem respondo mais assim porque quero responder com ações efetivas, não bate-bocas. No começo realmente eu tinha esse impulso de responder diretamente, em redes sociais ou na mídia impressa, as agressões que me faziam. Mas como todo na vida você vai adquirindo sabedoria. Hoje em dia eles dizem o que querem, e eu lutarei até a morte para que digam o que querem dizer. Sou totalmente favorável à liberdade de expressão completa. Nunca processei ninguém por causa disso, ao contrário deles, que me processaram diversas vezes. Então... O único processo que movi até agora foi contra o colunista Ancelmo Gois, que disse que eu era nazista. Nazismo é crime no Brasil. Achei um pouquinho demais aquilo. Achei que extrapolava a liberdade de expressão ao dizer que sou nazista porque meu filho pode ler isso no futuro e isso pode virar uma mácula terrível.

Então, sim, o começo foi marcado por muito atrito. Esses atritos permanecem. Eles continuam me atacando diariamente. Todo dia pela manhã recebo clipping de editoriais de jornais. E veja o peso que tem um editorial. Fui vítima de vários editoriais tentando me desqualificar. Só digo uma coisa: essas pessoas não aguentam dez minutos de debate sobre história da arte comigo. Não há ninguém no Brasil e raras pessoas no mundo que possam conversar comigo sobre história do teatro. Inclusive um detrator meu disse na revista Época que meu conhecimento de teatro é enciclopédico. E de fato, sem falsa modéstia, é. Então é muito difícil eles discutirem comigo sobre isso.

O que eles tentam fazer permanentemente é uma desqualificação da minha pessoa. Pinçando frase aqui e acolá – como fazem com secretários e presidentes de fundações e autarquias. Pegam frases, deslocam de contexto, frases antigas. Colocam ali para jogar uma pecha de lunático e ignorante. Mas já estamos respondendo a tudo isso com trabalho e ações diárias e, em 2020, essas ações vão saltar aos olhos de uma tal maneira que só quem for mal-intencionado não vai perceber que só se pode julgar uma árvore pelos frutos dela.

Só quero deixar uma coisa bem clara com relação a isso. A obra de arte não será mais reduzida a um veículo de propaganda ideológica na nossa gestão. Quem quer fazer do teatro, do cinema, das artes plásticas um veículo ideológico esquerdista não terá lugar na nossa gestão. Poderá fazê-lo perfeitamente com dinheiro próprio e outras fontes, já que há uma série de instituições no Brasil que preconizam a propagação de uma agenda ideológica esquerda em seus patrocínios. Agora, o governo federal vai devolver a obra de arte ao lugar da obra de arte. O conceito de obra de arte foi vilipendiado no Brasil durante as últimas décadas e nós estamos trabalhando para a retomada, para o renascimento do conceito de obra de arte.

Muitos autores, de Roger Scruton a um T.S. Eliot, por exemplo, dizem que a cultura é algo espontâneo, orgânico, impossível de ser gerenciado. Na sua opinião, por que o Estado precisa de uma pasta dedicada à cultura?

Esses autores que você citou dizem isso num determinado contexto e o contrário em outro contexto. Essa informação é uma meia verdade. Veja bem. Toda a arte foi apoiada pelo Estado ao longo da história da arte. O teatro grego era apoiado pelo governo que construiu os teatros, que subsidiava a conta dos figurinos, dos cenários, que oferecia o teatro à população ao preço de 2 óbulos [a moeda grega do século V a.C.], que equivaleriam hoje a R$ 5. Mas quando o indivíduo chegava e dizia que não tinha os 2 óbulos para pagar, o governo pagava o ingresso dele. O governo percebia que tinha a obrigação de proporcionar aos seus cidadãos instrumentos estéticos que amalgamassem a identidade daquele povo, que enriquecessem o pensamento dos cidadãos. Isso era uma obrigação do Estado desde o berço da nossa civilização ocidental. Sem o apoio da Elisabete I e depois Jaime I, não teríamos o teatro elisabetano. Sem o apoio do rei da França, não teríamos o classicismo francês. Richard Wagner teve todas as óperas compostas com o apoio completo do governo alemão naquele período. Então o que pode nos guiar é a história da arte. Somos conservadores. Conhecemos e amamos profundamente a história da arte. E é com base nessa história que nos norteamos. Não podemos achar que o mundo começou ontem. Se você entrega ao livre mercado a produção de obras de arte, o que você vai ter é o pior lixo comercial sendo bombardeado nas pessoas. Há todo um processo de estupidificação, de emburrecimento perpetrado nas últimas décadas no Brasil que faz com que as pessoas tenham sido bombardeadas permanentemente com o pior lixo cultural possível.

Mas você acha que o Estado é capaz de mudar essa situação?

