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Objetivo era que evento fosse a versão chinesa do Sundance, o maior festival de cinema independente dos Estados Unidos | GIULIA MARCHI/NYT
Objetivo era que evento fosse a versão chinesa do Sundance, o maior festival de cinema independente dos Estados Unidos| Foto: GIULIA MARCHI/NYT

Pareceu estranho conhecer um aspirante a diretor em um festival de cinema que pediu para não ser citado. Ele explicou que tinha medo, pois uma discussão sobre o cinema na China enveredou para a censura e o modo em que ela afeta os cineastas que trabalham aqui.  

Esta foi a questão que dominou o festival de uma semana que aconteceu recentemente na antiga cidade murada de Pingyao: você pode criar e exibir filmes independentes em um país que olha torto para a independência, e mais ainda para a dissidência? 

"Há um limite", disse Sun Liang, outro jovem diretor, cujo filme experimental, "Kill the Shadow", foi exibido aqui após sua estreia internacional em Montreal, em setembro. "Você não quer fazer algo muito violento ou muito impróprio, que supere esse limite. Provavelmente é assim em todos os países", acrescentou.  

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Só que não é. O controle da China sobre a cultura é tão forte quanto na mídia, na política e na economia. E, talvez, esse controle tenha crescido ainda mais sob o presidente Xi Jinping, que usou o congresso do Partido Comunista de outubro em Pequim para se declarar o mais poderoso líder chinês em uma geração.  

Por acaso do calendário, o festival parece ter se tornado um teste precoce do que é aceitável na agora chamada Era Xi.  

O evento foi ideia do cineasta independente mais célebre do país, Jia Zhangke, cujo próprio trabalho – corajoso, violento, politicamente tingido – já caiu na rede dos censores antes.  

Quase 800 filmes são feitos na China todos os anos, e desses, muitos são de jovens diretores talentososGIULIA MARCHI/NYT

Ele disse que queria apresentar filmes artísticos que, de outra forma, talvez lutassem para chegar a uma ampla audiência, no país e no exterior. Jia o chamou de Festival Internacional O Tigre e o Dragão de Pingyao, em homenagem ao filme de artes marciais de 2000, do diretor Ang Lee.  

Jia gostaria que fosse a versão chinesa do Sundance, o maior festival de cinema independente dos EUA – embora talvez, como autoridades do governo gostam de dizer por aqui, um "com características chinesas".  

É no mínimo impossível imaginar a equipe do governador de Utah assistindo aos filmes que serão exibidos no Sundance, em Park City, embora seja exatamente isso que os funcionários da província de Shanxi, onde fica Pingyao, fizeram com os 52 filmes mostrados aqui.  

Jia disse que o cinema independente poderia florescer na China, apesar dessas restrições. "Quase 800 filmes são feitos na China todos os anos, e desses, muitos são de jovens diretores talentosos."  

Diretores e produtores presentes, mesmo aqueles que falaram francamente dos limites, concordaram: por enquanto, ainda há espaço para a criatividade.  

Mesmo assim, também era evidente que o festival não conseguiria escapar da atração gravitacional da política do país. Inicialmente, foi programado para estrear uma semana antes, mas quando as datas do congresso do partido foram anunciadas para a mesma época, o cronograma do festival teve que ser mudado.  

O filme escolhido para a abertura, "Juventude", também ficou enredado em uma regra tácita da política congressista. Seu lançamento nacional em outubro foi cancelado abruptamente, mesmo que uma turnê promocional já tivesse começado. Muitos críticos assumiram que o motivo era a representação de um evento – a guerra mal sucedida da China no Vietnã em 1979 – que passaria uma mensagem contrária à do Congresso, que é de força nacional.  

O controle da China sobre a cultura é tão forte quanto na mídia, na política e na economiaGIULIA MARCHI/NYT

‘Muito ousado’

Agang Yargyi, cineasta tibetano que veio da província ocidental de Sichuan para participar do evento, expressou admiração pela escolha do diretor Feng Xiaogang de tratar de um assunto histórico, chamando-o de "muito ousado".  

Agang, de 27 anos, fez três curtas-metragens, incluindo um, "Sonho", que foi exibido em festivais de cinema na Finlândia e em Washington. Ele descreveu os desafios enfrentados pelos cineastas, aumentados em seu caso por seus laços étnicos com uma região às vezes tensa. Ele não pode obter um visto, por exemplo, para acompanhar seus filmes no circuito de festivais. "A China é um país que não gosta de rever sua história", disse ele.  

Jia escolheu Pingyao para o festival porque fica perto de sua cidade natal; um de seus filmes, "Plataforma", se passa ali e inclui um encontro entre dois personagens nas muralhas da cidade. Esse filme mostra uma trupe de teatro logo após a Revolução Cultural, que assolou a elite cultural do país.  

Cineasta Jia gostaria que fosse a versão chinesa do Sundance, o maior festival de cinema independente dos Estados UnidosGIULIA MARCHI/NYT

Evento

O festival teve o apoio financeiro do governo regional, que espera atrair mais visitantes.  

A noite de abertura atraiu mais de 1.500 pessoas, de acordo com os organizadores. Os fãs se amontoavam nas barricadas em volta dos tapetes vermelhos para tirar fotos das maiores estrelas chinesas.  

Entre eles, a atriz Fan Bingbing, cujo último filme, um sucesso de ação patriótica chamado "Sky Hunter", também foi mostrado aqui. Ele foi feito em cooperação com o Exército de Libertação Popular para se adequar a uma tendência de exaltação do poder do país, encorajada pelo governo. Sua exibição certamente abala a definição de independente.  

Parece que esses são os requisitos necessários para se fazer um festival. Seus cartazes declaram "Pingyao Year Zero", sinalizando que Jia espera que dure muito.  

O filme escolhido para a abertura, "Juventude", também ficou enredado em uma regra tácita da política congressistaGIULIA MARCHI/NYT
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