Em poucas semanas, saberemos quais serão os filmes estrangeiros que disputarão uma estatueta no Oscar de 2024. Na Argentina, a expectativa é sempre alta, pois o país já colocou oito obras na disputa (sendo quatro apenas neste século) e sagrou-se vencedor em duas oportunidades, com A História Oficial (1985) e O Segredo dos seus Olhos (2009). Para uma medida de comparação, o Brasil só figurou na categoria quatro vezes, com um intervalo de 33 anos entre a primeira e a segunda indicações e, além de nunca ter levado o troféu, amarga 24 anos sem participar da disputa (mesmo tempo que completaremos sem uma nova Copa do Mundo, aquela que os hermanos acabaram de conquistar).
Os Delinquentes foi o longa escolhido para representar o país vizinho na disputa. Ele estreou nos cinemas brasileiros em salas selecionadas na semana passada e em breve pintará no catálogo do Mubi, serviço de streaming que adquiriu a película após os elogios colhidos no último festival de Cannes. O filme de Rodrigo Moreno, que contou com dinheiro brasileiro, chileno e luxemburguês em sua produção, também foi exibido nos não menos prestigiosos festivais de Nova York e Toronto, o que ajudou a aumentar sua aura de cult.
Quem conhece um pouco do cinema argentino das últimas duas décadas sabe da qualidade com que os diretores de lá filmam roubos, golpes e demais malandragens portenhas. Como exemplo de películas bem-sucedidas nesse universo, é possível citar Nove Rainhas (2000), O Clã (2015), A Odisseia dos Tontos (2019) e O Roubo do Século (2020), este último sobre o verídico assalto a banco que inspirou a série espanhola La Casa de Papel. Pelo trailer, Os Delinquentes insinua ser um filme do mesmo rol, mas há detalhes que o diferenciam dos grandes filmes dessa linhagem.
As mesmas cinco letras
Na história, um funcionário de banco chamado Morán bola um roubo milionário na agência em que trabalha e procura o colega Román para ser seu comparsa com o plano já em curso. A missão de Román é guardar a grana enquanto Morán cumpre pena de três anos e meio por confessar o crime. Ao ser libertado por bom comportamento, o cabeça dividiria a quantia com o parceiro. Só que armazenar os dólares em casa enquanto o banco investiga a participação de outros funcionários no ato acaba virando um tormento para Román. A saída encontrada pelos gatunos de ocasião é esconder o valor numa montanha longe de Buenos Aires. É quando entram em cena outros três personagens com nomes formados pelas mesmas cinco letras: as irmãs Norma e Morna, e o videoartista experimental com quem elas trabalham, Ramón.
Com uma premissa tão bacana, é de se lamentar que Os Delinquentes não seja um filme para todo tipo de público. A direção de Rodrigo Moreno é lotada de firulas artísticas e homenagens a cineastas de sua predileção, o que compromete o ritmo do filme, que ultrapassa as três horas de duração. São muitas cenas contemplativas, que para o espectador convencional terminam parecendo “encheção de linguiça”, além de um maldito final aberto, inconclusivo, que irrita demais quem só quer curtir uma boa história com começo, meio e fim.
As primeiras críticas profissionais louvaram as escolhas estéticas do realizador. Na Rolling Stone americana, por exemplo, Os Delinquentes foi definido como “algo muito mais provocativo, brincalhão e filosófico do que o típico filme sobre roubo”. Realmente, a obra tem sua camada filosófica, que vem à tona quando trabalho e ócio são contrapostos, quando 25 anos de trabalho num banco para juntar uns trocados antes da aposentadoria são comparados ao caminho mais fácil, que permitiria aos larápios gozarem a vida no campo, nas cercanias da montanha onde o dinheiro foi escondido, com seu cenário pastoral, suas cachoeiras, seus cavalos...
Mas é bem provável que a receita do filme não garanta aos argentinos mais uma classificação para o top 5 de representantes estrangeiros na corrida por mais um Oscar. Ainda assim, Os Delinquentes é um trabalho muito mais interessante do que o escolhido pelo Brasil para tentar a sorte na mesma disputa. Mas a análise do pretendente nacional fica para uma próxima matéria.
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