O Estado tem a obrigação de proporcionar o acesso – e o acesso gratuito – a esses produtos. Toda essa discussão que os liberais têm conosco – e alguns deles são muito ignorantes do ponto de vista cultural e artístico e se arvoram a opinar sobre uma coisa da qual não fazem a menor ideia, que não faz parte do mundo qual eles vivem... O fato é que nós vamos criar um projeto gigantesco para ser lançado no início de 2020. Esse projeto vai ser o marco histórico do renascimento na arte e cultura brasileiras. Ele vai proporcionar o total acesso da população a obras de arte. Daí no final de 2020 podemos voltar a conversar. Como eu disse, é pelos frutos que se conhece a arte.

Vamos criar oferecer isso às pessoas. E vamos ver o resultado disso a curto e médio prazos. Vamos ver se o Estado é capaz de cumprir este papel de oferecer de Dostoievski a Shakespeare, passando por Nelson Rodrigues e por Sófocles, Martins Pena e Molière, se ele [o Estado] pode oferecer isso gratuitamente à população que nunca teve acesso a isso e vamos ver os efeitos da exposição a esse referencial de alta cultura, que os clássicos proporcionam. Porque... o que um clássico desvela? Um clássico desvela a complexidade da condição humana. Fomos bombardeados por tanta estupidez que achamos que o ser humano é absolutamente achatado e raso. Quando você se depara com o Rei Lear, do Shakespeare, ou com Os Demônios, do Dostoievski, você percebe que o ser humano é muito complexo. Que somos formados por muitas forças em contradição permanente dentro de nós. Temos uma sombra que habita o coração dos homens e, se não conhecermos essa sombra, ela nos devora.

Vamos expor a população brasileira a isso e vamos ver no que isso vai resultar. Daí posso voltar a conversar com os liberais que acham que o livre mercado tem que regular a criação de obras de arte. Coisa que, repito, não procede do ponto de vista histórico. Um conhecimento básico da história da arte faz cair por terra essa teoria.

Um tema bastante sensível para a esquerda e direita é a Lei Rouanet. Há algum projeto de mexer nela?

Estamos com um passivo. Temos 18 mil projetos que nunca foram auditados. Nunca foi analisada a prestação de contas deles. Isso caiu no meu colo. Então estamos criando uma “comissão da verdade da Lei Rouanet”. Seremos obrigados a contratar centenas de terceirizados para em dois anos dar conta de realizar essa prestação de contas. E vamos ver o que vai sair daí. Já tenho algumas informações do início desse processo. Sei que existem muitas irregularidades. Mas só podemos nos pronunciar depois que tivermos todas as provas. Agora, a lei realmente era usada e não se analisava as prestações de contas dos projetos. Vamos sanear esse negócio.

Em relação à continuidade da Lei Rouanet, ela é um mecanismo legitimo e interessante. Uma empresa designa parte do seu importo para patrocinar obras de arte e eventos culturais. Não tenho nenhum problema com essa lei, em absoluto. O que aconteceu foi que estabelecemos um teto. Havia projetos com custos exorbitantes e que monopolizavam o dinheiro que essas empresas destinavam a projetos culturais. Menos de dez produtoras captavam todo o dinheiro para projetos gigantescos. E isso fazia com que a lei não tivesse descentralização. Havia uma concentração muito grande dos recursos possíveis de serem aplicados na Lei Rouanet.

Era uma ação entre amigos?

Pode se dizer que sim. Havia alguns produtores que captavam sempre nas empresas. Então estabelecemos um teto para a captação da lei Rouanet. Para que o dinheiro, milhões e milhões de reais, possa ser distribuído entre os vários projetos. Cada CNPJ passou a poder captar um valor muito menor. O teto para espetáculos de teatro, por exemplo, ficou em R$ 1 milhão. Porque eu, com a minha experiência de 30 anos, sei que dá para montar qualquer espetáculo com menos de R$ 1 milhão. Nunca tive um orçamento de R$ 1 milhão e montei mais de cem peças que rodaram o Brasil. O que havia eram valores absurdos.

Recentemente fiz uma alteração na instrução normativa da Lei Rouanet ampliando o teto para produções de teatro musical. Porque também como diretor sei que, se uma peça custa menos de R$ 1 milhão, um espetáculo de teatro musical precisa de valores maiores. Há uma indústria de teatro musical que cresceu muito no Brasil nos últimos dez anos. Ela movimenta, pasme, mais de R$ 1 bilhão por ano. E gera dezenas de milhares de empregos. Ou seja, há uma economia criativa inteira em torno dessa indústria. O que estabeleci foi um teto de R$ 10 milhões por ano – para teatro musical. E pode decidir entre um espetáculo grande, dois de porte médio ou espetáculos de pequeno porte.

