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Kiri Hart, vice-presidente de desenvolvimento da Lucasfilm | PETER PRATO/NYT
Kiri Hart, vice-presidente de desenvolvimento da Lucasfilm| Foto: PETER PRATO/NYT

Leia é durona, idealista e quase sempre sarcástica; é também ‘quietona’. Na trilogia original de "Star Wars", as mulheres falam menos da metade do número de palavras que os colegas homens. Os diálogos limitados da princesa no filme não mudaram em 1977, mas, 40 anos depois, questiona-se a falta de papéis de destaque para mulheres e negros em Hollywood. Enquanto a indústria cinematográfica tenta encontrar a melhor forma de refletir a diversidade da experiência humana em seus roteiros, na Lucasfilm, um pequeno grupo de homens e mulheres pode ter encontrado a solução.  

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Cinco dias por semana, nas colinas nevoentas de San Francisco, onze roteiristas e artistas discutem em detalhes os storm troopers; é o grupo de histórias da produtora, cujos membros controlam tudo o que se relaciona à saga "Guerra nas Estrelas". Sob sua diretriz, as narrativas da franquia se mantêm interligadas, independentemente da plataforma – TV, games, parques temáticos, publicações, produtos ou, é claro, filmes. E embora suas ideias moldem cada personagem e cenário, eles não se veem como "guardiões" da história, mas sim parceiros que têm o poder de "esticar" as narrativas que seus criadores querem contar.  

Kathleen Kennedy fundou o grupo em 2012, quando substituiu George Lucas na presidência da Lucasfilm, deixando a ex-roteirista de cinema e TV Kiri Hart responsável pela unidade. A princípio, sua intenção era incluir no grupo apenas membros femininos, começando com Rayne Roberts e Carrie Beck. As duas tinham experiência com o desenvolvimento de roteiros, mas também tinham trabalhado em áreas como publicação de revistas (Roberts) e o Instituto Sundance (Beck).  

Outra qualificação comum: a paixão por "Star Wars". Hart, hoje vice-presidente de desenvolvimento da Lucasfilm, cresceu em Los Angeles e era fã apaixonada do primeiro "Guerra nas Estrelas", e especialmente da Princesa Leia. "Ela já fazia um monte de coisa que as mulheres geralmente não faziam em filmes", comenta.  

Em Los Angeles, antes de se mudarem para a região de San Francisco, as três se sentavam ao redor de um braseiro no quintal de Hart, ao lado do produtor da Lucasfilm John Swartz, e falavam de suas esperanças para o futuro da saga. Queriam contar belas histórias, atender às expectativas dos fãs mais fiéis e criar personagens femininas interessantes.  

"Como roteirista, estava morrendo de vontade de criar personagens femininas reais, e interessada em contar histórias sob uma perspectiva externa", comenta Hart, relembrando a Hollywood do início dos anos 2000. "As coisas sobre as quais eu realmente queria escrever não tinham receptividade. Hoje é diferente, o pessoal está muito mais aberto, o que me enche de esperança."  

Progresso

Atualmente, o grupo da Lucasfilm é praticamente uma aberração em Hollywood, com quatro mulheres e sete homens, sendo que desses onze, cinco são negros. Em 2017, porém, ainda é uma raridade, pois as mulheres são apenas treze por cento, e as minorias, cinco, de todos os roteiristas responsáveis pelos filmes mais rentáveis do mercado. Além de manter a continuidade de "Star Wars", seu objetivo é aumentar a diversidade, o que, muitas vezes, levou a verdadeiras quedas de braço em relação às personagens femininas.  

No início dos trabalhos, a equipe teve que brigar por Ahsoka Tano, uma garota de 14 anos criada por George Lucas e, mais tarde, desenvolvida pelo diretor, produtor e roteirista Dave Filoni. Pouco popular a princípio, ela tinha uma voz alta e aguda e o autocontrole típico de uma adolescente malcriada quando foi introduzida, em 2008, na animação e na série subsequente, "The Clone Wars". Em sua resenha, Roger Ebert a chamou de "irritante"; choveram cartas e e-mails irritados dos fãs. 

Ainda assim, Filoni e o grupo insistiram, garantindo que Ahsoka Tano tinha mais a oferecer. Mesmo depois do cancelamento da série, em 2013, a equipe não a deixou morrer; em vez disso, preferiu incluí-la em uma nova série de animação, "Star Wars Rebels", acompanhando sua transformação de adolescente em uma mulher compassiva de trinta anos, cuja jornada cheia de nuances revela problemas na ordem Jedi e uma boa percepção dos descendentes de Anakin Skywalker. Hoje tem um fã-clube considerável, inclusive de jovens que valorizam muito suas camisetas "Ahsoka Lives".  

Personagens como ela estão ganhando destaque no universo "Star Wars". Um novo estudo não publicado dos filmes da saga mostra um progresso incrível na representação de gênero e raça. Usando um software de análise de conteúdo, Shrikanth Narayanan e o pessoal do Laboratório de Interpretação e Análise de Sinais da Universidade do sul da Califórnia concluiu que as mulheres eram responsáveis por 6,3 por cento dos diálogos de "Uma Nova Esperança", o longa que deu início à franquia, bem diferente de "O Despertar da Força", de 2015, cuja porcentagem chega a 27,8. Mais promissor ainda é o fato de que em "Rogue One" (2016), os personagens não brancos responderam por 44,7 por cento do total dos diálogos, quando no original não abriram a boca.  

Narayanan, entretanto, é rápido em observar que a porcentagem de diálogo feminino em "O Despertar da Força", ainda que seja recorde para a franquia, é comparável aos números a que a equipe chegou depois de analisar os roteiros de mais de mil filmes populares das últimas décadas.  

Sua pesquisa destaca a saga "Guerra nas Estrelas" não na linha de diálogo, mas na centralidade das personagens femininas. O software de visualização da rede de personagens do laboratório consegue extrair cada interação individual; quanto maior o número, obviamente mais importante ela será para a trama. A equipe chegou à conclusão que, na vasta maioria de roteiros de Hollywood, as mulheres não passam de meros acessórios, cujas personagens são inócuas para o desenvolvimento da história. Por outro lado, uma pesquisa preliminar descobriu que a franquia tem um nível alto e incomum de centralidade feminina, indistinguível do dos homens do filme e que parece estar aumentando com o tempo.  

Enquanto escrevia "Os Últimos Jedi", Rian Johnson se mudou para San Francisco, trabalhando três meses com o grupo para desenvolver ideias para o filme. Hart conta que a decisão de introduzir vários personagens no longa foi do próprio roteirista/diretor. Dos novos membros do elenco, diversos são mulheres, incluindo Rose Tico, interpretada por Kelly Marie Tran, a primeira asiática a entrar para a saga.  

"Os personagens que acabam na tela estão ali porque há uma onda de energia apoiando essa ideia de criar um reflexo mais honesto do mundo à nossa volta, vinda das mais variadas pessoas ao longo do processo. É meio que um milagre, um verdadeiro raio de esperança, não só para Star Wars, mas para o cinema em geral", conclui Hart.  

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