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Cartaz do filme sobre Anthony Bourdain, que desde novembro integra o catálogo do Star+
Cartaz do filme sobre Anthony Bourdain, que desde novembro integra o catálogo do Star+| Foto: Divulgação Star+

Em 8 de junho de 2018, quando começaram a circular as notícias de que Anthony Bourdain havia tirado a própria vida, muitas pessoas que admiravam o chef, escritor e apresentador de TV questionaram como alguém que tinha “o emprego dos sonhos” e uma linda filha adolescente havia sido capaz de tal ato. Roadrunner: um Filme sobre Anthony Bourdain ajuda a elucidar o que levou a estrela de 61 anos, que passara as últimas duas décadas viajando pelo mundo e conhecendo a gastronomia de cada região, a se enforcar com um lençol num quarto de hotel no nordeste da França.

Na verdade, o fabuloso registro do documentarista oscarizado Morgan Neville de 2021 (mas que só há poucas semanas chegou ao Star+) vai muito além de uma investigação sobre o suicídio. A partir de escritos do personagem, trechos de programas, vídeos caseiros, depoimentos de amigos e colaboradores, e músicas e filmes prediletos, o diretor constrói um mosaico que desnuda a alma de Tony (forma carinhosa com que os chegados se referiam a ele).

A intimidade presente no documentário permite ao espectador entender o que atormentava o ex-chef, desde sua relação com drogas pesadas na juventude até o fastio com os inúmeros dias do ano viajando para gravar seu programa, distanciando-o da esposa da vez e, finalmente, da filha.

Ao explorar as perturbações e neuroses de uma pessoa inquieta e inconformada, o documentário acaba revelando fatos da trajetória de Anthony Bourdain que talvez até um fã desconheça. Como na passagem em que ele mergulha de cabeça no jiu-jitsu, influenciado pela segunda esposa, mãe de sua filha. Obcecado, ele larga o cigarro e só pensa em lutar, aborrecendo os amigos com horas e horas de papo sobre a arte marcial brasileira. Mas, assim como o vício veio com tudo, ele também passou e Bourdain voltou a fumar compulsivamente nos últimos anos de vida.

Outra passagem curiosa é relatada no momento da transição de seu anonimato para a fama. Em 2001, quando seu best-seller Cozinha Confidencial o tirou da labuta diária com as panelas, veio o convite para um segundo projeto editorial, que consistia em rodar o mundo fazendo relatos culinários de cada local. Um casal do mundo audiovisual se juntou à empreitada e aí teve início a longa jornada de Bourdain como apresentador de programas de TV com essa pegada.

Mas, nos primeiros contatos com ele, o casal percebeu que, aos 40 anos, o ex-chef poucas vezes tinha se aventurado fora dos Estados Unidos. O que ele tinha de bagagem cultural vinha dos livros, filmes e músicas que tinha consumido ao longo da vida. Era um nerd, mas sem conhecimento empírico. E ainda era tímido, para piorar.

Tragado pelo Me Too

Quem já viu Parts Unknown, No Reservations ou qualquer outra série de programas capitaneados por Bourdain fica impressionado ao descobrir detalhes como esse, de que sua faceta de apresentador não nasceu pronta, e que ele sequer escrevia os primeiros textos narrados em off. Bourdain foi tomando as rédeas e deixando tudo bastante autoral em suas produções. Pena que, após 15 anos de parceria com a maioria de sua equipe, ele botou tudo a perder ao se apaixonar por Asia Argento. A controversa atriz italiana que foi o estopim do movimento Me Too, ao anunciar ter sido estuprada pelo produtor Harvey Weinstein, enlouqueceu Bourdain de tal maneira que ele a colocou para dirigir alguns de seus programas, para o desespero de colaboradores de longa data.

Além dessa questão profissional, Bourdain foi totalmente tragado pela pauta do Me Too, afastando-se de quem ousasse questionar o movimento. Num ato desesperado, pagou uma quantia em espécie para calar um jovem ator que foi abusado por Asia aos 17 anos (ela então tinha 40). Na semana de sua morte, a italiana estampava tabloides ingleses de mãos dadas com outro homem, o que deixou Bourdain transtornado. Era uma relação fadada a terminar mal, mas os amigos foram todos pegos de surpresa com a forma. O filme tem muito choro nesse pedaço, até mesmo de gente como o amigo Josh Homme, da banda Queens of The Stone Age, que não tem o hábito de derramar lágrimas em público.

A música, aliás, é fundamental em Roadrunner, a começar pela que nomeia o doc, o grande hit do Modern Lovers, grupo de Massachusetts, o estado que deu o primeiro impulso na carreira do jovem chef. Há trechos de seu encontro no programa com o ídolo Iggy Pop, que já demonstra o quanto Bourdain andava preocupado com a finitude da vida. Iggy confessa que o que o mantém interessado em seguir adiante é saber que é amado por tanta gente.

Bourdain não conseguiu levar isso em conta e encerrou uma vida que chegava a ser invejada por quem estava do outro lado da tela. Assistir ao documentário muda bem essa perspectiva. Por mais que seja pesado encará-los, ali estão os dramas que todo mundo que idolatrava Anthony Bourdain precisa conhecer melhor. Até para seguir achando-o incrível, com todos os poréns.

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