E isso causou uma reverberação positiva nesse nicho do teatro musical. Que não é um nicho contaminado pela ideologia esquerdista. O teatro musical não é veículo de propaganda ideológica da esquerda. Nunca foi. A lógica é totalmente distinta dessa. Houve, portanto, um alívio no setor, que ia quebrar. Mas estabelecemos uma série de contrapartidas, como gratuidade para quem trabalha como voluntário, uma série de workshops, apresentações para escolas, etc.

Então repito para você: as pessoas têm uma visão muito errada da Lei Rouanet. Aqui no Brasil todo mundo tem uma opinião sobre todos os assuntos. A Lei Rouanet nunca foi o problema em relação aos grupos de ativistas de esquerda que vilipendiam o conceito de obra de arte para fazer panfletarismo político. Esses ativistas de esquerda que usam o palco e a tela como palanque político-partidário, as estruturas delas são alimentadas por editais municipais e estaduais. A Lei Rouanet geralmente vai para celebridades e estruturas como os musicais, não para esses grupos de ativistas. Esses grupos se alimentam de outra fonte.

Quanto à famosa “mamata”, isso vamos aferir agora com toda a responsabilidade através das auditorias dos 18 mil processos que estão aqui pendentes.

Recentemente, o presidente Jair Bolsonaro assinou um decreto determinando cotas para o cinema nacional. O senhor disse que foi uma “intervenção mínima”. Mesmo mínima, não é uma intervenção indevida? Ela não contraria o ideário da direita?

Para mim, não contraria. As pessoas têm que entender o que é uma política cultural. Entender quais as circunstâncias de movimento possível na conjuntura jurídico-política em que estamos. A cota de tela é uma lei. O presidente não pode simplesmente revogá-la. Ele é obrigado a, ano após ano, assinar um decreto determinando novas porcentagens. O que fizemos foi uma redução considerável. Antes a gente determinou entre 15 e 27 dias. Isso tudo foi um processo embasado tecnicamente e conversado exaustivamente com exibidores de grande, médio e sobretudo de pequeno porte, que exigiam que tomássemos uma medida quanto a essa regulação. Era preciso determinar o tamanho dessa regulação e um mínimo de intervenção do Estado. A lei vai até 2021. Aí vamos ver se decretamos o fim do procedimento da determinação de cota de tela. Mas agora não podíamos fazer isso.

O contra-argumento a isso é que em 2019 o presidente não assinou o decreto e em 2018 o então presidente Michel Temer também não assinou.

O Temer não assinou o decreto e ficou valendo o de 2017. Nós diminuímos esse decreto consideravelmente. Se o presidente tivesse deixado de assinar esse decreto agora, podíamos responder a um processo por prevaricação, que certamente seria aberto pela esquerda. Ou deixaríamos uma cota de tela muito maior. Repito que fizemos uma intervenção mínima do Estado para um processo de transição até a possibilidade do fim da cota de tela, dependendo da conjuntura em 2021.

Acabei de liberar, também por força de lei, o Fundo Setorial do Audiovisual. Mais de R$ 700 milhões. Vamos lançar editais que vão preconizar a qualidade artística dos filmes. Acabou essa palhaçada de usar o cinema como propagador de propaganda ideológica. A obra de arte é uma entidade complexa, polissêmica, que emancipa o espectador, dá autonomia de pensamento ao espectador – e não conduz isso para uma tese. Vamos lançar esses editais e é importante que esses filmes encontrem os exibidores numa escala mínima. Porque a gente corre o risco, devido aos traumas anteriores de filmes brasileiros muito ruins, de os filmes novos não encontrarem exibidores. Essa cota mínima vai proporcionar que os filmes sejam exibidos e, uma vez exibidos, e tendo êxito, pode apostar que eles vão ficar meses em cartaz. Não tendo êxito, eles sairão de cartaz. E vamos ver como esse mercado vai evoluir a partir dessa guinada do cinema brasileiro e vamos ver, ano após ano, como trabalhar com as cotas.

