Espiar a vida alheia para se sentir melhor com a própria é um hábito que o ser humano cultiva desde tempos imemoriais. Com a explosão dos reality shows, a prática ganhou novos contornos, gerando desde diversão pura e simples até debates antropológicos e filosóficos, que são amplificados quando os programas são sobre “estilos de vida únicos” (isso virou até categoria), como os acumuladores de quinquilharias ou os supergordos. Logo, o sucesso de Muquiranas Brasil, que nos últimos três meses motivou inúmeros vídeos de celebridades da internet reagindo aos episódios nas redes sociais, é bem simples de explicar.
Versão brasileira de Extreme Cheapstakes, programa americano que rendeu três temporadas entre 2012 e 2014, Muquiranas Brasil chegou à plataforma Max explorando as histórias de 14 avarentos, sovinas, mãos-de-vaca – escolha o termo de preferência para classificar pessoas viciadas em economizar. Os perfis escolhidos não podiam ser mais variados. Há uma chef de cozinha que bota a família toda para comer sobras de restaurantes, um dono de brechó que escolheu morar dentro de seu estabelecimento mesmo possuindo outros dois imóveis (que ele aluga para faturar), um boa vida que largou tudo e passou a viver com R$ 10 por dia, um casal que consegue tudo na base do escambo com itens que eles coletam em descartes...
O capítulo mais “viral” é o primeiro, estrelado por uma caiçara chamada Vanderlea, que aglutina todos os comportamentos muquiranas dos demais personagens da série e ainda exibe alguns só dela. Com economias feitas no banheiro (reaproveitamento de pedaço de fio dental usado por semanas, substituição de papel higiênico por paninho) e a falta de cerimônia ao recolher restos de comida de outras mesas após uma refeição em restaurante, Vanderlea conseguiu uma repercussão que não esperava... Mas que nem acompanhou direito, pois disse recentemente que não gastaria dinheiro assinando o Max para ver seu episódio. Óbvio.
Sabonete de erva-mate
Além de causar espécie quando seus protagonistas revelam hábitos de higiene reprováveis e atitudes perigosas envolvendo comida, Muquiranas Brasil preocupa de fato quando as vítimas da mesquinhez são crianças e animais de estimação. Os filhos da chef contam terem ficado verdes numa ocasião em que a mãe resolveu reutilizar erva-mate para fazer sabonetes. Já o rapaz que vive com dez mangos por dia alimenta seu amado cachorro com pelancas que mendiga em açougues de Florianópolis. São histórias contadas de maneira jocosa, mas que deixam um gosto amargo após a risada.
Por um certo prisma, é possível extrair boas reflexões da série. Ao observar tantas pessoas vivendo de forma extrema, o espectador dificilmente não olhará para si mesmo procurando manias que renderiam assunto numa atração televisiva do tipo. E nem precisam ser hábitos relacionados à economia. Qualquer exagero condenável que a pessoa esteja cometendo tem a chance de vir à tona e causar vergonha após uma sessão de Muquiranas Brasil.
E vale dizer que também há casos inspiradores dentro da seleção feita pelo programa, que conta com roteiros escritos pela experiente jornalista Cindy Wilk. Um cidadão de Serra, no Espírito Santo, desejava fazer musculação como seus amigos, mas não se conformava em pagar as mensalidades de uma academia. Resolveu então montar os aparelhos em sua casa, usando barras e traquitanas compradas em ferro velho, além de uma boa dose de criatividade. Esse é o tipo de pão-durice que não ofende ninguém e ainda contribui para a reciclagem de materiais.
- Muquiranas Brasil
- 2024
- Oito episódios
- Indicado para maiores de 10 anos
- Disponível no Max
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