O que estou dizendo é que há muita ansiedade da ala liberal que apoiou o governo. Há vontade de que se acabe com tudo em uma canetada. Isso seria erro. Porque, como diz aquela frase atribuída a Nietzsche ou Baudelaire, só se destrói uma coisa substituindo-a por outra. Se estamos dizendo que a arte brasileira foi veículo de atrocidades nas últimas décadas, eu vou acabar com tudo e deixar o vazio? Primeiro que não existirá esse vazio. Porque a esquerda continua tendo muitos meios de patrocínio de suas obras. O jogo continua sendo muito desequilibrado. Nós temos o governo federal, mas eles continuam tendo todos os governos municipais e estaduais, instituições como o poderosíssimo Sesc, propagador da agenda progressista de uma forma vergonhosa, acintosa. Então não vamos usar a estrutura do governo federal para fazer nada no campo da arte e da cultura e vamos deixar que eles continuem dominando completamente? Olha que burrice e ignorância que os liberais proclamam! Eles não sabem o que estão falando. Então deixem que alguém como eu, que viveu a vida inteira nesse ramo e tem um repúdio pela esquerda maior do que o deles, que viveu na pele uma perseguição dessa esquerda, que tentou destruir minha carreira e minha vida... Deixem que eu faça o trabalho no campo para o qual me preparei a vida inteira. E tenham um mínimo de confiança de que sei o que estou fazendo e não sou um infiltrado. Ninguém pode odiar a esquerda mais do que eu. O que estou fazendo é muito pensado, muito estratégico, é um plano de políticas estruturantes. A pura e simples desconfiança de que estou agindo em prol da manutenção das atrocidades esquerdistas no campo da cultura me magoa e entristece profundamente. Porque vejo isso como produto de uma insegurança profunda e de uma ansiedade sem embasamento.

Nesse mesmo viés, o senhor considera que sua pasta está aparelhada pela esquerda?

Todas as estruturas de cultura do Brasil estão aparelhadas até o último fio de cabelo. Todas as estruturas. O que eu fiz foi: assim que entrei no cargo, em uma semana exonerei e nomeei todas as cabeças da Secretaria de Cultura. Todos as secretarias que estão abaixo de mim. Nessas pastas todas as pessoas que estavam trabalhando aqui foram tiradas. O que estou fazendo é colocar pessoas nos cargos de liderança nesses diversos setores para que elas analisem, porque é uma estrutura de dezenas de milhares de pessoas, e então trabalhar com pessoas que querem trabalhar em prol do país, e não de um partido político.

O senhor falou em oferecer alta cultura ao povo. Mas eu me pergunto: o povo quer isso?

Posso teorizar aqui, mas não sou o povo e nem você é o povo. Então estamos falando em nome de um terceiro que não está aqui presente. Então só poderemos descobrir isso juntos, na medida em que acesso [do povo à alta cultura] seja proporcionado. Vamos descobrir juntos se as pessoas terão prazer e alegria ao verem uma obra de Dostoievski adapta para o teatro, Wagner, Carlos Gomes, Villa-Lobos... Vamos ver como elas reagirão a isso. Vamos ver se elas levarão os filhos para assistirem a Sonhos de Uma Noite de Verão, do Shakespeare, por exemplo. Não podemos subestimar o povo brasileiro achando que são burros, que as pessoas são idiotas e gostam de comer merda e estão felizes com isso. Se não foi dado acesso a uma coisa, as pessoas sequer sabem que ela existe. Elas não podem ansiar por isso. Na medida em que esse acesso for proporcionado, talvez elas não vivam mais sem isso. Estava numa conversa com uma pessoa supostamente inteligente e esclarecida. Disse a ela que estávamos com plano de estrear Otelo, de Shakespeare, num dos teatros da rede federal. E ela falou: “Mas você acha que alguém vai querer ver isso?” Como é que essa pessoa pode, do alto da sua empáfia, me afirmar que não haverá público para Otelo, de Shakespeare, porque as pessoas não têm interesse? Vamos fazer a obra, expô-la gratuitamente num teatro da Cinelândia e ver o que acontece. Talvez eu esteja errado, mas é possível que a pessoa que disse isso esteja errada. E vou apostar no erro dela. Vou apostar em William Shakespeare, e não em quem acha que Shakespeare não tem ressonância na população.

Em entrevista à Gazeta do Povo, o senhor disse que sua carreira artística tinha acabado por causa do boicote da esquerda. Quais são seus planos para depois do governo?

A minha carreira artística acabou assim que entrei para o governo. Foi duro aceitar isso no começo. Senti muita dor. Foi duro aceitar que aquilo a que me dediquei a vida inteira tinha terminado. Minha vida era criar fenômenos estéticos, obras de arte dentro de uma sala de ensaio. Minha vida era entrar dentro de uma sala escura às 9h e sair às 23h. Isso acabou. Minha vida é entrar aqui às 8h e sair às 19h, 20h. Mas hoje em dia confesso que estou muito feliz por estar aqui. Aprendi a gostar. Não penso no futuro. Enfrentamos aqui cinco batalhas e oito crises por dia. Então meu ponto é conseguir chegar vivo ao final do dia e recomeçar no dia seguinte. Mas estou muito animado, entusiasmado, feliz por, depois de ter dado 30 anos da minha vida para a criação de obras de arte, agora poder ajudar outras pessoas a criarem obras de arte pelo Brasil afora. É uma mudança completa de ponto de apoio existencial. No começo aceitei com resignação, mas agora abraço isso com alegria.

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